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A criminalidade do Colarinho Branco


Por Karla Sampaio


Por muito tempo, e não raro até os dias de hoje, o imaginário popular guarda a imagem do delinquente, mesmo que tal figura nem exista. Seja ele branco, negro, mulato, índio, alto ou baixo, gordo ou magro, detentor de cabelos compridos ou não, o fato é que muitas pessoas mantêm na mente a figura de alguém que as assusta, que traz em si a ideia de insegurança, de risco à sua integridade.

Vale sempre lembrar a influência do médico italiano Cesare Lombroso na Criminologia e na Escola Positiva de Direito Penal. O estudioso ministrou disciplinas de Psiquiatria, de Antropologia Criminal e de Medicina Forense e Higiene e, a partir de suas funções como diretor de um asilo mental na Itália, criou o estereótipo do criminoso.

Segundo Lombroso, o delinquente teria, a título de características corporais, órbitas grandes, arcos superciliares excessivos, nariz torcido, lábios grossos, arcada dentária defeituosa, braços longos em excesso, mãos grandes, possíveis anomalias nos órgãos sexuais, orelhas grandes etc. Sobre seu ânimo, o delinquente de Lombroso era insensível à dor, tatuado, cínico, vaidoso e cruel, entre outros predicados.

Foi nesta fase da Criminologia que se buscaram bases científicas, sobretudo com o incremento das ciências sociais da Antropologia, da Psiquiatria e da Sociologia, para a compreensão das motivações humanas e sociais do infrator. Os adeptos do Positivismo Penal compreendiam que o criminoso era levado por forças das quais não tinha domínio, mas, no entanto, ao rebaterem a ideia do livre-arbítrio do homem, não foram capazes de explicar a criminalidade dos ricos, por exemplo.

Pois bem.

Edwin Hardin Sutherland, contemporâneo de Lombroso, mas advindo da Escola de Chicago, iniciou seus estudos sobre a sociologia do delinquente. Após visitar presídios europeus no verão de 1930, Sutherland acabou enveredando pelas pesquisas dos crimes das classes poderosas. É dele a criação do termo “Crimes de Colarinho Branco”, indumentária que diferenciava os trabalhadores das classes intelectuais daqueles que vestiam o colarinho azul – os trabalhadores braçais.

Sua pesquisa representou verdadeira reviravolta nos estudos tradicionais, pois desmistificou a falsa ideia do delito cometido unicamente pelas classes menos favorecidas: segundo Sutherland, era imprescindível afastar os “tradicionais selecionados pelo sistema” do estudo criminal, pois a prática criminosa existia mesmo que o agente estivesse fora das estatísticas oficiais.

Neste sentir, a análise das cifras ocultas comprovou uma criminalidade ainda mais organizada e perene, sobretudo na intenção de eximir os mais poderosos das sanções penais. Enquanto a pobreza havia sido até então uma constante em todas as análises da origem da criminalidade, Sutherland percebeu a longa estratégia que já se formava para apartar o colarinho branco da pecha criminal: fosse quando da elaboração das leis, das atividades policiais ou mesmo das atividades judicantes, o fato é que o crime de colarinho branco tinha realmente tratamento diferenciado.

Certamente, em tempos de Lava Jato e outras operações (e aqui me eximo momentaneamente de traçar críticas à condução meramente processual), estamos vivendo grandes mudanças na maneira de se compreender a criminalidade.

Lembro-me do clássico “Casablanca”, quando Rick mata o oficial alemão e é acobertado pelo oficial francês com um solene: “Prendam os suspeitos de sempre”, aos que seus comandados se apressam a cumprir-lhe a ordem.

Vê-se que isso aos poucos tende a mudar. E que assim seja.

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Karla Sampaio

Advogada Criminalista e Bacharel em Administração de Empresas. Especialista em Direito Penal e Direito Penal Empresarial, com atuação no RS e nos Tribunais Superiores, em Brasília.

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