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A extinção da CGU e o enfraquecimento do combate à corrupção


Por Fernanda Ravazzano


Dentre as principais medidas anunciadas pelo governo Temer, analisaremos a polêmica extinção da CGU – Controladoria Geral da União – e o possível enfraquecimento do combate à corrupção. A decisão do presidente interino em transformar o órgão em Ministério trouxe duas questões à tona: a manutenção e/ou ampliação dos poderes fiscalizatórios do órgão e a ausência de autonomia para investigar o próprio governo federal.

A CGU surgiu em 2003,com o advento da Lei 10.683/03, tendo por finalidade atuar na prevenção e transparência, fiscalização de órgãos e empresas, recebendo denúncias da prática de atos ilícitos no âmbito do Poder Executivo Federal, quando houver lesão ou ameaça de lesão ao patrimônio público, perpetrada por pessoa física ou jurídica. Para tanto a CGU possuía uma estrutura composta de: aSecretaria de Transparência e Prevenção da Corrupção (STPC), Secretaria Federal de Controle Interno (SFC), Corregedoria-Geral da União (CRG) e Ouvidoria-Geral da União (OGU).

Assim sendo, fiscaliza, apura e instrui procedimentos que têm por finalidade constatar lesões ou ameaça de lesões ao patrimônio público, aplicando no âmbito administrativo sanções diante da ocorrência de condutas que promovam danos ao patrimônio público, encaminhando ainda as notícias de crimes ao Ministério Público.

A Lei Anticorrupção – Lei 12.846/13 – trouxemaiores poderes à CGU, tornando o órgão encarregado da instauração de PAR – Processo Administrativo de Responsabilização – por ato de corrupção, não apenas no âmbito do Poder Executivo Federal, prevendo ainda competência concorrente para apurar irregularidades nos demais poderes e nas demais esferas, podendo avocar processos de responsabilização de pessoas jurídicas, emendá-los e acompanhar seu desenvolvimento. A CGU apura fatos envolvendo ilicitudes ainda contra pessoas jurídicas estrangeiras.

A MEDIDA PROVISÓRIA 726

A Medida Provisória 726 extinguiu a Controladoria Geral da União e criou o Ministério da Transparência, Controle e Fiscalização, transferindo para o Ministério as competências do órgão. Em nota de esclarecimento, o Ministro da Transparência declarou:

A condição de Ministério de nosso órgão fortalecerá suas potencialidades, suas ações e projetos, numa dinâmica com poder de transcender o próprio Poder Executivo Federal no que se refere à condução de políticas anticorrupção, com ações de fomento junto aos entes subnacionais para fortalecimento dos seus respectivos órgãos e políticas de transparência e controle.

Com base em tais informações, passamos a questionar: há, de fato, uma ampliação da competência da CGU? Quais seriamas consequências práticas? Haverá liberdade, de fato, para investigar o próprio Poder Executivo Federal? Haveria “poder de transcender o próprio Poder Executivo Federal”? Vejamos.

Primeiramente, ao compararmos as competências da CGU com as competências do novo Ministério, nos debruçando especificamente sobre os artigos 17, 18 e 19 da Lei 10.683/03 e os artigos 8º e 9º da Lei 12.846/13 e a MPV 726, percebemos que as competências permanecem as mesmas. Exemplificamos:

Lei 10683/03:

Art. 17. À Controladoria-Geral da União compete assistir direta e imediatamente ao Presidente da República no desempenho de suas atribuições quanto aos assuntos e providências que, no âmbito do Poder Executivo, sejam atinentes à defesa do patrimônio público, ao controle interno, à auditoria pública, à correição, à prevenção e ao combate à corrupção, às atividades de ouvidoria e ao incremento da transparência da gestão no âmbito da administração pública federal.  

[…]

Art. 18. À Controladoria-Geral da União, no exercício de sua competência, cabe dar o devido andamento às representações ou denúncias fundamentadas que receber, relativas a lesão ou ameaça de lesão ao patrimônio público, velando por seu integral deslinde.

§1o À Controladoria-Geral da União, por seu titular, sempre que constatar omissão da autoridade competente, cumpre requisitar a instauração de sindicância, procedimentos e processos administrativos outros, e avocar aqueles já em curso em órgão ou entidade da Administração Pública Federal, para corrigir-lhes o andamento, inclusive promovendo a aplicação da penalidade administrativa cabível.

§2o Cumpre à Controladoria-Geral da União, na hipótese do § 1o, instaurar sindicância ou processo administrativo ou, conforme o caso, representar ao Presidente da República para apurar a omissão das autoridades responsáveis.

§3o A Controladoria-Geral da União encaminhará à Advocacia-Geral da União os casos que configurem improbidade administrativa e todos quantos recomendem a indisponibilidade de bens, o ressarcimento ao erário e outras providências a cargo daquele órgão, bem como provocará, sempre que necessária, a atuação do Tribunal de Contas da União, da Secretaria da Receita Federal, dos órgãos do Sistema de Controle Interno do Poder Executivo Federal e, quando houver indícios de responsabilidade penal, do Departamento de Polícia Federal e do Ministério Público, inclusive quanto a representações ou denúncias que se afigurarem manifestamente caluniosas.

MPV 726:

§15º Ao Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle, por seu titular, sempre que constatar omissão da autoridade competente, cumpre requisitar a instauração de sindicância, procedimentos e processos administrativos outro, assim como avocar aqueles já em curso em órgão ou entidade da Administração Pública Federal, visando corrigir-lhes o andamento, inclusive mediante a aplicação da penalidade administrativa cabível.

§16º Cumpre ao Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle, na hipótese do § 15, instaurar sindicância ou processo administrativo ou, conforme o caso, representar à autoridade competente para apurar a omissão das autoridades responsáveis.

§17º O Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle encaminhará à Advocacia-Geral da União os casos que configurarem improbidade administrativa e todos quantos recomendarem a indisponibilidade de bens, o ressarcimento ao erário e outras providências a cargo daquele órgão, bem como provocará, sempre que necessária, a atuação do Tribunal de Contas da União, da Secretaria da Receita Federal do Brasil, dos órgãos do Sistema de Controle Interno do Poder Executivo Federal e, quando houver indícios de responsabilidade penal, do Departamento de Polícia Federal e do Ministério Público, inclusive quanto a representações ou denúncias que se afigurarem manifestamente caluniosas.

Com efeito, não visualizamos a ampliação da competência da CGU com a criação do Ministério da Transparência que pudesse justificar, além do suposto corte de despesas, a extinção do órgão. Não conseguimos vislumbrar o aumento das potencialidades do órgão ou mesmo, data vênia, “poder de transcender o próprio Poder Executivo Federal”, uma vez que além de repetir o que já havia na lei que regulamentava a Controladoria, não acrescentou novas competências.

O PROBLEMA QUANTO À INDEPENDÊNCIA PARA FISCALIZAR

Se a ideia era o fortalecimento do órgão, nos parece que a medida adotada pelo Presidente interino foi justamente em sentido oposto: haverá a supressão da autonomia. O combate à corrupção no âmbito do Poder Executivo federal ficará claramente prejudicado, pois a atuação do Ministério é diretamente subordinada à presidência da república.

Afora que os Ministérios não emitem recomendações, mas meras sugestões, com poder de exigência de cumprimento menor que os órgãos de fiscalização, como aponta Fabiano Angélico, ponderando ainda que a transformação em Ministério torna o órgão ainda mais controlável pelo Poder Executivo Federal, sendo justamente o oposto do quanto afirmado pelo Ministro Fabiano Silveira.

O ex-ministro Jorge Hage aponta ainda o efeito meramente simbólico na extinção da CGU, em um sentido negativo…

De fato, estamos em um momento do país em que, teoricamente, a população está em um processo de despertar sobre o que vem a ser corrupção e a sua intolerância quanto a esta, exigindo e esperando um maior fortalecimento dos poderes e independência para investigar – o que não significa, também, investigar a qualquer custo violando direitos e garantias fundamentais.

Transformar a CGU em Ministério sob o escopo de colocar o órgão em um patamar superior aos demais órgãos de fiscalização produziu justamente um movimento inverso: uma subjugação ao Poder Executivo Federal e ausência de autonomia, não apenas não transcendendo, como retrocedendo no tempo.

_Colunistas-Fernanda

 

Fernanda Ravazzano

Advogada (BA) e Professora

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