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As mudanças da vida no cárcere determinadas pelo PCC (Parte 4)


Por Diorgeres de Assis Victorio


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Prosseguindo com o artigo da semana passada, quando o sentenciado parou de gritar cheguei à conclusão que ou ele estava morto ou tinha desmaiado em virtude das dezenas de facadas que o mesmo tinha sofrido. Os assassinos profissionais do P.C.C. (cada integrante do Partido do Crime tem uma função dentro da organização) tinham saciado sua sede de sangue e com isso pararam de furá-lo que nem se fura um porco quando de um abate em uma área rural (fazenda, sítio e etc.). Pensei comigo, será que na verdade ele estava vivo e com isso teria virado “lenda” na cadeia por ter escapado da morte mesmo com uma quantidade enorme de “facadas”? Digo isso porque conheci alguns presos que tinham alguns apelidos bem “sugestivos”. Um se chamava “Machado” porque apresentava uma grande cicatriz na cabeça e quando eu perguntei ao mesmo porque os chamavam de “Machado”, pois não apresenta esse sobrenome, o mesmo me informou que esse apelido é porque tinha sobrevivido a uma machada na cabeça.

Outro preso possuía o apelido de “Doze”. Pensei que o mesmo deveria ser traficante (artigo 12, “antigo traficante” da Lei nº 6.368 de 21 de Outubro de 1976), mas na verdade ele me mostrou alguns buracos que possuía em seu corpo, me disse que tinha escapado da ROTA (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) em virtude de ter sofrido três tiros de 12 (arma calibre 12mm). Eu sempre estudava os presos, sobre as marcas que eles possuíam em seus corpos, inclusive quanto às tatuagens que eles possuíam e as relações das mesmas com o mundo do crime. Satisfeitos com o “serviço” feito, os assassinos começam a arrastar o corpo do preso esfaqueado para dentro da cadeia.

Minha mente estava a “milhão”, “o stress batia no pico”, pensei que eles estavam intercalando as pessoas que eles “furavam” na nossa frente, pois anteriormente tinha sido um agente e depois um preso. Será possível que eles iam trazer um outro agente penitenciário e furá-lo também? Eram treze funcionários de refém, sendo um deles uma mulher. Isso mesmo uma mulher estava no meio de reféns e isso é deveras preocupante em uma “cadeia masculina”. Começávamos a ouvir barulhos dentro da Unidade, presos estavam fazendo vandalismo, com certeza a cadeia iria ser destruída. Eu escutava pelo rádio HT e pelos comentários que os presos estavam fazendo barricadas com colchões, destruindo as salas da Administração, Setor de Enfermaria e estavam arrancando as portas das celas. Se nós que não estávamos de refém estávamos estressados, imaginem só os reféns.

“O longo sofrimento imposto, só por si, é suficiente a demonstrar a grave e indelével marca emocional deixada em cada uma das vítimas, reduzidas a um verdadeiro “nada” naquele clima de terror absoluto que – todos sabemos – uma rebelião traz. (…) E o sofrimento foi tão imenso que até revivê-los, aos depoimentos, parece ter sido um verdadeiro pesadelo a cada uma das vítimas envolvidas nestes triste e lamentável episódio, onde não se( respeitou minimamente o ser humano. (…)Ninguém, absolutamente ninguém, volta-se a dizer, há de duvidar do indescritível terror que deve ter sido estar refenizado na mão de condenados de várias espécies, subjugados a tortura física e emocional, em pleno interior de um presídio, sob o domínio do mal. Negar isto é negar realidade evidente. Nem o mais paciencioso e tranquilo cidadão do mundo, sentir-se-ia confortável numa situação destas, para dizer o mínimo. Imagine-se o clima de pânico!!Imagine-se o que estas pessoas passam até hoje!! E por certo passarão até o fim de seus dias; porque, por certo, jamais esquecerão aqueles momentos de horror!! Impossível pensar-se diferentemente. Como se disse. Negar isto seria negar uma evidência tão gigante que beiraria o “non-sense”” (Apelação Criminal n° 483.283-3/5, da Comarca de Taubaté (V.D. Tremembé)

Informações do G.A.T.E. (Grupo de Ações Táticas Especiais) nos diziam que eles viam que os reféns eram trocados de cela direto, para que assim não pudesse ser feito um levantamento de onde se encontravam os mesmos.

Nos chega a informação que um refém teria tentado se suicidar quando foi algemado a cadeira do dentista.

“Prova maior do horror a que foram submetidas é que um dos funcionários (…) – desesperado com o clima que tomou o presídio, tentou suicídio durante a rebelião, cortando o próprio pescoço!!!” (Apelação Criminal N° 00955356.3/4, da Comarca de Tremembé)

Acho que ele pensou que iam arrancar seus dentes um a um como forma de tortura, isso pensando em uma tortura “mais leve” para quem está subjulgado, algemado a uma cadeira de dentista.

O G.A.T.E. permanece com seus voos rasantes de helicópteros. Presos que estão em cima do telhado com medo de serem metralhados pelos membros desse grupo especial da polícia militar pulam desesperadamente. Pude ver bem esses pulos, porque eu tinha escalado a caixa d’água da Unidade Prisional e lá podia ver tudo de “camarote”.

Outro dia se passou, saí da Unidade Prisional e fui a minha residência tomar um banho e ver um pouco a “cara da rua”, eu precisava ver um pouco da “civilização”, abandonar um pouco a visão do inferno. Ao chegar em casa tomei um banho e retornei a cadeia. Mais uma noite que passarei ao relento em razão do abandono do estado em não nos proporcionar alojamento, condições mínimas para o trabalho de agente de segurança penitenciária.

Na madrugada eu pensava comigo mesmo e tentava acreditar que no outro dia essa rebelião iria acabar, iriam soltar os reféns e o grupamento do Choque da polícia militar entraria e iríamos fazer uma revista na cadeia, teríamos as transferências dos presos líderes para o Anexo da Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté (local aonde nascera o Primeiro Comando da Capital), assim como outras transferências de presos, tendo em vista que eles estavam arrancando as portas das celas e não ia mais ter como os agentes penitenciários fazerem a tranca dos presos. Passei a noite em claro acreditando nisso.

O dia mal amanhece e levanto-me indo procurar um lugar que tenha um café para tomar. Estava tudo muito complicado, porque os presos tinham dominado também o setor da cozinha que ficava mais ou menos no meio da Unidade Prisional. Sendo assim, era complicado conseguir um café, porque era muita gente para uma quantidade muito pouca de café. Outras Unidades estavam nos socorrendo dentro de suas possibilidades, “emprestando” alimentos, nos fornecendo lanches dentre outras coisas.

E os fatos se repetiam, vinham alguns presos do P.C.C. conversar com a gente, na verdade eles vinham se impor, queriam era demonstrar sua força, era pura demonstração de ego do Partido do Crime. Pediam coisas sem sentido (liberdades de alguns), falavam que iam matar os agentes penitenciários, que iam ter muitas mortes e que se o choque entrasse haveria uma carnificina. O dia todo foi assim. Voltei à caixa d’água, eu agora além de estar com o rádio HT do G.O.E. me deram ainda um binóculo. Pude assim ficar traçando a rotina da cadeia e a movimentação que os membros do P.C.C. faziam com os reféns. Anotava tudo em um caderninho.

Eu já tinha esquecido que o G.O.E. tinha sumido no meio da escuridão indo para a Unidade Prisional rastejando baixo. Eu me perguntava, aonde que eles tinham conseguido se esconder? Como que um grupamento assim de vários membros consegue se esconder aos arredores da Unidade Prisional, ou talvez dentro dela, sem que os presos os avistassem. Mas ainda bem que eles ainda não os tinham visto. Será que eles vão chegar de surpresa na cela onde estão os reféns e libertá-los? Será que para isso eles vão ter que metralhar muitos presos? Realmente aquele grupo estava muito bem preparado, pois conseguiram se esconder muito bem escondido e estavam ali preparados para a falta de alimentação, cansaço, e pouca água.

Dou por encerrado o artigo dessa semana e continuarei o mesmo na semana que vem.

_Colunistas-Diorgeres

Diorgeres de Assis Victorio

Agente Penitenciário. Aluno do Curso Intensivo válido para o Doutorado em Direito Penal da Universidade de Buenos Aires. Penitenciarista. Pesquisador

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