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Contrabando de cigarros e princípio da insignificância


Por Ingrid Bays


A jurisprudência e a doutrina se posicionaram, majoritariamente, no sentido de que se tratando de cigarro a mercadoria importada com elisão de impostos, configura-se o crime de contrabando, e não descaminho, uma vez que não há apenas uma lesão ao erário e à atividade arrecadatória do Estado, mas também a outros interesses públicos, tais como a saúde e a atividade industrial interna.

No entanto, conforme já referido neste Canal em excelente artigo produzido pelo colega Cezar de Lima, citando Baltazar Junior (2014, p. 386), no que diz respeito ao cigarro estrangeiro são três as posições existentes:

“(i) há quem sustente ser um delito de descaminho, pois não se trata de mercadoria proibida; (ii) por outro lado, existem posições que consideram delito de contrabando, pois deve receber o mesmo tratamento dos cigarros nacionais para exportação; e por fim, (iii) existe uma corrente que sustenta que somente há contrabando se a comercialização do cigarro for proibida no Brasil, conforme norma da ANVISA.”

Diante disso, é de suma importância colocar em pauta a discussão sobre a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância ao delito de contrabando de cigarro, princípio que disciplina que o direito penal, por sua natureza fragmentária, só vai até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico, não devendo ocupar-se de bagatelas (TOLEDO, 1994, p. 133).

E aí é de se observar a não existência de justa causa para legitimar uma acusação (e a própria intervenção penal), em casos nos quais a quantidade de cigarro apreendida é absolutamente ínfima, principalmente quando demonstrado nos autos a utilização da substância para consumo próprio, ou ao menos colocada em dúvida a possibilidade de destinação comercial. É lógico que nesses casos também é mínima a lesão à arrecadação fiscal, à saúde pública e à atividade industrial brasileiras, tornando a conduta insignificante para o direito penal.

A fim de ilustrar o mencionado posicionamento, eis alguns interessantes julgados do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, a fim de verificar que a aplicação do princípio da insignificância para o delito de contrabando de cigarros já vem ocorrendo:

PENAL. PROCESSO PENAL. CONTRABANDO DE CIGARROS. QUANTIDADE ÍNFIMA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. A importação irregular de mínima quantidade de cigarros de procedência estrangeira, ensejando inclusive dúvida quanto à sua destinação comercial, constitui fato insignificante perante o Direito Penal, em razão de sua mínima dimensão, incapaz de atrair sobre si a incidência da norma penal (TRF4. Recurso Criminal em Sentido Estrito nº 5008367-31.2014.404.7002. Des. Rel. Márcio Antonio Rocha. Sétima Turma. Julgado em 02 de outubro de 2014).

DIREITO PENAL. CONTRABANDO DE CIGARROS. ART. 334, §1º, C, DO CÓDIGO PENAL. QUANTIDADE ÍNFIMA DECIGARROS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO. A importação irregular de mínima quantidade de cigarros de procedência estrangeira (64 maços) constitui fato insignificante perante o Direito Penal, em razão de sua ínfima dimensão, incapaz, portanto, de atrair sobre si a incidência das sanções previstas na norma penal (TRF4. Apelação Criminal nº 5005981-38.2013.404.7204. Desª. Relª. Cláudia Cristina Cristofani. Sétima Turma. Julgado em 06 de outubro de 2015).

Além disso, conforme aludido pela jurisprudência em recentíssima decisão, quando se trata do delito de contrabando o reconhecimento da insignificância para fins de exclusão da tipicidade não ocorre na seara da ilusão tributária, mas na relevância ou não da prática delituosa para o direito penal. E perante esse entendimento o TRF4 concluiu que a importação de, no caso em concreto, 190 (cento e noventa) maços de cigarro, não é relevante para o direito penal, pois: (i) não representa perigo social; (ii) não representa uma conduta de alto grau de reprovabilidade; (iii) apresenta grau de periculosidade mínimo; e (iv) causaria dano inexpressivo ou nulo à saúde pública, assim como a outros bens jurídicos tutelados pelo tipo penal (TRF4. Apelação Criminal nº 5000938-92.2014.404.7202. Des. Rel. Victor Luiz dos Santos Laus. Oitava Turma. Julgado em 02 de dezembro de 2015).

Infelizmente, quando julgado caso semelhante pelo Supremo Tribunal Federal (porém a quantidade era mais expressiva – 1.401 maços de cigarro), o Ministro Luiz Fux afirmou que no caso da importação de cigarros com elisão de impostos ocorre um crime em que há uma lesão “bifronte”, que atinge não só a atividade arrecadatória do Estado, mas interesses públicos como a saúde e a atividade industrial pública, acrescentando por fim que “o princípio da insignificância não incide na hipótese de contrabando de cigarros, tendo em vista que não é o valor material que se considera na espécie, mas os valores éticos e jurídicos que o sistema normativo-penal resguarda” (STF. HC nº 121916/MG. Rel. Min. Luiz Fux. Primeira Turma. Julgado em 29 de abril de 2014).

De qualquer sorte, decisões como as do TRF4 colacionadas no presente artigo possuem fundamentação muito adequada no que tange ao reconhecimento do princípio da insignificância nos casos em que notadamente, apesar da tipificação pelo legislador, não apresentam caráter penal relevante e deveriam estar excluídas da área de proibição estatuída pela lei penal, pois completamente bagatelares.


REFERÊNCIAS

BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Crimes Federais9. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 1994.

Ingrid

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