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Crimes contra as relações de consumo


Por Paulo Silas Taporosky Filho e Paulo Eduardo Polomanei de Oliveira


Dada a previsão constante no inciso XXXII do artigo 5º da Constituição Federal (“o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”), a proteção ao consumidor se trata de garantia fundamental. Diante de tal mandamento constitucional, o legislador pátrio elaborou a Lei n.º 8.078/90, o famoso CDC. Dentre as previsões sedimentadas no Código de Defesa do Consumidor, que estabeleceu o trato jurídico nas relações de consumo de forma pormenorizada e salutar, têm-se os tipos penais que figuram em tal lei, visando tutelar, por meio do Direito Penal, propriamente as relações de consumo por alguns vieses.

A Lei n.º 8.078/90 é datada de 11 de setembro de 1990, tendo entrado em vigor cento e oitenta dias após a sua publicação, conforme previsto em seu artigo 118.

No entanto, em 27 de dezembro de 1990, ou seja, pouco mais de três meses da publicação do CDC, foi publicada a Lei n.º 8.137/90, a qual entrou em vigor na data de sua publicação (artigo 22), definindo crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo. Assim, naquele mesmo ano foram publicadas duas leis tutelando o mesmo bem jurídico, as relações de consumo.

A questão que aqui se busca discutir é saber qual a consequência de duas leis tutelando o mesmo bem jurídico, já que não quando da publicação da Lei n.º 8.137/90 não houve dispositivo específico revogando os artigos penais da Lei n.º 8.078/90. Até se pode dizer que num plano mais genérico há dispositivo nesse sentido, conforme se observa no artigo 23 da Lei n.º 8.137/90, o qual prevê que “Revogam-se as disposições em contrário […]”. Mas a coisa ainda assim não fica clara, pelo menos no aspecto formal, de modo que cumpre analisar se houve a revogação tácita dos tipos penais do CDC com o advento da Lei n.º 8.137/90.

Sobre essa confusão que foi instaurada já quando da publicação das mencionadas leis, NUCCI (2012, p. 463) explana:

[…] o legislador, no Brasil, edita normas penais, como há muito se apregoa, de maneira assistemática, coexistindo vários tipos penais, na busca de proteção do mesmo bem jurídico. Não nos causa espanto, portanto, que, para a proteção das relações de consumo, existam tipos incriminadores previstos tanto na Lei 8.137/90 como, igualmente, na Lei 8.078/90, todos voltados à tutelados direitos do consumidor […], não se pode desconsiderar que a edição de uma lei após a outra, cuidando do mesmo tema, sem preocupação sistêmica […], é fruto da desorganização legislativa.

Assim, como constantemente se verifica, a tutela do Direito Penal é utilizada como remédio para todos os males, desde os crimes graves, como crimes contra a vida até os de relação de consumo, denotando-se que fora uma tentativa legislativa de coibir determinadas condutas, ignorando o princípio da intervenção mínima, onde se misturou condutas que por óbvio deveriam recair apenas nas esferas civis e/ou administrativas.

Ao analisarmos as duas leis, os dispositivos elencados a partir do artigo 61 da Lei n.º 8.078/90 (CDC) e o art. 7º da Lei n.º 8.137/90, observam-se discrepâncias legislativas ao relacionar determinadas condutas à esfera penal. Destarte, outras situações, ainda que descritas de maneiras diversas, têm o condão de recair sobre condutas iguais.

De qualquer forma, ainda que de maneira sucinta, há que se aplicar algum critério para a escolha de qual legislação deva ser levada em conta. Ainda segundo NUCCI (2012, p. 88), tem-se que Lei n.º 8.137/90:

[…] prevê condutas mais graves, tanto que a pena aplicável é maior […], não sendo considerados tais crimes como sendo de menor potencial ofensivo […]. Por outro lado, os tipos penais da Lei 8.137/90 acabam tutelando, de forma mais abrangente, o contexto das relações de consumo, envolvendo outras pessoas, como o intermediário, e não somente o consumidor final […].

Nesta linha, tem-se que o CDC ainda tem um artefato normativo expresso no art. 61:

Art. 61. Constituem crimes contra as relações de consumo previstas neste código, sem prejuízo do disposto no Código Penal e leis especiais, as condutas tipificadas nos artigos seguintes. (grifamos)

Seja como for, tem-se certa “salada mista legislativa” que se instaurou, vez que, conforme pontuado, tratam-se de duas leis diversas que abordam a mesma temática em determinado ponto. A confusão pode ser uma das consequências, vez que a depender dos critérios utilizados na análise legal, diversas respostas podem surgir.

Lei 8.078/90 ou 8.137/90? Qual é a sua posição?


REFERÊNCIAS

NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. vol. 1. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.


Paulo Silas Taporosky Filho – Especialista em Ciências Penais. Especialista em Direito Processual Penal. Especialista em Filosofia. Advogado.

Paulo Eduardo Polomanei de Oliveira – Pós-graduando em Ciências Penais. Servidor Público Federal.

Paulo Silas Filho

Mestre em Direito. Especialista em Ciências Penais. Advogado.

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