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Dorothea Puente, a assassina de inquilinos


Por Bernardo de Azevedo e Souza e Henrique Saibro


“Eu ainda sinto o gosto da morte na minha boca” (Dorothea Puente)

A PERSONALIDADE

Nascida no ano de 1929, em San Bernardino County, na Califórnia, Dorothea Puente teve uma infância conturbada. Seus pais formavam um casal alcoólatra e violento. Todos os dias, sem exceção, bebiam a ponto de não conseguir caminhar e sequer falar. Puente era constantemente abusada sexualmente por seus genitores que a tinham como um mero objeto sexual – sem nenhum esboço de afeto. Seu pai faleceu quando ela ainda tinha quatro anos; aos seis foi a vez de sua mãe deixar este mundo. Órfão desde cedo, Puente foi enviada a um orfanato, onde permaneceu por certo tempo durante a sua infância. Posteriormente foi adotada por parentes que moravam em Fresno, Califórnia.

Dorothea nunca assimilou todos os traumas sofridos durante a infância. Por mais que os abusos tenham ocorrido quando ainda muito jovem, ela, rotineiramente, lembrava-se do ambiente hostil em que fora criada, de modo que, por se sentir humilhada de seu histórico, mentia acerca de sua infância; dizia, por exemplo, que havia nascido no México e destoava sobre os seus pais. Em 1946, aos 17 anos, casou-se pela primeira vez. Mas não estava acompanhada da sorte: seu marido morreu logo no segundo ano de casamento em razão de um ataque cardíaco. Desesperada por dinheiro a fim de manter a própria subsistência, passou a emitir cheques sem fundo. Por certo tempo até que seu plano fraudulento teve êxito, mas logo em seguida já foi detida e condenada a um ano de prisão.

Em liberdade condicional acabou engravidando de um homem que sequer sabia o nome, dando à luz uma menina que, por dificuldades financeiras, teve de entregar a uma instituição de caridade. Aos 23 anos casou-se pela segunda vez. O seu marido era um sueco chamado Axel Johanson. Curiosamente, ele, assim como o pai de Dorothea, era extremamente violento. Foram 14 anos de espancamento e injúrias. Com 31 anos, Puente foi presa mais uma vez, mas agora por estar se prostituindo. Permaneceu 90 dias na cadeia. Solta, foi encarcerada novamente – agora por vadiagem –, dividindo cela com detentas por mais 90 dias. Novamente livre, seguiu praticando ilícitos de baixo potencial ofensivo, o que diminuiu ao assumir uma posição de auxiliar de enfermagem ao cuidar de pacientes com deficiência e idosos. Levou tão a sério a sua função que, em pouco tempo, já geria instituições de caridade.

Com 37 anos, Puente, finalmente, divorciou-se de Axel Johanson e casou, pela terceira vez, com Roberto na cidade do México – um sujeito com apenas 19 anos. Foi mais um relacionamento conturbado. O jovem marido era muito infiel e o matrimônio dissolveu-se em apenas dois anos. Logo quando se separou, Dorothea assumiu a gerência de uma instituição de “caridade”, em Sacramento na Califórnia, com 16 quartos. Ela concedia abrigo e comida a indigentes e idosos – além da renda dos aluguéis, recebia benefícios do governo por isso. Os vizinhos, no entanto, começaram a notar certa estranheza na rotina de Puente. Um dos homens sem-teto abrigados na instituição de Dorothea, alcunhada por ela de “Chefe”, passou a cavar no solo e no subsolo da casa. A vizinhança percebeu esse movimento em razão de o andarilho estar sempre levando os destroços com um carrinho de mão. O que era o chão do porão foi, então, coberto por laje. Finalizada a obra, o “Chefe” nunca mais apareceu.

Aos 47 anos Puente encontrou um novo companheiro chamado Pedro Montalvo. E adivinhem: ele sofria de alcoolismo e era muito violento. A união não chegou a durar um ano, de modo que, bastante frustrada, Dorothea passou a frequentar bares à procura de homens idosos – que já recebiam mensalmente a sua aposentadoria. Além disso, Puente voltou às suas práticas fraudulentas e passou a (re)viver uma vida estelionatária. Foi acusada, então, de 34 crimes e voltou para a prisão. Em liberdade condicional, seguiu com os delitos. Com 52 anos alugou uma casa na F Street, nº 1426, em Sacramento, Califórnia, que passou a funcionar como uma pensão. Foi nesse local que os crimes foram se tornando cada vez mais graves.

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A pensão de Dorothea, em Sacramento, Califórnia

AS VÍTIMAS

A sua primeira vítima foi uma companheira de negócios e “amiga”, chamada Ruth Monroe, na época com 61 anos. Ela estava vivendo na pensão de Dorothea e, certo dia, amanheceu morta por overdose de codeína e acetaminofeno (também conhecido como paracetamol). Ao explicar o ocorrido às autoridades, Ruth informou que sua parceira estava deprimida por causa de um suposto término de relacionamento. Os policiais fecharam o caso como suicídio.

Semanas depois do incidente, Dorothea foi condenada por ter drogado com veneno e furtado um paciente de sua própria pensão. Ficou três anos presa e, durante a reclusão, trocava cartas de amor com um idoso, de 77 anos, chamado Everson Gillmouth. Quando solta, ele estava a esperando em uma camionete no lado de fora da penitenciária. O relacionamento desenvolveu-se de forma rápida e ambos, a princípio, estavam planejando o casamento – mal sabia Everson que, na verdade, os planos de sua amada eram outros. Abriram uma conta bancária conjuntamente e passaram a alugar a mesma casa onde Dorothea morava antes de ser presa.

O tempo se passou e Puente contratou um sujeito chamado Ismael Florez para instalar painéis de madeira em sua pensão. O rapaz recebeu de pagamento uma quantia acima do normal e, ainda por cima, ganhou de presente uma camionete que pertenceria a um namorado de Dorothea. Foi determinado ao sujeito que construísse uma “caixa” de madeira, que, na verdade, parecia um caixão. A desculpa é que serviria para armazenar livros.

Com o trabalho finalizado, Florez foi novamente contatado por Puente, mas, dessa vez, para transportar a “caixa” a determinado lugar. No meio do caminho, Dorothea solicitou que Ismael estacionasse o carro e que descartasse a caixeta perto de um rio. Questionado o que haveria dentro daquele caixote, Puente respondeu que era apenas lixo. Alguns dias depois, um pescador encontrou a referida caixa e avisou a polícia. Dentro dela havia um corpo em decomposição. Curiosamente Everson Gillmouth estava desaparecido desde então. Durante o seu sumiço, Dorothea escrevia para a família de seu (ex)companheiro, explicando que tinha desaparecido em razão de uma doença.

Com a “despedida” de Gillmouth, Puente passou a investir em melhorias na sua pensão e receber mais inquilinos. A maioria eram idosos e deficientes mentais. Todos os meses recolhia os valores concedidos pelo Governo aos seus inquilinos (cheques da Seguridade Social) para auxílio de subsistência. Entretanto, a título de “impostos”, Dorothea ficava com boa parte desses valores e repassava uma fração diminuta a seus inquilinos. Aliás, Puente já não cuidava de seus “pacientes”. O objetiva dela agora era apenas enriquecer. Sem os cuidados de Dorothea, seus enfermos gastavam todo o restante do dinheiro que recebiam. Os que sofriam de alcoolismo e estavam na casa de Puente para se curar, voltaram a beber compulsivamente em bares nas proximidades. Em pouco tempo estavam presos por vadiagem. Os demais inquilinos, aos poucos foram simplesmente “desaparecendo” da cidade.

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As vítimas de Dorothea: idosos, alcoólatras e deficientes mentais

A CAPTURA

Dorothea foi capturada por acaso, quando o detetive John Cabrera resolveu visitar a pensão à procura de Burt Montoya, um homem esquizofrênico dado como desaparecido por sua assistente social. Cabrera não notou nada incomum na casa, mas percebeu que o jardim havia sido desenterrado recentemente. Guiado por seu insisto, o detetive começou a cavar o jardim. Foi quando descobriu um cadáver humano. A casa era agora uma cena de crime.

No dia seguinte, uma equipe de policiais e peritos forenses escavou o quintal e encontrou mais sete corpos. Dorothea acompanhou todo o procedimento sem esboçar qualquer reação. Mesmo com todas as descobertas no jardim, incrivelmente a polícia deixou a senhora livre, sem algemas, permitindo até mesmo que fosse tomar café em um hotel próximo. Ao invés de ir ao hotel, contudo, Dorothea fugiu para Los Angeles, na Califórnia. Foi presa algumas horas dentro de um bar, tendo sido reconhecida pela TV.

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Puente sendo presa após ter fugido para Los Angeles

O JULGAMENTO

A captura de Dorothea e a consequente divulgação dos crimes praticados pela mídia trouxe rebuliço em Sacramento, na Califórnia. As vítimas, em sua maioria, haviam sido envenenadas. A população se indagava como uma senhora poderia ter cometido todas aquelas atrocidades, ainda mais em desfavor daquelas pessoas que deveria, em tese, cuidar. Após quatro anos de coleta de evidências, o julgamento foi marcado para fevereiro de 1993. Dorothea era acusada de nove homicídios.

Em virtude da intensa participação da mídia, os advogados de Dorothea, Kevin Clymo e Peter Vlautin, formularam pedido de desaforamento do júri para a cidade de Monterey, também na Califórnia. O pedido foi deferido pelo magistrado e um novo júri aprazado. Mais três meses se passaram até a formação definitiva do corpo de jurados. A Acusação foi representada pelo Promotor John O’Mara, que arrolou mais de 130 testemunhas para prestar depoimento. A tese acusatória consistia em demonstrar que Dorothea matou os inquilinos por pura ganância:

“Puente assassinou seus inquilinos para furtar seus cheques do Governo! Ela queria pessoas sem parentes, sem amigos, sem família, pessoas que, quando se vão, não têm outros chegando por aí e fazendo perguntas.”

A Defesa, representada pelos advogados Kevin Clymo e Peter Vlautin, sustentou durante o julgamento que os inquilinos não foram assassinados por Dorothea, mas morreram de causas naturais. A Defesa também asseverou que Puente não chamou os paramédicos em nenhum das ocasiões porque temia perder sua liberdade condicional, e consequentemente ter de voltar à prisão.

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Dorothea Puente durante o julgamento

Em suas considerações conclusivas, o Promotor O’Mara disse que as vítimas, embora não tivessem posses, carros, imóveis ou bens, possuíam, acima de tudo, o direito de viver:

“Ela tirou tudo o que eles tinham… a morte é a única pena apropriada!”

Dada a palavra a Defesa, o advogado Kevin Clymo iniciou sua exposição final relatando a infância traumática da ré, com o intuito de justificar os crimes praticados. Preocupado com eventual desfecho negativo do julgamento, pediu aos jurados que não entendessem pela pena de morte. A tese foi reforçada pelo causídico Peter Vlautin, que se dirigiu aos jurados do seguinte modo:

“Estamos aqui hoje para determinar uma coisa: qual é o valor da vida de Dorothea Puente? Essa é a questão. Será que ela deve receber a pena de morte?”

Vlautin falou suavemente aos jurados – como estratégica para contrastar os gritos do Promotor – sobre a infância da ré e acerca dos aspectos traumáticos que moldaram sua vida. Ao final, pediu aos jurados que enxergassem o mundo através dos olhos de Dorothea. A tese não foi aceita pelo júri, que, em poucos dias, apresentou o veredicto condenatório. Em dezembro de 1993, foi prolatada pelo magistrado Michael Virga. Embora tenha invalidado o julgamento de 6 dos 9 crimes imputados, condenou Dorothea Puente à prisão perpétua sem possibilidade de condicional. Ao ouvir a sentença, Dorothea declarou na presença dos advogados:

“Mas eu não matei ninguém!”

A PRISÃO

Condenada, Dorothea Puente foi encaminhada ao Central California Women’s Facility, localizado em Chowchilla, na Califórnia, onde permaneceu até seus últimos dias. Morreu em março de 2011, aos 82 anos de idade, de causas naturais. Durante sua estadia no complexo prisional, criou laços de amizade com o artista Shane Bugbee, com quem trocou diversas correspondências. As cartas enviadas por Dorothea a Bugbee originaram um livro de receitas culinárias: Cooking with a Serial Killer, publicado no ano de 2004.

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O livro, que pode ser adquirido facilmente na Internet, ao que parece não traz nas receitas qualquer aditivo venenoso.

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Henrique Saibro

Advogado. Mestrando em Ciências Criminais. Especialista em Ciências Penais. Especialista em Compliance.

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