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“Doutor, me salva!”: quando a vida do cliente depende do advogado

Por Jean de Menezes Severo

Semana intensa de trabalho aqui no Sul. Escrevo a coluna na quarta-feira, estou na metade da semana e perdi as contas de quantas audiências, acompanhamentos em delegacia, e idas a presídios locais foram feitas por este humilde rábula que vos escreve; sinal de que o escritório vai indo muito bem, mantendo sempre a sua filosofia, pautada na ética profissional, no trabalho árduo e, principalmente, na atenção total ao cliente. Pois bem, vamos que vamos, afinal de contas, a defesa tem mais uma história para contar aos queridos leitores.

C. chegou ao meu escritório pela indicação de um competente colega que advoga na área de Direito de família. Seu desejo: poder ver sua única filha, que contava com seis aninhos na época dos fatos. C. vinha de um casamento que durara mais de nove anos, residiu durante todo esse período no andar que construiu acima da casa dos sogros, onde todos viviam com tranquilidade, respeito e harmonia. C. era considerado um filho para seus ex-sogros; isso até se separar da esposa.

C. saiu de casa com as roupas do corpo e decidiu construir sua vida em outro local. O casamento havia acabado, no entanto, a vida deveria continuar para o ex-casal, que possui uma filha juntos. Este já seria, por si só, motivo suficiente para que as partes mantivessem o mínimo de respeito e amizade em frente à criança; afinal de contas, existe ex-marido, ex-mulher, mas nunca ex-filho.

Enquanto C. não possuía nenhum outro relacionamento, a relação dele com a ex-esposa e seus antigos sogros era a melhor possível; porém quando, após quase dois anos da separação, encontrou uma nova companheira, sua vida tornou-se um inferno. A mãe da menina não permitia que o pai levasse a filha para passar os finais de semana com ele. Em uma discussão com aquela, o ex-sogro ameaçou C. de morte e quase o agrediu. C. então ingressou com uma ação de visitação, postulando o direito de ver a criança. O magistrado deferiu a visitação em finais de semana alternados, bem como o pernoite na casa do pai. A ex-companheira não aceitou, dedicando-se, assim, a dificultar, de todas as formas, a efetivação da medida, a qual só foi cumprida após muitas petições protocoladas, e com a ameaça de perda da guarda, por descumprimento da decisão judicial.

Foi então que a mãe da menina permitiu a visitação da criança ao pai, na casa deste. C. preparou a casa para receber a filha, junto com a atual companheira. C. realmente estava em estado de êxtase por receber a filha querida. Foi um final de semana daqueles regado a carinho, doces, pipocas, filmes no DVD e pracinha, no final do domingo. C. devolveu a menina à mãe, como o juiz havia determinado; não sabia, entretanto, que não veria mais a criança após aquele festivo final de semana. Ou pior, que só a veria por vídeo, em audiência junto à vara criminal que cuida de delitos sexuais, e estando ele e sua companheira na condição de réus.

O pai devolveu a menina à mãe no domingo, e, na segunda-feira, esta levou a criança ao DECA, onde realizou um boletim de ocorrência, alegando que o pai da criança e sua companheira haviam mantido relações sexuais na frente daquela. Registrada a ocorrência policial, a ex-esposa juntou o documento aos autos da ação de visitação, e a juíza da vara de família, cautelarmente, suspendeu as visitas.

C. foi ouvido no DECA, apresentou sua versão, juntamente com sua companheira, negando os fatos, evidentemente. Os autos foram remetidos ao magistrado, e este deu vista ao Ministério Público, que denunciou ambos por suposta prática da conduta prevista no artigo 218-A combinado com o 226, inciso II, na forma do art. 71, todos do Código Penal. A madrasta foi condenada a dois anos de reclusão, e C. a três anos, os dois em regime aberto.

Meu amigo, nos autos, o que existe é apenas um laudo – que foi impugnado pela defesa, pois entendemos ser inconclusivo –, no qual a menina diz: “Eles fizeram coisas na minha frente”. É flagrante que a criança fora induzida pela mãe e pelos avós a falar aquilo. Na própria audiência de instrução, a criança só repetiu isto e nada mais; o depoimento da mãe da menina e da avó é cheio de contradições; a defesa apresentou testemunhas abonatórias, fotos da residência, comprovando que a pequena possuía seu próprio quartinho, e mesmo assim a juíza veio a condenar C. e sua esposa. Sem possuir qualquer elemento probatório consistente.

Nunca vou me esquecer do choro desse pai quando viu a filha através do vídeo. Seu choro compulsivo, e suas lágrimas não saem da minha memória. Seus empregadores descobriram o artigo pelo qual C. estava respondendo. O artigo é ruim, logo equipararam-no a um terrível estuprador, bandido, e ele foi despedido de seu emprego, onde trabalhava há anos. Um cidadão que jamais havia pisado em uma delegacia foi transformado no mais terrível marginal, que causa repulsa até mesmo nos bandidos mais perigosos. Desde então, sua companheira realiza tratamento psiquiátrico semanalmente, e a vida afetiva do casal está em ruínas.

A defesa apelou, os autos se encontram nas mãos de um Desembargador, conclusos para julgamento. Farei a sustentação oral e digo a vocês: vou dar o meu melhor neste dia, quero ir ao meu limite físico mental, e vou absolver este casal. C. apenas repete: “Doutor confio no senhor”. Vocês já pararam para pensar em tudo o que está envolvido nessa apelação?

Dois seres humanos tiveram a vida destruída por uma mulher louca, pérfida, má. A Justiça deu crédito a suas mentiras; o Direito Penal está a condenar um casal de bem, que jamais praticaria tal ato. C. nunca mais viu a menina. Semana passada me admitiu, aos prantos, que havia desistido de vê-la, que sua vida havia acabado e que colocava suas esperanças neste defensor. Ele está com medo, desempregado e amargurado para uma vida inteira. Disse que vai esperar a pequena crescer e que, se a menina o procurar, mostrará, através da vasta documentação que possui, que lutou por ela, mas fora vencido. Prometo aos leitores escrever o final desta terrível história após o julgamento.

Estes réus estão anestesiados, vivem em um mundo paralelo cheio de dor, sofrimento e desespero. O Direito Penal os destruiu; cabe à defesa chamar este casal à vida novamente. Sinto pela história pesada, mas nem sempre esta coluna vai narrar belos casos de absolvições fantásticas.

A vida lá fora é dura e você, meu querido estudante, tem que se preparar para ela…

JeanSevero

Jean Severo

Mestre em Ciências Criminais. Professor de Direito. Advogado.

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