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Olimpíadas Rio 2016 e a Segurança Pública


Por Daniel Kessler de Oliveira e Luciano Iob


A população mundial ficou novamente estarrecida com o atentado terrorista ocorrido em Nice, no Sul da França, há quatro dias, onde 84 pessoas morreram atropeladas por um caminhão e, pelo menos 18, ainda estão em estado gravíssimo de saúde.

Apesar das informações desencontradas e de muitos boatos, o Estado Islâmico já reivindicou a autoria do atentado que novamente chocou o mundo.

Nosso país sempre passou despercebido pelos terroristas do Estado Islâmico e os atentados para a maioria da população brasileira nunca passou de imagens e boletins nos noticiários diários.

Por mais chocante que fossem, os atentados pareciam muito distantes da “nossa porta”, do “nosso quintal”. Entretanto, com os Jogos Olímpicos deste ano sendo realizados no Rio de Janeiro, essa realidade mudou completamente.

Os horrores dos noticiários, os homens bombas, os atentados de toda ordem, passaram a ser uma preocupação real e concreta para todos nós brasileiros. Aquela distância “segura” é coisa do passado, ao menos momentaneamente.

Principalmente depois do último atentado na França, a atenção do mundo inteiro voltou-se ao Brasil. Alertas já foram emitidos, as autoridades responsáveis se viram obrigadas a rever o plano de segurança, pelo menos um oficial da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) deverá ser enviado a Paris e Nice para coletar dados e inteirar-se sobre o atentado.

A inspeção nos aeroportos já ficou mais rigorosa a partir de hoje. A regra que já era utilizada nos voos internacionais, agora passa a ser usada nos voos domésticos. Atrasos e longas filas já ocorreram na manhã de hoje em diversos aeroportos do País. Ruas fechadas, revistas íntimas em “suspeitos”, revistas em veículos, barreiras policiais, exército fazendo a segurança nas ruas, é a realidade que em poucos dias será vivenciada na cidade do Rio de Janeiro.

Tudo em nome da segurança.

Mas qual é o problema se tudo isso são medidas necessárias para a nossa própria segurança? E qual a relação entre a segurança “em tempo de Olimpíadas” e o Sistema Penal?

Como bem ensinou o Professor Fábio Roberto D´Avila, parece que estamos vivendo um período de “liminaridade”, no sentido que lhe é dado pela antropologia. Por “liminaridade” entende-se um período de passagem, um período intermediário, um período entre “o dentro e o fora”, o qual pode ser representado pela metáfora da soleira de uma porta, pela imagem de um espaço neutro entre o dentro e o fora[1].

E a história já nos mostrou que em momentos de “liminaridade”, de “insegurança pública”, de “clamor social”, o Estado se vale do direito penal como instrumento sancionador de conflitos. E, consequentemente, não raras vezes, sob o pretexto da segurança pública, vale-se de custos extremamente elevados, e os princípios e garantias fundamentais, e a própria liberdade, costumam ceder, tornando-se entraves.

Não poucos dirão: “É um mal necessário em prol da segurança”. “São pequenos inconvenientes necessários”. “Quem não deve, não teme”. E por aí vai.

Será mesmo? Será que tudo vale em nome da “segurança de todos”?

O Professor Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, já referia ser “o respeito às regras de Direito Processual Penal (o bastião mais profundo de defesa do cidadão) um demonstrativo do grau de civilidade de um povo”[2].

E aqui é o cerne da questão. Como garantir a segurança em tempos de exceção? Como garantir a segurança dos Jogos Olímpicos, dos atletas, dos turistas, dos nativos, sem extrapolar os limites das garantias individuais?

Em caso de real e iminente possibilidade de atentado terrorista durante os Jogos Olímpicos Rio 2016, haveria espaço para um Estado de Defesa, nos moldes do artigo 136, ou Estado de Sítio, previsto no artigo 137, ambos da nossa Constituição Federal?

Devemos abrir mão de nossas garantias individuais em nome da segurança coletiva?

E depois? Se as ameaças terroristas não “deixarem” o Brasil ao final das Olimpíadas? Estamos preparados “enquanto sociedade” para conviver com o medo a insegurança de atentados terroristas? As autoridades públicas de segurança estão preparadas? Quais as soluções mirabolantes de reformas legislativas surgirão?

Quantos e quais os fundamentos não poderão servir para justificar medidas mais restritivas? Poderemos vivenciar em breve, o que já vivenciamos em menor escala em diversos outros aspectos, uma antecipação do Direito Penal.

Antecipar as barreiras do Direito Penal pode representar uma significativa sensação de segurança e uma representativa redução nos índices de criminalidade, mas a qual custo?

O Direito Penal que busca antever o delito, se preocupa em agir antes que o crime ocorra, o problema disto, é que as atuações estatais que visem esta prática, não raras vezes se dão amparadas em elementos subjetivos, imprecisos e, na maioria das vezes, guiados por diretrizes preconceituosamente seletivas.

Discursos de lei e ordem e tolerância zero apenas agradam aqueles que não estão nos grupos dos “perigosos” ou nos “terroristas em potencial”.

A questão é complexa, a ameaça de um inimigo que não teme nem a morte, pode justificar uma intolerância contra uma enormidade de inocentes e a instauração de práticas arbitrárias que não surtirão o efeito pretendido.

Nosso sistema penal está preparado?

Espero que não tenhamos que escrever sobre nenhuma tragédia nos próximos dias, mas certamente, a prevenção a estes ataques não passa pelo Direito Penal.


NOTAS

[1] Crime e Interdisciplinaridade: Estudos em homenagem à Ruth M. Chittó Gauer. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2012. Pg. 273.

[2] Processo Penal e Direitos Humanos / Diogo Malan e Geraldo Prado, coordenadores. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014. Pg. 149.

_Colunistas-DanielKessler

Luciano Iob – Pós Graduado em Direito Penal e Processo Penal – UNIRITTER, Pós-Graduando em Direito Penal Empresarial – PUCRS. Advogado Criminalista.

Foto: Rogério Santana/ GERJ

Daniel Kessler de Oliveira

Mestre em Ciências Criminais. Advogado.

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