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Reclamações e recursos no PAF, sonegação fiscal e lavagem de dinheiro

Por Henrique Saibro

Conforme exposto nas oportunidades anteriores, desde que interpostos tempestivamente, as reclamações e recursos nos processos administrativos fiscais suspendem a exigibilidade do crédito tributário. Demonstrou-se, também, que em razão de tais modalidades – previstas no inciso III do art. 151 do CTN – gerar a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, o início de um processo penal com o escopo de apurar a prática de sonegação fiscal mostra-se inadequado, dado o não exaurimento da via administrativa, que enseja, em síntese, incerteza quanto à materialidade do fato típico. É caso, segundo entendimento da Corte Suprema, de rejeição da denúncia por carência de condição para exercício do processo penal (inciso II do art. 395 do CPP), aguardando-se, portanto, um eventual lançamento definitivo – precedente do STF[1].

E quanto aos efeitos concernentes à persectio criminis sobre lavagem de dinheiro? Caso prevaleça o entendimento – minoritário, diga-se de passagem – advogado por ARAS e GOMES[2], que parte do pressuposto de que, como o objeto material do crime de lavagem de dinheiro é o produto econômico da infração antecedente e, levando em consideração que a sonegação fiscal considera-se apenas consumada – segundo o entendimento sedimentado do STF[3] – com a constituição definitiva do crédito tributário, mostrar-se-ia inviável, previamente à instauração de inquérito policial, “a promoção de medidas cautelares, ou de ação penal para apuração de lavagem de dinheiro enquanto não for definitivo o lançamento, salvo se houver indicativo de outra infração antecedente”[4]. Seguindo esse mesmo diapasão, GOMES defende que, se sem o exaurimento da via administrativa não há crime tributário, “não há que se falar também em lavagem de dinheiro (antes do término do procedimento fiscal)”[5].

Portanto, nessa linha argumentativa, deduz-se que tanto o recebimento da denúncia, quanto a condenação tratando sobre lavagem, seriam decisões inviáveis caso a exigibilidade do crédito tributário estiver suspensa em feito paralelo apurando a prática de crime tributário antecedente, devido ao recebimento da interposição de reclamação e/ou recurso em processo administrativo fiscal.

Não obstante, deve-se insistir que o referido entendimento não representa a maioria dos arestos pátrios. Grande parte da jurisprudência representa a diretriz argumentativa de que, em que pese o exaurimento da via administrativa representar o pressuposto de tipicidade penal em se tratando de crime fiscal material, esse fato não impediria o recebimento de denúncia tratando sobre branqueamento de capitais, em razão da autonomia da lavagem em relação à infração antecedente, de modo que seria inviável impedir o prosseguimento do feito criminal que apura a prática de lavagem[6].

Cabe analisar, então, se com a exigibilidade suspensa em razão de uma das modalidades prevista no inciso III do art. 151 do CTN, seria idôneo um édito condenatório sobre lavagem de dinheiro cuja infração antecedente encontra-se impedida de apuração. Como já exposto anteriormente, segundo o entendimento de MORO, encontrando corroboração do STJ[7], é possível uma condenação pelo crime de branqueamento de capitais “independentemente de condenação ou mesmo da existência de processo pelo crime antecedente”[8]. Com base na fria análise desse entendimento, que defende ser desnecessária a comprovação da materialidade do delito antecedente “com todos os seus elementos e circunstâncias”[9] no processo penal tratando sobre lavagem, é possível inferir que nada impediria, portanto, a prolação de uma sentença condenatória pela prática do crime de lavagem de dinheiro mesmo que o processo responsável pela apuração do delito antecedente de sonegação fiscal sequer tenha sido ajuizado – pois ainda estaria em discussão, na seara administrativa, o recurso ou a reclamação interposta pelo contribuinte.

Todavia, mesmo que se admita tal concepção, tudo vai depender de uma análise aprofundada à luz do caso em concreto, eis que, em que pese ser possível a condenação pela prática de lavagem mesmo quando ausentes condenação ou até mesmo processo criminal da infração antecedente – com o crédito ainda não constituído definitivamente – deve haver, no mínimo, prova cabal no sentido de que o “objeto da lavagem é produto ou provento de crime antecedente”[10]. Deve-se convir, entretanto, que é difícil imaginar uma situação dessas quando sequer o processo administrativo fiscal não estiver findo; ainda mais quando há julgado do TRF-3 no sentido de que é inviável o recebimento da denúncia (o que descarta obviamente a condenação) calcada em mera incompatibilidade entre a movimentação financeira e as declarações de renda[11].

Finalmente, a concepção já trabalhada neste canal (ver aqui) de BADARÓ e BOTTINI apresenta certo equilíbrio ao tema: se para o recebimento da denúncia tratando da prática do delito de lavagem basta um mero juízo de probabilidade quanto à infração antecedente, para a condenação é necessária a certeza de tal ocorrência[12]. Transportando, então, o referido entendimento ao tema em voga, pode-se deduzir que seria possível, desde que existente prova indiciária, receber a denúncia de lavagem de dinheiro mesmo com a exigibilidade do crédito tributário da suposta sonegação fiscal antecedente suspensa em razão do recebimento de recurso ou reclamação no processo administrativo fiscal. Sem embargo, o mesmo entendimento não se pode adotar quanto aos pressupostos condenatórios, pois, no entendimento de BADARÓ e BOTTINI, é imprescindível a prova inconteste da existência da infração penal antecedente – o que não seria possível no caso de sequer exauridos os recursos e reclamações no processo administrativo fiscal.

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[1] HC 81611, Tribunal Pleno, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence, DJ 13/05/2005.

[2] GOMES, Luiz Flávio. “Black Money”, “Dirty Money” e a Lavagem de Dinheiro. Disponível aqui. Acesso em: 03/06/2014.

[3] Precedente: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas-corpus n. 99.740, da 2ª Turma, Relator: Ministro Ayres Britto, Brasília, DF, DJe 01/02/2011. In: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000164222&base=baseAcordaos. Acesso em: 03/06/2014.

[4] ARAS, Vladimir. A Investigação Criminal na Nova Lei de Lavagem de Dinheiro. Disponível aqui.

[5] GOMES, Luiz Flávio. “Black Money”, “Dirty Money” e a Lavagem de Dinheiro. Disponível aqui.

[6] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas-corpus n. 243.889, da 6ª Turma, Relator: Ministro Sebastião Reis Júnior, DJe 11/06/2013. Disponível aqui.

[7] Precedente: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.133.944, da Quinta Turma, Relator: Ministro Felix Fischer, Brasília, DF, DJ 27/04/2010. Disponível aqui.

[8] MORO, Sergio Fernando. Crime de Lavagem de Dinheiro. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 88.

[9] Idem, ibdem.

[10] Idem, ibdem.

[11] RSE nº 200761810118502, TRF-3, Rel. Desembargador Federal Nelton dos Santos, 2ª Turma, julgado em 21/07/2009.

[12] BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de Dinheiro: Aspectos Penais e Processuais Penais: Comentários à Lei 9.613/1998, com alterações da Lei 12.683/2012. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 266.

HenriqueSaibro

Henrique Saibro

Advogado. Mestrando em Ciências Criminais. Especialista em Ciências Penais. Especialista em Compliance.

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