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Teses sobre homicídio (parte 6)


Por André Peixoto de Souza


Ataque pelas costas: facada, tiro, enforcamento. O modo mais repugnante e asqueroso como o crime pode se manifestar. Atacar pelas costas é trair o estado de espírito da vítima, que não sabe e não se prepara para qualquer reação mesmo impulsiva. É acovardar-se, o algoz, da potencialidade da vítima em reagir e escapar. É retirar do atacado qualquer fagulha de esperança. Quem ataca pelas costas é covarde, medroso, fraco, frouxo, maldoso, imoral, injusto.

Muito apesar de curiosíssimas decisões que entendem que, às vezes, tiro nas costas não significa necessariamente tiro pelas costas (TJ-RS, Ap. 685058208, e outras), todas as decisões são uníssonas em apresentar um único elemento que caracteriza a intenção do “tiro pelas costas”, capaz de qualificar o crime para o inciso IV do § 2º do art. 121 do CP: a surpresa! Sem entrar no debate clássico que dita que todo ataque/homicídio tem uma proporção de elemento surpresa (pois do contrário seria um duelo), o fato é que ser verdadeiramente surpreendido pelo algoz – à traição, de emboscada, com dissimulação etc. – exclui da vítima qualquer mecanismo para eventualmente refutar a agressão e manter-se VIVO.

A qualificadora se desenvolve por modos explícitos, conforme o tipo destacado. As palavras mais indicativas para o modo traição podem ser estas: ilusão, deslealdade, quebra de confiança – a vítima esperava regular comportamento e é surpreendida pelo algoz por comportamento diverso do (contrário ao) esperado. Precisamente por não desconfiar do ataque (porque confia no comportamento regular), a vítima é tomada de surpresa. Na emboscada (“no bosque”) o algoz aguarda oculta e sorrateiramente a vítima, para atacá-la de surpresa. Essas são as suas características: ocultação e temporalidade. Talvez seja esse o modo mais covarde de ataque para a morte, onde a mais das vezes a vítima sequer conhece o rosto de seu assassino. Emboscada é cilada, tocaia, armadilha, espera, ardil, e pressupõe, definitivamente, a premeditação. Por dissimulação é possível entender a pretensão de disfarçar, camuflar, fingir. É agir com o objetivo de encobrir a ação e a real intenção do agente.

Seja como for, “à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso…”, se o ataque é inesperado – e se no ato existe a polaridade: algoz atento e ativo; vítima desatenta e passiva –, há nítido elemento SURPRESA que define a qualificadora.

Já existe sólida jurisprudência no sentido de afastar a qualificadora no dolo eventual, pois é pressuposto da traição, da emboscada e da surpresa a intenção consciente de matar. São, portanto, incompatíveis as teses de dolo eventual e impossibilidade de defesa da vítima.

Mas no homicídio em que houve ataque pelas costas, assim bem definido, a defesa do réu é diretamente proporcional à qualificadora, in fine: trata-se de “recurso que dificult[a] ou torn[a] impossível a defesa d[o agente]”.

_Colunistas-AndrePeixoto

André Peixoto de Souza

Doutor em Direito. Professor. Advogado.

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