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Teste de Integridade: 1ª Medida contra a Corrupção


Por Vilvana Damiani Zanellato


No final do ano passado, neste Canal, iniciou-se debate sobre a 1ª medida contra a corrupção, da campanha que conta com a participação ativa do Ministério Público Federal, conhecida como “Accountability”.

Dando continuidade ao debate referente às “10 Medidas Contra a Corrupção”, hoje será abordado um segundo tópico ainda dessa 1ª medida, que traz em seu teor Anteprojeto de Lei (veja aqui) que prescreve a possibilidade da realização de “teste de integridade” dos agentes públicos no âmbito da Administração Pública.

Referido teste consiste na possibilidade de órgãos públicos, por suas corregedorias, controladorias, ouvidorias, com a ciência do Ministério Público, submeter seus agentes, de modo aleatório ou dirigido, à simulação de situações que envolvem questões morais e de predisposição à prática de infrações contra Administração Pública, para fins disciplinares e para instrução de ações cíveis, de improbidade administrativa e, ainda, persecução penal.

O Anteprojeto, prevê, também, a possibilidade de gravação do teste e a aplicação, no que couber, das normas da Lei Anticorrupção[1]. Dele, extrai-se a seguinte justificativa:

“O objetivo central do teste de integridade é criar, preventivamente, a percepção de que todo o trabalho do agente público está sujeito a escrutínio e, a qualquer momento, a atividade pode estar sendo objeto de análise, inclusive sob o ponto de vista de honestidade. A realização do teste não parte da premissa da desconfiança sobre os servidores em geral, mas sim da noção de que todo agente público tem um dever de transparência e accountability, sendo natural o exame de sua atividade.”

A justificativa esclarece, ademais, que a modalidade do teste de integridade dirigido tem aplicação ao agente sobre o qual se tem suspeita ou notícia da prática de ato de improbidade, enquanto a modalidade do teste de integridade aleatório tem aplicação a qualquer agente.

A medida foi elaborada com base em testes pilotos realizados em diversos locais, sendo que nos Estados Unidos da América onde, passados 30 anos em que se registrou a ocorrência de 1/3 de agentes terem sucumbido à simulação, o resultado posterior foi “zero”, a indicar que o agente, ao saber da possibilidade de estar sujeito ao teste, deixar de perpetrar a infração.

Não se olvida, a medida – apesar de preventiva – é polêmica e muito há que se abordar a respeito.

Para se evitar maiores delongas, todavia, sobre o tema, neste espaço, se tratará brevemente de apenas um aspecto: o teste de integridade, em qualquer de suas modalidades, pode se caracterizar em flagrante preparado[2]? Parece que sim, pois se constitui essa especialidade de flagrante quando é “obtido a partir de uma preparação ou de uma provocação por parte de citado terceiro, cuja ação seria determinante para a prática do crime flagrado” (OLIVEIRA e FISCHER, 2015, p. 633).

No caso do teste de integridade, o Anteprojeto de Lei não deixa margem de dúvida quanto a isso, tanto é que em sua justificativa exemplifica o oferecimento de propina para policial a fim de evitar a autuação de infração de trânsito – isso é flagrante preparado!!!

De outro lado, a Súmula 145/STF enuncia que “Não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação”.

Diante desse contexto, a medida abre espaço a duas diretrizes:

1ª) Na hipótese de restar caracterizado o flagrante preparado, de uma análise crua e genérica da situação, o ato não será válido! Cabe dizer, não poderá servir de supedâneo para fins de persecução penal ou de qualquer outra ação que venha a prejudicar o agente público; e

2ª) Não obstante a atual jurisprudência entenda pela invalidade do flagrante preparado, há que se atentar que o conceito de situação de flagrância encontra-se definido apenas no Código de Processo Penal (art. 302)[3] e, existindo, lei (se aprovada nesses termos) que permita referido proceder em casos específicos, não haveria porque se contestar a validade do ato.

Essa segunda hipótese, tal qual como ocorre em relação aos muitos outros direitos, nada mais demonstra a sabida máxima de que nenhum direito é absoluto, ainda que fundamental.

Por isso, o Anteprojeto teve o cuidado de ressalvar a necessidade de autorização judicial quando o teste de integridade for realizado pelo Ministério Público ou pelos agentes da Polícia[4].

Não se está aqui chancelando a prática desmedida do flagrante preparado. Não! A prática desautorizada, em qualquer seara, não merece validade e quem o realiza deve sofrer as represálias legais e adequadas.

No entanto, nada impede – a título do que já ocorre com a interceptação telefônica e outros tipos de investigações – que, havendo norma que permita em determinados casos atividade que aparentemente possa a vir a configurar situação de flagrante considerado pela doutrina e/ou pela jurisprudência como preparado, o ato seja válido para fins de prevenção da perpetração de comportamentos ímprobos e corruptos.

Muito há que se discutir, é claro. A ideia não está acabada, merece aperfeiçoamentos e, certamente, caso chegue às Casas Legislativas, sofrerá alterações.

O escopo é nobre e deve ser aplaudido por quem, ao decidir seguir a carreira pública, age dentro da moralidade administrativa.

O serviço público, mais do que nunca, precisa de pessoas com idoneidade.

Nós precisamos!

Afinal, quem temeria ser submetido ao teste?


REFERÊNCIAS

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli; FISCHER, Douglas. Comentários ao Código de Processo Penal e Sua Jurisprudência. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2015.


NOTAS

[1] Lei nº 12.846/20132, no momento, alterada pela MP nº 703/2015, especialmente quanto ao acordo de leniência

[2] Não há que se confundir com o flagrante esperado. Nesse não há qualquer indução ou simulação, mas sim o mero conhecimento pela autoridade de que o fato delituoso será praticado e aguarda o momento exato para intervir.

[3] Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem: I – está cometendo a infração penal; II – acaba de cometê-la; III – é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração; IV – é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ela autor da infração.

[4] Art. 9º. Os testes de integridade também poderão ser realizados pelo Ministério Público ou pelos órgãos policiais, mediante autorização judicial, em investigações criminais ou que digam respeito à prática de atos de improbidade administrativa.

_Colunistas-Vilvana

Vilvana Damiani Zanellato

Chefe de Gabinete da Procuradoria-Geral Eleitoral. Mestranda em Direito Constitucional. Professora de Direito.

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