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Você sabe o que é a Lei do SINASE?


Por Mariana Py Muniz Cappellari


Provavelmente você não saiba que a Lei nº 12.594 de 2012 tenha instituído o SINASE – Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, o qual regulamenta a execução das medidas destinadas a adolescente que pratique ato infracional. Se a execução penal já é matéria relegada a segundo plano, imagine-se o que dizer da execução das medidas socioeducativas.

De acordo com a referida legislação, entende-se por SINASE o conjunto ordenado de princípios, regras e critérios que envolvem a execução das medidas socioeducativas, incluindo-se nele, por adesão, os sistemas estaduais, distritais e municipais, bem como todos os planos, políticas e programas específicos de atendimento a adolescente em conflito com a lei.

Não nos esqueçamos de que o artigo 103 do Estatuto da Criança e do Adolescente conceitua ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal, entendendo-se por medidas socioeducativas as previstas no artigo 112 do mesmo diploma legal, quais sejam: advertência; obrigação de reparar o dano; prestação de serviços à comunidade; liberdade assistida; semiliberdade; internação e as medidas de proteção do art. 101, incisos I a VI, também, do ECA.

Pois bem, a Lei do SINASE que podemos comparar a Lei de Execução Penal, aduz que essas medidas têm por objetivos a responsabilização do adolescente quanto às consequências lesivas do ato infracional, sempre que possível incentivando a sua reparação; a integração social do adolescente e a garantia de seus direitos individuais e sociais, por meio do cumprimento de seu plano individual de atendimento, o chamado PIA; e a desaprovação da conduta infracional, efetivando as disposições da sentença como parâmetro máximo de privação de liberdade ou restrição de direitos, observados os limites previstos em lei. Dessa forma, evidente que a legislação confere a medida socioeducativa caráter retributivo e preventivo, nos termos das teorias absolutas e relativas da pena, analogamente falando.

Algumas disposições da lei nos chamam mais atenção para estas breves linhas. Sabemos que as medidas socioeducativas que impõe privação de liberdade são as de internação e semiliberdade, sendo que as demais são medidas que se dão no meio aberto, portanto, com restrição da liberdade, cotejo interessante de se fazer diante a pena privativa de liberdade (privação) e a pena restritiva de direitos (restrição).

Mas, mesmo se a execução for de medida em meio fechado ou aberto, a lei é clara ao estabelecer que a execução das medidas reger-se-á pelos princípios da legalidade, o qual aqui significa que o adolescente não pode receber tratamento mais gravoso do que o conferido ao adulto; excepcionalidade da intervenção judicial e da imposição de medidas, favorecendo-se meios de autocomposição de conflitos; prioridade a práticas ou medidas que sejam restaurativas e, sempre que possível, atendam às necessidades das vítimas; proporcionalidade em relação à ofensa cometida; brevidade da medida em resposta ao ato cometido, em especial diante da medida de internação, já que o artigo 122 do ECA estabelece que a privação da liberdade é medida sujeita a brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, trazendo as hipóteses taxativas e legais em que tal imposição é permitida; individualização, considerando-se a idade, capacidades e circunstâncias pessoais do adolescente; mínima intervenção, restrita ao necessário para a realização dos objetivos da medida; não discriminação do adolescente e fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários no processo socioeducativo.

Muito teria a se falar diante de todo o estabelecido na referida legislação, entretanto, quero focar em determinados pontos da lei, mormente com o intuito de esclarecer aos que desconhecem e por isso mesmo creditam impunidade aos autores de atos infracionais, que o adolescente privado de liberdade é muitas vezes mais punido do que o próprio adulto autor de um mesmo delito. Vejamos, então.

No caso da medida de internação, portanto, aquela que priva a liberdade do adolescente, tal como o regime fechado na pena privativa de liberdade, no caso de um crime apenado com reclusão, tem-se que o ECA, em seu artigo 121, § 3º, veda que a internação exceda o prazo de três anos. O que significa isso? A medida de internação, privação de liberdade, não pode exceder o prazo máximo de três anos, mas isso não significa que o adolescente não possa cumprir três anos em internação e após obter progressão para outra medida, inclusive, de semiliberdade, que também se traduz em privação de liberdade, mas nos moldes do regime aberto, por exemplo, em albergue, pois na infância, em Porto Alegre/RS, existe entidade de atendimento para essa medida, diferentemente do sistema prisional, onde os adultos por vezes se encontram em regime domiciliar, sujeitos a uma tornozeleira eletrônica.

Mais, ainda, a liberação compulsória apenas se dará aos 21 anos de idade. Portanto, se cometo um ato infracional próximo de atingir os 18 anos de idade, uma semana antes, por exemplo, ou até um dia antes, poderei permanecer internado por três anos, também.

Ademais, a legislação referida dá conta de que as medidas socioeducativas de liberdade assistida, semiliberdade e internação deverão ser reavaliadas no máximo a cada seis meses, o que significa que a liberação do adolescente ou a progressão estão sujeitas a relatório realizado pela equipe técnica da entidade de atendimento onde se encontra recolhido ou cumprindo medida em meio aberto.

Há uma subjetividade, portanto, nessa avaliação, por certo, pois, diferentemente do adulto que conta com um montante de pena a cumprir, com regime determinado, o adolescente terá avaliada a sua conduta, comportamento, crítica, proporcionalidade e etc., em relatório a ser enviado ao Juízo competente, que, após o devido processo legal, assegurado o contraditório e a ampla defesa, decidirá acerca da possibilidade de progressão ou extinção da medida socioeducativa. Essa subjetividade pode dar margem ao discurso da periculosidade e da defesa social.

Não por menos, SPOSATO (2013) já aduziu que a ausência de garantias jurídicas e o amplo arbítrio judicial nos procedimentos de apuração de responsabilidade de adolescentes, é um legado tutelar que se faz ainda presente na regulação da Justiça Juvenil brasileira. Segundo a autora, na interpretação do ECA fica evidente o papel crescente do juiz na elaboração do direito, dada a abertura própria da legislação e a presença de princípios que carecem de maior regulamentação. Espaços, portanto, de fácil acomodação para discursos punitivos e seletivos, haja vista a influência da opinião pública, mormente diante a exposição midiática existente, quanto mais em sede de infância, quando a discussão da redução da maioridade penal é sempre tema de atenção dos mais repressores.

Por isso, quero enfatizar mais duas disposições da referida lei. O artigo 45, o qual dispõe sobre a unificação das medidas socioeducativas, e o artigo 46, o qual em seu § 1º alcança faculdade ao julgador. No primeiro caso nos interessa o § 1º do artigo 45, pois ele dispõe ser vedado à autoridade judiciária determinar reinício de cumprimento de medida socioeducativa, ou deixar de considerar os prazos máximos, e de liberação compulsória do ECA (no caso da internação, os três anos), excetuada a hipótese de medida aplicada por ato infracional praticado durante a execução.

O que isso significa? Acaso o adolescente tenha se envolvido, por exemplo, em uma infração disciplinar (tema que abordarei na semana que vem), quando do cumprimento da internação, e essa infração diga com o ato infracional de lesão corporal, teremos a prática de outro ato infracional durante a execução, logo, a autoridade judiciária poderá deixar de considerar, sim, o prazo de três anos disposto pelo ECA como máximo para o cumprimento dessa medida e impor internação por período superior, ou seja, quatro, cinco anos.

É, e no caso do artigo 46, que é aquele que dispõe sobre a extinção da medida socioeducativa, encontramos o § 1º, o qual faculta ao Juiz, acaso tratar-se de maior de 18 anos que responda a processo-crime, a extinção da medida socioeducativa, já que evidente o esgotamento, nos parece, da finalidade socioeducativa. Mas, veja-se, é uma faculdade e não uma imposição. Não há, portanto, pela legislação, um direito subjetivo do adolescente.

Na próxima semana, então, pretendo ingressar no regime disciplinar imposto pela Lei do SINASE. Por ora, acredito que não mais seja necessário pontuar as ambiguidades existentes no modelo de responsabilidade juvenil, que, no mais das vezes, torna-se, sim, embora o princípio da legalidade referido, mais gravoso do que o do adulto, é só avaliar um flagrante por delito análogo ao crime de roubo simples, artigo 157 do CP, por exemplo.

O maior de idade, se primário, sem antecedentes, pode obter liberdade provisória, com ou sem a imposição de medida cautelar; o adolescente, no mais das vezes, terá contra si uma internação provisória, cujo prazo máximo de privação da liberdade se dá em 45 dias, eis que inexistente cautelar diversa da prisão no âmbito da Infância e Juventude. Quando ao final do processado, acaso condenado o maior de idade, provavelmente obtenha uma pena que se enquadra no regime semiaberto, dada as circunstâncias acima hipotéticas, o que indica cumprimento de pena em regime domiciliar, muitas vezes, sujeito a uma tornozeleira eletrônica.

E o menor de idade? O artigo 122 do ECA, em seu inciso I, permite a imposição de internação aos atos infracionais cometidos mediante violência ou grave ameaça à pessoa, caso do roubo, logo, a internação poderá se estender aos três anos, acaso não venha esse mesmo adolescente a cometer novo ato no curso da execução.

Talvez seja por isso que SPOSATO (2013, p. 134) tenha referido:

“Da ausência de garantias, já se demonstrou, à luz do pensamento de Luigi Ferrajoli, que a ausência de normas nunca é neutra, a ausência de normas é sempre a regra do mais forte. Assoma que a utilização de critérios como a “vontade do legislador estatutário” e sua suposta intenção inclinada à proteção dos adolescentes constituem-se em dimensões discursivas que legitimam o poder punitivo praticado e acobertam a discricionariedade.”


REFERÊNCIAS

SPOSATO, Karyna Batista. Direito Penal de Adolescentes. Elementos para uma teoria garantista. São Paulo: Saraiva, 2013.

Mariana

Mariana Cappellari

Mestre em Ciências Criminais. Professora. Defensora Pública.

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