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Um posicionamento necessário: a leitura a partir da Criminologia Crítica

Um posicionamento necessário: a leitura a partir da Criminologia Crítica

Aproveito esse espaço para agradecer o convite que me foi feito pelo Canal de Ciências Criminais e para dizer que será um prazer poder contribuir para reflexões sobre o campo das Ciências Criminais. Sinto-me honrada em fazer parte desse seleto grupo de seres pensantes.

Assim, para abrir esta coluna no acredito que seja importante posicionar o leitor quanto o meu local de fala, o que faço por questões de honestidade intelectual, embora não acredite em classificações ortodoxas do conhecimento.

Assim, minha leitura parte da Criminologia Crítica que admite algumas questões como pressuposto para realizar a leitura do fenômeno do crime em sociedades capitalistas neoliberais nas quais o “bandido” é tradicionalmente identificado como sendo o homem, jovem, em situação de risco, morador da região metropolitana ou de outras comunidades marginalizadas e periféricas, e com envolvimento com o tráfico de drogas. Também a definição de cor de pele como pardo ou negro aparece como um estigma do “bandido”. Essas características ou estigmas acompanham essa denominação de “bandido” ou criminoso.

Essas características negativas são selecionadas para serem criminalizadas, pois com a criminalização é possível que se mantenha o controle sobre esses rotulados.

As teorias da reação social explicam essa forma de atuação do sistema penal a partir da atuação das agências de controle social do Estado – leia-se a Polícia, o Ministério Público, o Poder Judiciário – que selecionam determinadas condutas e pessoas para lhes atribuir um rótulo, o de criminoso, marcando uma mudança paradigmática nos estudos criminológicos.

A teoria da rotulação, ou labeling approach, fundamenta-se em dois conceitos: o primeiro de que “o desvio não é uma qualidade do ato, mas a consequência da aplicação de outras regras e sanções a um delinquente.” Estas outras regras e sanções são criadas pela sociedade, por grupos sociais que fazem as regras e dizem o que constitui um desvio (BECKER, 1963, p. 9). Ou seja, um ato é definido como crime de acordo com um interesse maior que influencia as agências de controle social.

E o segundo de que são as agências de controle social que produzem o crime, e não o crime que dá origem ao controle social, uma vez que podem ser rotuladas as pessoas que sequer tenham quebrado uma regra, de acordo com fatores da personalidade ou sua condição pessoal de vida.

O homem é rotulado quando pratica um ato qualificado como desviante, processo chamado de criminalização primária, ou seja, dá-se a criação de uma norma penal que qualifica o ato como criminoso, enquanto a criminalização secundária ocorre quando os agentes de controle social enquadram um ato praticado por um sujeito nas condições da criminalização primária (CIRINO DOS SANTOS, 2006, p. 19).

No entanto, é necessário indicar o porquê de tais regras que rotulam e criminalizam esses hábitos pessoais e sociais. O labeling approach é a base teórica na qual se funda então a Criminologia Crítica, a qual altera o objeto de estudo da criminalidade para os meios de criminalização, para as agências de controle social, pois elas são os agentes de criminalização de condutas e pessoas pela seleção de qualidades atribuídas por meio dos processos de interação social, “segundo a distribuição de poder na sociedade. (…) A criminalidade deve ser reconhecida como um ‘bem negativo’ (Sack), desigualmente distribuído na sociedade, segundo uma hierarquia de interesses estabelecidos pelo sistema socioeconômico e a desigualdade social.” (ARGUELLO, 2011, p. 11).

A Criminologia Crítica adota, assim, uma postura materialista dialética quando assume que a pena de contenção e de privação de liberdade teria origem e desenvolvimento ao lado do capitalismo (DE GIORGI, 2006, p. 34), como um instrumento utilizado por ele como parte da estratégia de contenção social de um certo número de pessoas que foram sendo excluídas do processo de produção e consumo.

Bauman (1999, p. 131) critica essa seletividade primária do sistema penal ao afirmar que a criminalização primária traz condutas que têm maior probabilidade de serem praticadas pelos “pobres diabos tiranizados”, ou seja, o sistema penal ataca a base da sociedade porque busca preservar determinada ordem ditada pelo grande capital.

Historicamente tudo o que envolvia os africanos e seus descentes como a religião, a arte o lazer, as formas de sobrevivência e elementos de sua cultura fora criminalizado. Além disso, também são criminalizados os sobreviventes da colonização, os indígenas, os cafuzos, mamelucos e outras miscigenações daqueles que fazem parte do lumpen proletariado brasileiro formando assim uma classe retratada como perigosa (BATISTA, 2011).

Assim, com o apoio das mídias esses estigmas vão se reproduzindo para toda a sociedade e o discurso criminal se apresenta como solução para resolver esses conflitos que são na verdade de ordem política e econômica.


REFERÊNCIAS 

ARGÜELLO, Katie. Do estado social ao Estado penal: invertendo o discurso da ordem. Londrina, 1º Congresso Paranaense de Criminologia, novembro de 2005. Disponível aqui. Acessado em: 19/10/2011.

BATISTA, Vera Malaguti. Introdução crítica à criminologia brasileira. Rio de Janeiro: Revan, 2011.

BAUMAN. Zigmunt. Globalização: as consequências humanas. Trad. Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.

BECKER, Howard S. Outsiders: Studies in the sociology of desviance. New York: Free Press, 1963.

GIORGI, Alessandro de. A miséria governada através do sistema penal. Rio de Janeiro: Revan – ICC, 2006.

SANTOS, Juarez Cirino dos. A Criminologia Radical. 2. ed. Curitiba: ICPC Lúmen Júris, 2006.

Mariel Muraro

Advogada (PR) e Professora

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