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Maio Vermelho: os dias em que o Estado se curvou ao PCC


Por Diorgeres de Assis Victorio


“Ainda que não existam números oficiais, pesquisas estimam, no período de 12 a 21 de maio de 2006, com base nos boletins de ocorrência e laudos periciais de mortes causadas por armas de fogo, um universo de 564 (quinhentas e sessenta e quatro) mortos e 110 feridos. Com relação às vítimas de homicídio, estas podem ser identificadas como civis – correspondendo a 505 (quinhentas e cinco) mortes — e agentes públicos – correspondendo a 59 (cinquenta e nove) mortes. A cada morte de 1 (um) agente público, ocorreram 8,6 mortes de civis. Nos dois primeiros dias, morreram 51(cinquenta e um) civis e 33 (trinta e três) agentes públicos. Isso dá razão de 1,5 mortes de civis a cada agente público assassinado. No momento posterior, durante a “onda de resposta”, foram assassinados 454 (quatrocentas e cinquenta e quatro) civis e de 26(vinte e seis) agentes públicos. Isto é, a cada agente público morto, 17,5 civis foram assassinados. Se, no momento dos primeiros ataques, a razão foi de 1 (um) agente público assassinado para cada 1,5 civis, no segundo momento, essa razão saltou para 17,5 civis a cada 1 agente estatal. 1. Sexo: Mais de 96% das vítimas eram homens. 2. Idade: Mais de 80% das vítimas tinham até 35 anos, sendo que, destas, mais de 63% era composta de jovens de até 25 anos. 3. Cor: Mais da metade dos assassinados eram negros e pardos. 4. Antecedentes Criminais: Apenas 6% das vítimas detinha algum antecedente junto à Justiça. (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS, CONSELHO DE DEFESA DOS DIREITOS DA PESSOA HUMANA, Comissão Especial “Crimes de Maio” – Resolução nº. 16/2010)(g.n.)

Em razão de nós do sistema prisional estarmos “meio preocupados” com o clima do sistema prisional, tendo em vista uma “informação” de uma provável comemoração do PCC quanto aos 10 anos do atentado de 2006, resolvi por bem, pelo menos por um período, parar os estudos sobre as sementes do PCC em outros Estados, semente essa germinada pela política criminógena devastadora do Estado de São Paulo e dar início a esse tema. Muitos de nós torcíamos e torcemos para que aqueles acontecimentos somente permaneçam na história mundial “televisiva” e etc. e que nunca mais se repita, seja em qualquer proporção.

Me recordo bem dessa data, eu era um “Kamikaze”[1] (na verdade essa é uma das características de minha pessoa), pois não acreditava que o estado mais poderoso do nosso país tinha se acovardado e estava se escondendo do PCC, isso na época (2006) provocava muita revolta em nós agentes, pois se o PCC chegou nesse gigantismo atual, isso ocorreu por omissão do Estado que deixou o crime (um grupo de criminosos) dentro das cadeias se transformar em uma organização criminosa e não ter mais poder para combatê-lo por temer mais problemas. Eu andava a pé pela rua, também circulava de carro, pois queria ver com meus próprios olhos o que estava acontecendo. Lamentavelmente vi que a rua defronte ao 2º Batalhão de Engenharia de Combate estava cercada com “cavalos de frisa” feitos de trilhos de trem que tinham por objetivo impedir o acesso ao Batalhão para que assim eles não fossem vítimas de um assalto ou furto de armas, explosivos e etc.

Passando em frente do antigo Fórum, também o vi com dois cavalos de frisa e a delegacia de polícia também estava do mesmo modo. Eu não via uma viatura da polícia militar circulando pela rua, nem ao menos da polícia militar do corpo de bombeiros. Voltei a minha residência inconformado, a cidade estava deserta, um verdadeiro cemitério, só sentia a brisa do vento circulando pelas ruas, não vi nem uma “alma penada” circulando. Estavam todos temerosos. Na imprensa só havia a divulgação de mais atentados, veículos sendo queimados e o Estado se acovardando cada vez mais. Tudo se iniciou no dia 12 de maio, coincidentemente ou não, mesma data que é comemorada o dia do agente de segurança penitenciária. Perdurou até o dia 21 de Maio, então ainda estamos em um prazo para o PCC ainda poder dar início a sua comemoração mesmo que seja um pouco tardiamente, mas espero que isso não ocorra, pois sei que mais uma vez o Estado não está preparado para os mesmos. Com certeza mais uma vez São Paulo pedirá ajuda.

Assim que assumiu o poder como governador de São Paulo, em janeiro de 2007, José Serra (PSDB) procurou o embaixador dos Estados Unidos no Brasil Clifford M. Sobel para pedir orientações sobre como lidar com ataques terroristas nas redes de metrô e trens, atribuídos por membros do governo paulista ao PCC. O encontro foi o primeiro de uma série em que, como governador, Serra buscou parcerias na área de segurança pública, negociando diretamente com o Consulado Geral dos Estados Unidos, em São Paulo, sem comunicar ao governo federal. É o que revelam relatórios enviados à época pela representação diplomática a Washington e divulgados agora pela agência de jornalismo investigativo Pública, em parceria com o grupo Wikileaks (veja aqui).

Não somente ocorreram rebeliões em presídios, mas nas antigas “Febens”, hoje Fundação Casa (FELTRAN, Gabriel de Santis. Fronteiras de tensão: um estudo sobre política e violência nas periferias de São Paulo. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Universidade Estadual de Campinas, 2008) (em uma outra ocasião, abordarei mais precisamente a influência do Primeiro Comando da Capital na Fundação). Sempre que inicio artigos que versam sobre o PCC me pergunto: “mas por onde e o que abordar?”. Sei que conheço um pouco sobre ele, pois pude vê-lo nascer e se desenvolver, mas sei que esse pouco que sei pode ser muito para àqueles que se julgam grandes conhecedores da organização criminosa, se intitulam doutores em PCC, mas nunca adentraram em uma cela e nem ao menos vivenciaram um dia no cárcere, são doutores meros devoradores de obras, que abordam quase sempre o PCC pela mesma ótica científica.

Eis aí a minha preocupação, mostrar ao leitor desse Canal uma vertente nunca enfrentada pelos especialistas, abordar o PCC pelos seus regulamentos de conduta criminal (Estatutos e etc.) e assim mostrar as transformações que o mesmo sofrera desde o seu nascimento. Aceitaria de bom grado sugestão para abordagem do Partido do Crime.

Dou por encerrado o artigo dessa semana, lembrando que semana que vem daremos continuidade ao mesmo, esperando que não ocorra a tal comemoração até a data do dia 21 do presente mês.

Uma boa leitura!


NOTAS

[1] O termo também ficou conhecido por designar um grupo de pilotos suicidas na época da Segunda Guerra Mundial, conhecidos na época por Taiatari Tokubetsu Kogekitai​ (“Grupo Especial de Ataques por Choque Corporal”). Os kamikazes eram uma unidade de ataque especial na Segunda Guerra Mundial.  Eram conhecidos por realizarem ataques suicidas por aviadores militares do Império Japonês contra navios dos Aliados, para destruir o maior número possível de navios de guerra. Alguns ataques aconteciam porque os aviões não tinham combustível suficiente para chegar em uma base segura. Apesar disso, muitos dos ataques eram completamente intencionais, e mesmo antes de levantar voo, os pilotos já estavam preparados para a sua morte (veja aqui).

_Colunistas-Diorgeres

 

Diorgeres de Assis Victorio

Agente Penitenciário. Aluno do Curso Intensivo válido para o Doutorado em Direito Penal da Universidade de Buenos Aires. Penitenciarista. Pesquisador

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