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As 10 medidas ‘salvadoras’: quem não é contra a corrupção?

As 10 medidas ‘salvadoras’: quem não é contra a corrupção?

Ganha cada vez mais notoriedade a atuação salvadora do Ministério Público Federal, que poderá dar fim ao mal da corrupção mediante a implementação das 10 medidas (que se desdobram em outras tantas).

O discurso dos defensores da medida pode ser avaliado sobre diversas frentes, um utilitarismo (pretende justificar pelo fim do ataque à corrupção a restrição à inúmeras garantias conquistadas), o reducionismo (insistir em práticas que se revelaram infrutíferas de aumento de pena como fator inibitório e de restrição de garantias processuais em nome da celeridade, além de confundir eficiência do processo com condenação) e o maniqueísmo (que coloca os defensores do combate à corrupção de um lado, encampado de seu discurso único e do outro todos os corruptos, dentre eles aqueles que ousam criticar estas santificadas medidas).

Pois bem, a partir destes três enfoques muita coisa poderia e ainda vai ser escrita. Analisar cada uma das medidas, uma a uma, é algo que já foi feito por pessoas bem mais preparadas e que, caso fosse o objeto, demandaria um estudo mais aprofundado, que os limites da presente coluna não comportam.

O que pretendo refletir aqui é sobre como, circundando naqueles três aspectos centrais referidos acima, o Ministério Público Federal seduz grande parcela da população que, não querendo analisar a coisa mais afundo crê, ingenuamente, em suas promessas.

O argumento central é de dois milhões de brasileiros assinaram o documento legitimando as 10 medidas.

Ora, sejamos francos. Quem não assinaria? Para toda a pompa que envolveu a apresentação, todo apoio que foi dado e toda a superficialidade com que a imensa maioria dos signatários trataram o tema, ouso pensar que o número é pequeno.

Assinaturas em parques, questionando o “Senhor é contra a corrupção? Assine aqui para acabarmos com ela” Obviamente que as pessoas assinam, assinam porque estão cansadas de tantos escândalos, assinam porque cansaram de ver a impunidade dos poderosos, assinam porque acreditam no discurso dos defensores da lei e da ordem e assinam porque “todos somos cidadãos de bem” e queremos defenestrar o mal da corrupção, mas não assinam porque conhecem as 10 medidas ou, ao menos, dedicaram 05 minutos para refletir sobre elas, o que mostra que: 2 milhões é muito pouco.

O Ministério Público Federal pretende um código para chamar de seu no processo penal, acreditando no poder que se autoatribui e na divindade que recebe de parte da população, se apresenta como única instituição capaz de ditar as regras no que tange ao processo penal e ao direito penal.

Por óbvio que o processo penal ao ser guiado pelos ideais do órgão acusador será concebido de maneira distinta daquela assegurada pela Constituição e que tanto lutamos para aplicar na prática, cuja preponderância é de um código de 1940, nascido em berço fascita e concebido em um modelo política ditatorial.

O Processo Penal tido como um necessário espaço de dúvida (LOPES JR), como um termômetro do grau civilizatório de um Estado (GOLDSCHMIDT), como um direito fundamental do cidadão e, por isso, deve ser devido (GIACOMOLLI), cede diante da desnecessidade de se por a questionar aquilo que é oferecido na denúncia, afinal, é o denunciante quem dita as regras do jogo.

Por isso, se relativizar nulidades, restringir recursos, diminuir o espaço defensivo no processo penal, uma vez que tudo isto atrapalha quem acusa.

O direcionamento em face de um inimigo sempre une e sempre guia os pensamentos da massa em momentos de crise, inúmeros exemplos históricos mostram o quão grave é o caminho quando se abdica de Direitos e de garantias, ainda que, sob a argumentação de combate a um suposto inimigo.

O texto não resiste a uma leitura constitucional, não resiste sequer a uma reflexão um pouco mais atenta sobre todas as suas consequências.

Mas quem se importa? Quem não defende o combate a corrupção, defende corruptos e quem defende corruptos, corrupto é. Simples. E, assim, segue-se o discurso maniqueísta e simplista.

O argumento de defesa das medidas, num estratagema de dar inveja a Schopenhauer é este: quem critica as 10 medidas é porque é favor da corrupção. Nada mais sem sentido, nada mais sem propósito.

A defesa dos direitos não cederá diante de medidas utilitaristas e oportunistas, não aceitarei ceder as minhas garantias pelas práticas indevidas de outros e, muito menos, pela ineficiência dos meios estatais de persecução penal.

É o velho aumento da goleira, que tanto tratou Lenio Streck em suas colunas: diminuíram o número de gols, aumenta a goleira. Para que investir na qualidade das investigações e nos meios empregados, se é mais fácil criar as regras do jogo de acordo com os teus anseios?

Ser contra as 10 medidas não torna ninguém a favor da corrupção, muito antes pelo contrário, mas por trauma de tantos agentes públicos com más práticas, não podemos permitir poder demais a ninguém, nem a nenhuma instituição.

“Quem não deve, não teme” dirão eles, curiosamente os mesmos que não aceitam a inclusão do crime de responsabilidade contra Promotores e Magistrados. Mas por quê? Curioso, no mínimo curioso. 

Daniel Kessler de Oliveira

Mestre em Ciências Criminais. Advogado.

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