ArtigosExecução Penal

10 obviedades sobre o sistema prisional brasileiro

As 10 obviedades sobre o sistema prisional brasileiro

Zygmunt Bauman se tornou uma lenda porque dizia coisas óbvias, fatos que, por serem notórios, não precisavam ser ditos. E, por esse motivo, ninguém dizia…

A importância de Bauman foi dizer verdades que todos constatávamos, mas ninguém achava necessário discutir. Transformou questões cotidianas e aparentemente banais em análises filosóficas relevantes e que se perpetuarão por muitos séculos. Perdemos um mito!

Inspirado em Bauman, o meu objetivo nesta primeira coluna de 2017 é abordar 10 obviedades sobre o sistema prisional brasileiro. Tentarei descrever alguns pontos relativos à execução penal que, por serem óbvios, quase nunca são notados ou são confundidos com meras conversas de bares.

1) Execução penal não dá votos

Não me lembro de ter visto um candidato a um cargo dos Poderes Executivo ou Legislativo mencionando medidas relativas ao sistema prisional que seriam adotadas se ele fosse eleito.

Se os políticos não se preocupam com a execução penal durante as eleições, por que eles, depois de eleitos, tentariam fazer uma boa gestão do sistema prisional enquanto tentam uma reeleição?

Com tantas questões merecendo o clamor popular (saúde, educação, transporte etc.), os esforços e os recursos são concentrados em qualquer área diversa do sistema prisional, considerado um assunto impopular.

Assim, os debates sobre a execução penal ocorrem somente em situações de urgência, durante graves crises estruturais – como a atual -, sendo tomadas medidas no calor das emoções.

2) A falta de escolas produziu a falta de presídios

Em 1982, Darcy Ribeiro disse que se os governantes não construíssem escolas, em 20 anos faltaria dinheiro para construir presídios. Como negar essa observação? Impossível!

A atual crise carcerária é reflexo de péssimas políticas prisionais adotadas ao longo de décadas, mas também decorre da incompetência dos governantes na execução de políticas públicas básicas, como a geração de empregos e o fornecimento das condições necessárias de saúde e educação.

3) Punir mais nunca será a solução, principalmente se estivermos punindo incorretamente, como no Brasil

Após cada rebelião em um presídio ou depois de algum crime que causa clamor público, iniciam-se os discursos de que a legislação deve ser mais rigorosa, as penas devem ser aumentadas, os direitos devem ser suprimidos e algumas condutas devem ser criminalizadas.

Contudo, considerando que a nossa forma de punição penal está falida, por que deveríamos punir mais? Devemos intensificar o erro?

Acredito que antes de qualquer debate sobre novos crimes ou o aumento de penas devemos avaliar o estágio atual do sistema prisional brasileiro. É inaceitável estender e intensificar o que não está funcionando.

4) A Lei de Execução Penal somente é cumprida contra os apenados

Para os apenados, há uma exigência exata e rigorosa da legislação: exigência do implemento do requisito temporal antes de analisar alguns direitos, especialmente progressão e livramento condicional, punições por falta grave etc.

Além de tudo isso, normalmente se exige o exame criminológico para o deferimento de alguns direitos, ainda que não haja previsão legal de sua necessidade.

Contudo, pouquíssimos são os apenados que têm reconhecidos os direitos no dia do implemento dos prazos. Normalmente isso ocorre muitas semanas depois. E o que falar dos direitos relativos às condições das penitenciárias (art. 88 da LEP)? E a insuficiência da efetivação das assistências (art. 11 da LEP)?

Constata-se que a Lei de Execução Penal é fielmente cumprida quanto aos deveres ou requisitos que devem ser implementados pelos apenados, mas é totalmente negligenciada quanto aos seus direitos.

Não defendo o cumprimento exclusivo dos direitos previstos na LEP, desconsiderando os deveres e a necessidade de implemento dos prazos. Apenas considero que essa lei deve ser cumprida integralmente.

5) Os presídios já estão terceirizados… para os apenados

Há muitos anos os estabelecimentos prisionais não são “públicos”. O Estado tem pouca ingerência na administração da rotina prisional. Atualmente, esses estabelecimentos são organizados e administrados pelos próprios apenados, que, por desinteresse do Estado quanto à execução da pena, optou por permanecer alheio a esse ambiente.

Com a falha estatal na observância dos direitos dos apenados, estes passaram a se organizar de modo a propiciar os direitos que o Estado não fornece, como segurança, alimentação, água e higiene. Um exemplo é o caso dos inúmeros presídios com água impotável, o que gera um comércio paralelo entre os próprios apenados.

Também não são raras as hipóteses em que, para permanecer seguro dentro do estabelecimento prisional, o apenado deve se aliar a determinados grupos de presos ou praticar, pessoalmente ou por meio de parentes, determinados favores (criminosos ou sexuais).

Uma das formas para que o Estado retome o controle dos estabelecimentos prisionais é a implementação dos direitos assegurados na legislação, arruinando a necessidade de uma proteção privada paralela dentro dos presídios.

6) A Defensoria Pública é vital para a execução penal

Muitos presos (provisórios ou em cumprimento de pena) são abandonados nos presídios, não tendo parentes ou amigos que possam procurar um Advogado para representá-los na execução penal.

Nesse ponto, a Defensoria Pública é a instituição que dá vez e voz a essas pessoas, sendo de suma importância para evitar injustiças.

7) Precisamos repensar as prisões provisórias (temporárias e preventivas)

Considerando que o Brasil tem cerca de 250 mil presos provisórios – equivalente a 40% da população carcerária brasileira -, precisamos repensar as prisões provisórias e as atuais noções relativas à duração razoável do processo.

Com esse percentual absurdo, a prisão provisória, especialmente a preventiva, está longe de ser uma excepcionalidade, o que ocorre pela abertura/imprecisão conceitual das hipóteses autorizadoras da prisão na nossa legislação. Ademais, os processos criminais com réus presos deveriam durar o menor tempo possível, evitando o desnecessário prolongamento de encarceramentos cautelares.

8) Precisamos intensificar os Mutirões Carcerários

Esse projeto é promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) desde 2008 e é o responsável pela descoberta de inúmeras situações desumanas e injustas.

Após cada mutirão, surgem histórias de pessoas que foram esquecidas em celas por muitos anos ou que foram presas apenas por serem homônimas de alguém.

9) Não há solução a curto prazo

As soluções exigiriam uma melhora das condições sociais e educacionais da população. Também seria necessário repensar algumas penas, que no Brasil são muito maiores que em outros países, especialmente quanto aos crimes sem violência ou ameaça. Da mesma forma, as medidas alternativas à prisão deveriam ser fortalecidas e incentivadas.

Todas as possibilidades exigem alguns anos de reflexão, debates e implementação. A curto prazo não haverá mudanças substanciais no sistema prisional brasileiro. As soluções que mencionei nesse artigo, como o respeito aos direitos dos apenados, são medidas de médio ou longo prazo.

10) Se as coisas não mudarem, a situação vai piorar

Talvez essa não seja uma obviedade, porque pensamos que já estamos no fundo do poço e que seja impossível piorar. Contudo, após cada nova tragédia em um presídio, percebemos que podemos afundar um pouco mais.

O Decreto do Indulto de 2016 – o mais rigoroso das últimas décadas – é um exemplo de retrocesso inesperado. A curto prazo vai aumentar significativamente o número de presos, agravando a insuficiência de vagas nos estabelecimentos prisionais.

Evinis Talon

Mestre em Direito. Professor. Advogado.

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo