2016: um ano para não esquecer
Nesta última coluna do ano gostaria de compartilhar algumas reflexões sobre a atual situação do Brasil e tudo que ocorreu nas instituições públicas brasileiras durante este difícil ano de 2016.
Faço isso porque não se trata de uma simples retrospectiva subjetiva, e, especialmente, porque esta reflexão tem absoluta ligação com o tema do portal, ou seja, com as ciências criminais.
Olhando para este ano que está terminando podemos ver que todos os acontecimentos que abalaram as estruturas institucionais brasileiras estão relacionados com o Direito Penal e, de modo singular na nossa história, estão relacionados com o sistema de justiça criminal.
Neste ano de 2016 o Brasil passou por um processo de impedimento da Presidente da República recém-eleita ao final de 2014, processo este sustentado por movimentos populares alimentados pela midiática “Operação Lava Jato” e pelo especial caso de um “vazamento” seletivo de interceptações telefônicas de legalidade questionável entre a Presidente da República e seu antecessor.
O processo foi aberto em sessão da Câmara dos Deputados presidida por congressista que posteriormente viria a ser cassado e preso preventivamente por ordem do mesmo magistrado que autorizou a interceptação telefônica “vazada”.
O processo de impedimento seguiu-se no Senado da República sob a batuta de seu Presidente, hoje réu em ação penal originária em trâmite no Supremo Tribunal Federal e que se recusou a cumprir ordem emanada daquela Corte para afastá-lo do cargo. Supremo Tribunal este que tem seus membros objeto de indignação popular quando proferem decisões favoráveis a acusados e exaltados quando decretam o fim da presunção de inocência.
Por outro lado, o atual Presidente da República, conduzido ao cargo após o impedimento da Presidente eleita, governa sem apoio popular mas com ampla base no Congresso Nacional, onde distribuiu cargos as mais relevantes lideranças políticas, aprovando medidas impopulares que impactarão profundamente na vida dos brasileiros. Presidente este que tem seus aliados mais próximos, e ele próprio, envolvido em supostos pedidos de propina e “Caixa 2” eleitoral narrados em depoimentos prestados sob o manto da colaboração premiada.
Uma das últimas notícias que corroboram a falências das instituições públicas brasileiras foi a liminar proferida pelo Ministro Luiz Fux interferindo no trâmite legislativo das famosas Dez Medidas contra a Corrupção.
Fruto de projeto legislativo de iniciativa popular lançada pelo Ministério Público Federal em sua frente de atuação midiática e política no que se denominou de “Força Tarefa” da “Operação Lava-jato”, o projeto prevê medidas legais tais como a mitigação do Habeas Corpus e a utilização de provas ilícitas no processo penal, dentre outras de constitucionalidade, no mínimo, questionáveis.
É certo que todo este caos institucional está umbilicalmente ligado com os excessos punitivos que se cometem no âmbito da “Operação Lava-jato” na tentativa de passar o Brasil a limpo a qualquer custo.
Sustentado em uma conexão penal instrumental juridicamente inexistente, um único Magistrado está sendo responsável pelo julgamento de supostos fatos criminais ocorridos por todo o território nacional.
Dentre as características desta operação podemos destacar o uso excessivo da mídia na busca de apoio popular, a supressão de garantias penais dos acusados, e, principalmente, o uso abusivo das prisões processuais.
O Brasil não é o único país marcado por casos de corrupção. Na Espanha, por exemplo, são inúmeros os casos de corrupção de agentes públicos destacados nos últimos anos, inclusive com grande repercussão popular e cobertura midiática.
As grandes diferenças que poderiam ser destacadas, e que elevam a “Operação Lava-jato” a um patamar único, são a concentração em uma única jurisdição e o abuso na decretação de medidas restritivas de liberdade.
Amparados no apoio popular, intencionalmente construído por meio do uso da mídia, os agentes da “Operação Lava-jato” abusam do poder de prender com o intuito de conseguir a colaboração muito bem premiada de réus que se transformam em acusadores.
Se é certo que atos criminosos devem ser punidos, também é dever das autoridades públicas que atuam no sistema de persecução criminal a aplicação das regras e garantias do sistema penal, construídas a duras penas ao longo de anos de evolução social.
O saldo é que fecharemos o ano de 2016 com um rol de autoridades públicas presas preventivamente, sem qualquer previsão de liberdade, dentre elas estão: ex-Presidente da Câmara dos Deputados, ex-Vice-Presidente da Câmara dos Deputados, ex-Governador do Estado do Rio de Janeiro e sua Esposa, ex-Ministro Chefe da Casa Civil, ex-Ministro da Fazenda e alguns outros ex-Deputados Federais, um ex-Presidente da República réu em 5 ações penais, Deputados e Senadores réus em Ações Penais em trâmite no Supremo Tribunal Federal, Presidente da República citado em delações premiadas e, ainda, com presidente da maior empreiteira do país preso preventivamente, recrescentemente alçado do patamar de vilão ao de colaborador do Ministério Público Federal.
Tudo isso em um quadro de recessão econômica, desemprego, corte de gastos públicos e insatisfação geral da população com os poderes constituídos da República.
Por isso, ao menos sob a perspectiva das Ciências Criminais no Brasil, 2016 é um ano que não pode ser esquecido, pois temos que lembrar de nossos erros para que não venhamos a cometê-los novamente no futuro.