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A ação penal nos crimes contra a dignidade sexual e a autonomia feminina

A ação penal nos crimes contra a dignidade sexual e a autonomia feminina

A Lei nº 13.718, que entrou em vigor em setembro de 2018, além de alterar o Código Penal para tipificar os crimes de importunação sexual e de divulgação de cena de estupro, e de estabelecer causa de aumento de pena nos casos de estupro corretivo e estupro coletivo, trouxe uma importante mudança no que diz respeito à natureza da ação penal nos crimes contra a dignidade sexual.

A redação original do artigo 225 do Código Penal estabelecia que, via de regra, a ação penal, nos crimes sexuais, seria privada, somente se procedendo mediante queixa. Excepcionalmente, a ação penal seria pública incondicionada ou condicionada à representação.

Em 2009, a Lei nº 12.015 estabeleceu que a ação penal, para os crimes sexuais, seria pública condicionada à representação, excetuando-se apenas os casos em que a vítima fosse menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa vulnerável, quando a ação penal passaria a ser pública incondicionada.

Com a nova mudança, promovida pela Lei nº 13.718/2018, nos crimes contra a dignidade sexual, a ação penal passou a ser sempre pública incondicionada. Isso significa dizer que, a partir da entrada em vigor desta lei, quando a Polícia ou o Ministério Público tomar conhecimento da ocorrência de um crime de natureza sexual, a investigação do referido crime e a ação penal ocorrerão, independentemente da vontade da vítima, normalmente mulher.

Segundo dados de 2011, do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) e do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus), do Ministério da Saúde, estima-se que 88,5% das vítimas de estupro são do sexo feminino. Esta estatística se repete para os demais crimes sexuais, nos quais, na maioria das vezes, a principal vítima também é mulher.

Assim, a partir da novel legislação, questiona-se a autonomia da mulher vítima de um crime contra a dignidade sexual, pois antes da entrada em vigor da Lei nº 13.718/18, havia a necessidade da autorização da vítima para o processamento das ações penais, com isto, existia uma certa autonomia feminina, já que havia a possibilidade da mulher decidir sobre o início de uma investigação ou de um processo penal contra seu agressor. A reflexão que se apresenta é: quem deve decidir, nestes casos, sobre a solução jurídica, o Estado ou a mulher que sofre a violência?

Ao transformar a natureza pública das ações penais, para os crimes contra a dignidade sexual, de condicionada para incondicionada, o legislador buscou garantir a persecução penal para estes crimes, no intuito de punir o agressor, independentemente da vontade da vítima, uma vez que os crimes sexuais seriam de interesse público. A justificativa apresentada para esta mudança foi também a ampliação da proteção à vítima, principalmente mulheres, que, muitas vezes, por medo ou por ausência de conhecimento dos seus direitos, não representavam contra seu agressor.

Apesar de ter sua proteção aumentada, a mulher, atualmente, após sofrer uma violência sexual, não tem mais autonomia para decidir se deseja ou não ver processado e punido seu agressor, pois a ação penal incondicionada elimina o poder de escolha da mulher. Esta situação fica ainda mais evidente nos casos em que terceiros venham a denunciar a violência sexual, sem o conhecimento da vítima.

A conclusão a que se chega é que a ampliação do combate à violência sexual contra a mulher é indispensável e cada vez mais necessária. Em que pese a maior proteção à mulher trazida pela nova lei, há que se compatibilizar o avanço da necessária proteção com a vontade da vítima e o respeito à autonomia feminina, em prol da observância dos direitos e liberdades, inclusive a sexual.


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Adriana Filizzola D’Urso

Mestre e Doutoranda em Direito Penal. Especialista em Direito Penal. Advogada criminalista.

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