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A ação subsidiária como exemplo da máxima efetividade dos direitos fundamentais

Por Vilvana Damiani Zanellato

Com uma premissa a maioria concorda: o postulado da proporcionalidade deve ser aplicado sem restrições no âmbito penal.

O tema é abordado diariamente em salas de aulas, lições doutrinárias, julgados de todas as instâncias, debates formais e informais, eventos jurídicos etc.

Bem lembrado por PACELLI (2015, p. 135), o postulado da proporcionalidade apresenta dupla face: a proibição do excesso e a proibição de proteção deficiente, que, na concepção do ilustre doutrinador, há que ser chamada de a máxima efetividade dos direitos fundamentais.

A aplicação da proibição do excesso é comum e facilmente constatada até mesmo pelos mais incipientes na seara do Direito. A máxima efetividade dos direitos fundamentais – ou a proibição da proteção deficiente, como tratada pela doutrina majoritária –, ainda que devidamente aplicada, nem sempre é passível de identificação e aceitação nas hipóteses em que a tutela se volta à coletividade (sim não podemos esquecer dela!).

O Supremo Tribunal Federal, no entanto, no semestre passado, ao apreciar o Recurso Extraordinário com Agravo nº 859.251/DF, que teve repercussão geral reconhecida, indubitavelmente, trouxe à tona a incidência (integral) do postulado da proporcionalidade, seja quanto à proibição do excesso seja quanto à máxima efetividade dos direitos fundamentais.

Não se pretende – ao menos neste espaço – discutir o caso concreto, cujos fatos trouxeram muita dor tanto à família da vítima quanto às pessoas que sofreram (e ainda sofrem) acusação penal. Em verdade, a pretensão, nesta oportunidade, é – repita-se – dar destaque à aplicação do postulado.

Prossiga-se: o caso concreto

Em 2012, no Distrito Federal, ocorreu episódio relacionado a suposto (não)atendimento (in)adequado em hospital privado, que resultou no falecimento de um jovem. O caso foi criminalmente investigado e a família, passado o prazo legal para o Ministério Público oferecer denúncia, ingressou com ação penal (de iniciativa privada) subsidiária da pública, ao fundamento de que o Parquet se manteve inerte. Isso porque, passados dois meses da conclusão do inquérito com o órgão ministerial, esse entendeu por bem determinar a realização de exame pelo Instituto Médico Legal e, passados mais dois meses, determinou o retorno dos autos à autoridade policial. Dias antes, porém, os pais do jovem falecido ingressaram com a citada ação subsidiária. Foi concedida ordem de habeas corpus para trancar referido processo penal, ao fundamento de que, na espécie, não havia restado caracterizada a desídia por parte do Ministério Público, o qual foi em busca de diligências para formar a opinio delicti. O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, ao apreciar o Recurso Especial nº 1.413.879/DF, manteve a decisão proferida no writ pelo Tribunal a quo. O acórdão foi motivado, especialmente: na ausência de inércia por parte do Ministério Público, porquanto teria diligenciado; e no fato de ser o prazo de 15 dias, para casos complexos, por demais exíguo ao exame da maturidade, ou não, da investigação criminal, ou ao oferecimento de denúncia ou para a promoção de seu arquivamento.

Prossiga-se(2): o caso perante o STF

O Supremo Tribunal Federal, no entanto, ao analisar recurso extraordinário tendo como alvo a decisão proferida pela Corte Superior, ao contrário do que até então deliberado, além de reconhecer repercussão geral, reformou o julgado e determinou o prosseguimento do processo iniciado mediante a instauração da ação penal privada subsidiária da pública.

Surge a indagação: deixou a Suprema Corte de aplicar o ordenamento processual brasileiro?

Não!

O Plenário nada mais fez do que cumprir a sua função precípua de intérprete da Constituição Federal, no caso, do art. 5º, inciso LIX, que dispõe: “será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal”.

E qual é o prazo legal? Conforme previsto no Código de Processo Penal, cuidando-se de réu solto, é de 15 dias a partir da data em que o Ministério Público recebe a investigação criminal (art. 46).

Mas se o Parquet entender que é caso de arquivamento? Pronuncie-se a tempo. Ou de determinar diligências? Requisitem-se, também a tempo, à autoridade policial. Se assim não agir, caracterizará inércia, apta a justificar o ajuizamento da ação penal privada subsidiária da pública.

Houve diligências. Tal proceder afasta a alegada inércia? Houve, mas não externas, conforme previsto na legislação processual penal, por isso, não afasta.

E o que todas essas considerações têm a ver com a máxima efetividade dos direitos fundamentais?

Tudo!

Prossiga-se(3): a máxima efetividade dos direitos fundamentais

O Supremo Tribunal Federal, ao fazer valer o direito previsto no art. 5º, LIX, da CF, rechaçando a possibilidade de interpretação extensiva ao disposto no Código de Processo Penal, no sentido de que “diligências internas” não se equivalem às “diligências externas, requisitadas à autoridade policial”, notoriamente interpretou o direito à luz da dupla face do postulado da proporcionalidade, não se olvidando da máxima efetividade dos direitos fundamentais ou, para a maior parte do magistério da doutrina, da proibição da proteção deficiente.

Não cabe, aqui e agora, tratar da eventual responsabilidade criminal das pessoas que figuram na condição de litisconsorte penal passivo no caso concreto. Isso é tema para, quiçá, outra oportunidade. Nem se ousaria a assim se proceder sem o total conhecimento de todo o contexto fático-probatório nele contido.

O destaque e a conclusão que se (quer dar) pode chegar, diante desse vai e vem quanto ao direito postetativo pertinente à propositura da ação penal de iniciativa privada subsidiária da pública, é que, mais uma vez, o Supremo Tribunal Federal demonstrou que no Direito nada se torna estanque e que os direitos fundamentais não devem ser aplicados de modo isolado e individualizado. Há que se fazer incidir o postulado da proporcionalidade, ainda que sua aplicação enseje interpretação que seja desfavorável a quem responde à persecução penal, sem que isso resulte em ofensa a outros direitos.

Excelente exemplo!


REFERÊNCIAS

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de; CALLEGARI, André. Manual de Direito Penal – Parte Geral. São Paulo: Atlas, 2015.

_Colunistas-Vilvana

Vilvana Damiani Zanellato

Chefe de Gabinete da Procuradoria-Geral Eleitoral. Mestranda em Direito Constitucional. Professora de Direito.

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