ArtigosDireito Penal

A aplicação do principio da consunção entre os crimes de desacato e resistência

A aplicação do principio da consunção entre os crimes de desacato e resistência

Olá amigos, espero que estejam bem.

Esta semana resolvi trazer um tema extremamente relevante para os que estudam o direito penal e processo penal: a possibilidade de se aplicar a consunção entre os crimes de desacato e resistência.

As figuras delituosas mencionadas encontram-se descritas no título XI do CP, reservado aos crimes praticados contra a administração pública. 

O crime de resistência vem assim descrito no CP:

Resistência

Art. 329 – Opor-se à execução de ato legal, mediante violência ou ameaça a funcionário competente para executá-lo ou a quem lhe esteja prestando auxílio:

Pena – detenção, de dois meses a dois anos.

Já a figura do desacato tem previsão no artigo 331 do CP

Desacato

Art. 331 – Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela:

Pena – detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.

Conforme se vê, tratam-se de crimes de menor potencial ofensivo, de modo que será processo sob o rito do Juizado Especial.

O desacato, tipificado no art. 331, caracteriza-se por ofender funcionário público no exercício da função ou em razão dela. Na resistência, há rijeza ativa à execução de ato legal mediante violência (emprego de força física) ou ameaça contra a pessoa, ao passo que o desacato se limita ao desprezo, à humilhação do servidor por meio de gestos, palavras ou escritos. Nesta não se exige a ocorrência de qualquer tipo de agressão física que, caso ocorra, configurará crime autônomo.

Como se sabe há três hipóteses em que poderá ocorrer a aplicação do princípio da consunção: crime progressivo, crime complexo e progressão criminosa.

Consoante entendimento do Superior Tribunal de Justiça, em relação à possibilidade de aplicação do princípio da consunção, haverá a relação de absorção quando uma das condutas típicas for meio necessário ou fase normal de preparação ou execução do delito de alcance mais amplo, sendo, portanto, incabível o reconhecimento da absorção de um crime mais grave pelo mais leve, quando caracterizadas condutas autônomas.

No mesmo sentido, o seguinte precedente:

HABEAS CORPUS. PENAL. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO E ROUBO. PRINCÍPIO DA CONSUNÇAO. NAO-INCIDÊNCIA NO CASO EM TELA. CRIMES AUTÔNOMOS. 1. Para aplicação do princípio da consunção pressupõe-se a existência de ilícitos penais que funcionam como fase de preparação ou de execução, ou como condutas, anteriores ou posteriores de outro delito mais grave. 2. A conduta de portar armas ilegalmente não pode ser absorvida pelo crime de roubo, quando resta evidenciada a existência de crimes autônomos, sem nexo de dependência entre as condutas ou subordinação, não incidindo, portanto, o princípio da consunção. 3. Ordem denegada. (HC 108.232/MG, Rel. Min. LAURITA VAZ, Quinta Turma, DJ 28/8/08)

Nessa esteira de argumentos, se restar provado que a ofensa verbal foi proferida no mesmo contexto da conduta positiva de resistir à execução do ato legal, o desacato deve ser absorvido pelo delito de resistência. Isso porque sendo proferidas palavras desonrosas contra o agente público que anuncia o cumprimento de ordem legal, fica claro que, ao resistir ao cumprimento da ordem, o agente na verdade pratica uma única conduta que consiste em não acatar a ordem do funcionário público. 

Sobre o tema Guilherme Nucci esclarece com a sabença que lhe é peculiar:

Pode o agente, durante a prisão, resistir ativamente contra os policiais e ainda valer-se de ofensas verbais contra os mesmos, deixando de cumprir suas ordens. Todo esse contexto faz parte, em último grau, da intenção nítida de não se deixar prender, de modo que deve absorver os demais delitos. Somente quando o agente já está preso, cessando a resistência, pode configurar-se crime de desacato, na hipótese de ofender o delegado que lavra o auto de prisão em flagrante, por exemplo.

Por óbvio que, se a ordem for manifestamente ilegal, não há que se falar em crime de resistência, sendo o fato atípico.

Não se pode aplicar o princípio da absorção entre os delitos de resistência e desacato se as condutas foram praticadas por meio de ações distintas.

Lado outro, quando os crimes de desacato e resistência são cometidos num só contexto, de maneira que a resistência configure um mero desdobramento da conduta precedente do desacato, deve ser aplicado o princípio da consunção, a fim de que o crime mais grave – desacato – absorva o de menor gravidada – resistência. 

APELAÇÃO CRIMINAL – RESISTÊNCIA E DESACATO – AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS – OFENSA PROFERIDAS EM FACE DE POLICIAIS MILITARES – OPOSIÇÃO À PRISÃO EM FLAGRANTE E PERMANÊNCIA DAS OFENSAS – APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO – RESISTÊNCIA ABSORVIDA PELO DESACATO – DOSIMETRIA DA PENA COM RELAÇÃO AO DELITO DE DESACATO – AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO PARA FIXAÇÃO DA PENA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL – CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAL DA CULPABILIDADE ANALISADA EQUIVOCADAMENTE – RECURSO PROVIDO PARCIALMENTE. 1. Se está comprovado nos autos que a acusada denegriu e satirizou verbalmente a corporação da Polícia Militar e a função desempenhada pelos seus agentes, além de ameaçá-los para tentar evitar a sua prisão, que decorreu das ofensas proferidas, mesmo estando ciente da legalidade do ato e da condição de funcionário públicos dos policiais, resta caracterizada a prática dos crimes de desacato e resistência. 2. Quando os crimes de desacato e resistência são cometidos num só contexto, de maneira que a resistência configure um mero desdobramento da conduta precedente do desacato, deve ser aplicado o princípio da consunção, a fim de que o crime mais grave – desacato – absorva o de menor gravidada – resistência. 3. (…) 4. Recurso a que se dá provimento parcial, a fim de absolver a apelante do delito de resistência (art. 329, do Código Penal), uma vez que absorvido pelo crime de desacato, bem como para reduzir a pena fixada com relação a este delito para 06 (seis) meses de detenção. (TJ-ES – APL: 00000296720098080024, Relator: SÉRGIO BIZZOTTO PESSOA DE MENDONÇA, Data de Julgamento: 13/06/2012, PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 21/06/2012)

Em que pese os requisitos para aplicação do princípio da consunção e, considerando ainda que a pena máxima em abstrato para os crimes de desacato e resistência são a mesma (dois anos de detenção), entendemos que é possível a absorção daquele por este, desde que, claro, demonstrado que os atos foram cometidos num só contexto.

Dito de outra forma o crime mais grave poderá também ser absorvido por um menos grave, a depender do contexto. No estudo da teoria geral do crime, aprendemos que a análise da conduta típica deve ser realizada a partir de seus elementos constitutivos, dentre os quais não se encontra a pena cominada em abstrato.

Toma-se como exemplo a situação do indivíduo que desacatou agentes públicos e, após receber voz de prisão pelo desacato, resistiu ao cumprimento da ordem. Resta claro que a resistência (fato posterior) deu-se à ordem de prisão originada de fato anterior (desacato) e, por isso, deveria ser por esta absorvido. Embora a tese seja alvo de divergência jurisprudencial, o STJ esposou tal entendimento:

A jurisprudência desta Corte admite que um crime de maior gravidade, assim considerado pela pena abstrata mente cominada, possa ser absorvido, por força do princípio da consunção, por crime menos grave, quando utilizado como mero instrumento para consecução deste último, sem mais potencialidade lesiva. Inteligência da Sumula 17 (STJ, AgRg. No REsp. 12 1428 1/PR, Reiª. Minª Ma ria Thereza de Assis Moura, 6ª T., Dje 26 /3/ 20 13)

Em recente decisão, o STJ, mais uma vez esposou o entendimento já consolidado naquele egrégio tribunal, de que admite-se a incidência do princípio da consunção se o agente, em um mesmo contexto fático, além de resistir ativamente à execução de ato legal, venha a proferir ofensas verbais contra policial na tentativa de evitar a sua prisão

PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. RESISTÊNCIA E DESACATO. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. ABSORÇÃO DO CRIME DE DESACATO PELO DE RESISTÊNCIA. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. WRIT NÃO CONHECIDO. 1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado. 2. Admite-se a incidência do princípio da consunção se o agente, em um mesmo contexto fático, além de resistir ativamente à execução de ato legal, venha a proferir ofensas verbais contra policial na tentativa de evitar a sua prisão. No caso, porém, infere-se que o réu, após abordagem policial, desceu do seu veículo proferindo impropérios contra o funcionário público. Na sequência, após ter se recusado a apresentar o documento do automóvel, o ora paciente ofereceu propina para ser liberado. Diante disso, o policial deu-lhe voz de prisão, contra a qual o réu ofereceu resistência, tendo sido necessário o uso de algemas para o cumprimento do decreto prisional. Nesse passo, descabe falar em absorção do delito de desacato pelo de resistência, pois não resta demonstrada a unidade de desígnios, bem como que o réu tão somente buscou se esquivar da prisão. 3. De mais a mais, para infirmar as conclusões das instâncias ordinárias, que afastaram a aplicação do princípio da consunção, seria necessário revolver o contexto fático-probatório dos autos, providência que não se coaduna com a via estrita do writ. 4. Writ não conhecido. STJ. 5° Turma. (HABEAS CORPUS Nº 380.029 – RS (2016/0310452-0). Relator: Ministro RIBEIRO DANTAS. Data do Julgamento: 22.05.2018.

Fiquemos atentos.


CUNHA, Rogério Sanches. STF: Interceptação telefônica e denúncia anônima. Disponível aqui. Acesso em: 21 jun. 2019.


Quer estar por dentro de todos os conteúdos do Canal Ciências Criminais?

Siga-nos no Facebook e no Instagram.

Disponibilizamos conteúdos diários para atualizar estudantes, juristas e atores judiciários.

Jairo Lima

Advogado Criminalista e Membro do Núcleo de Advocacia Criminal. WhatsApp: (89) 9.9474 4848.

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo