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A atuação da Advogada Criminalista em crimes de Direito Penal Econômico

A atuação da Advogada Criminalista em crimes de Direito Penal Econômico

A advocacia criminal é uma profissão que exige constante renovação e aprimoramento. Não só pela alta competitividade, concorrência ou pela constante atualização legislativa, mas também pelas mudanças na sociedade, como as transformações atinentes à globalização e às novas tecnologias.

Vivemos hoje num mundo altamente conectado, em que fronteiras e distâncias físicas foram minimizadas pela proximidade virtual. Toda essa evolução repercute de igual forma no perfil de crimes cometidos, de quem os (supostamente) comete, quem e o quê são afetados pelos crimes, a sua persecução penal e a atuação defensiva.

Dentro dessas modificações, uma área que tem ganhado especial destaque é a do Direito Penal Econômico ou Direito Penal Empresarial. Crimes financeiros, tributários, envolvendo a ordem econômica, a Administração Pública, grandes empresas, atores políticos, desvio de verbas, lavagem de dinheiro, white collar crimes (crimes de colarinho branco) fazem parte desse nicho de atuação.

Ainda que não seja uma área nova (a lei que prevê os crimes contra a ordem tributária é de 1990, por exemplo), é inegável a sua relevância atual, em razão das grandes operações e do destaque concedido ao combate à corrupção. Isso repercute na procura e na forma de atuação da(o) advogada(o) criminalista. Aquela(e) profissional que for contratada(o) para atuar em questões envolvendo criminalidade econômica precisa conhecer bem a arena do jogo (ROSA, 2020), estar preparada(o) para nela adentrar e atuar com êxito.

Um primeiro passo para tanto seria identificar as semelhanças e as diferenças entre o penal tradicional e o penal econômico. Isso porque o penal econômico possui certas especificidades que exigem um preparo diferenciado da(o) profissional que pretenda atuar nessa área. Para ser considerado crime, continua valendo a regra de que o fato narrado deve ser típico, antijurídico e culpável, ainda que os bens jurídicos protegidos na criminalidade econômica sejam diversos daqueles que envolvem a criminalidade tradicional (crimes contra o patrimônio, contra a vida, por exemplo).

Porém, existem algumas diferenças. As principais delas quiçá restem na dificuldade de se visualizar quem seria a vítima da criminalidade econômica (os cofres públicos? a moralidade pública?) e a ausência de percepção da prática criminosa por parte do agente que a cometeu.

O acusado mais se vê como uma vítima de um sistema burocrático do que alguém que possa ter cometido uma conduta considerada como crime. Isso provoca alterações desde a forma como a persecução penal é encarada até a maneira como se dialoga com o cliente, a fim de auxiliá-lo na compreensão do seu caso.

Fora os contrastes no aspecto processual. Os processos penais econômicos tendem a ser de competência da Justiça Federal, maiores em tamanho e complexidade, com elevado número de réus – os chamados maxiprocessos, envolvendo inúmeros instrumentos de investigação e de obtenção de prova como ação controlada, interceptação telefônica, quebras de sigilo telefônico e bancário, cooperação internacional.

Ademais, é neste cenário também que há uma forte ampliação dos espaços de consenso e negociação, como a utilização da colaboração premiada e do recente acordo de não persecução penal, exigindo, por vezes, que as teses defensivas sejam pautadas para muito além do Direito e Processo Penal, e postas em ação já na investigação preliminar, não esperando mais a instauração da ação penal como palco principal para a atuação da defesa.

Portanto, espera-se da(o) advogada(o) uma postura proativa, combinada com uma análise interdisciplinar, até mesmo para além do Direito, como conhecimento detalhado sobre questões tributárias, administrativas, empresariais, legislações internacionais, direito comparado e técnicas de negociação, caso opte por algum instrumento de Justiça Penal Negociada.

Ainda, em crimes societários, não é rara a necessidade de dominar o organograma e a estrutura hierárquica da empresa, a competência e atribuição de cada funcionário e qual a extensão da governança de cada um. O que se vê, portanto, é uma necessidade de contínua especialização e aprimoramento profissional da(o) advogada(o), a fim de enxergar e compreender a demanda do cliente como um todo, e não só no aspecto delituoso.

Além de repercutir no exercício do direito de defesa, há influência também na acusação e julgamento do feito. A federalização e complexidade das investigações, dos seus instrumentos e resultados exige um maior preparo dos policiais, delegados de polícia, membros do Ministério Público e do próprio magistrado. Não raro as investigações e os processos se valem do uso de inteligência artificial (GUIMARÃES, 2019) e cooperação internacional na análise dos casos, tanto em razão do tamanho das investigações e suas consequências quanto das nuances da criminalidade econômica.

Como se vê, todo este cenário, em franca expansão desde a sua “revelação” pela Operação Lava Jato, traz, na prática, de um ponto de vista jurídico, uma série de questões a serem discutidas, cujos resultados poderiam ser diferentes se todo o sistema de persecução penal estivesse devidamente preparado para lidar com essa criminalidade multifacetada.

Explica-se. A atuação na área do Direito Penal Econômico demonstra que há uma vulnerabilidade muito grande na criminalidade econômica, numa ótica dos imputados. Veem-se muitas denúncias genéricas, sem a individualização de condutas, sem a devida análise do elemento subjetivo. São inúmeras ações penais instauradas e até mesmo condenações sustentadas em condutas supostamente negligentes, ou seja, culposas, que praticamente não existem na criminalidade econômica.

Em geral, crimes econômicos são crimes formais ou de mera conduta, ou seja, que não exigem resultado para a sua configuração, e dolosos, que necessitam da intenção, da vontade e da consciência do agente para a sua prática. Portanto, se o agente age ou se omite, essa ação ou omissão deve ser feita de forma consciente, com a vontade de praticar a conduta criminosa. Para tanto, a denúncia deveria narrar detalhadamente não só a conduta como o dolo do agente em cometer o crime.

Porém, é comum que ao acusado seja imputada a responsabilidade simplesmente por seu nome constar no contrato social, ou pela descrição da sua função dentro da empresa indicar a existência de poderes de comando e gerência. O que é ignorado, contudo, é que a realidade do cotidiano da empresa por vezes é bem diferente do que consta no papel ou até mesmo no imaginário do senso comum da população.

No contexto da criminalidade econômica, percebe-se a configuração de um antidogmatismo penal, em que se foge da dogmática para imputar a prática de um crime “a qualquer custo”, sob os argumentos de que é preciso acabar com a “impunidade”. Por vezes, infelizmente, as condenações baseiam-se mais em justiça social do que em dogmática penal.

É em razão disso que se exige muito trabalho da defesa, numa perspectiva um pouco diferente do penal tradicional, conforme artigo publicado este ano no Jota, pois esta deve ser efetivamente atuante, se possível, desde o início das investigações. Surge a possibilidade de novas estratégias defensivas, como uma atuação mais preventiva (compliance criminal), ou colaborativa e negocial, em que se buscam realizar acordos entre acusação e defesa (colaboração premiada, acordo de leniência, acordo de não persecução penal) em troca de uma colaboração com a justiça.

As estratégias a serem definidas, em geral, dependem de uma boa análise de riscos (risk assessment) e de conhecimento a respeito de até onde se estende a accountability de cada funcionário dentro da empresa. Se a ação penal não puder ser evitada, a defesa deve estar preparada a entrar no jogo da ação penal, encarando as milhares de páginas do processo, de forma diligente.

É claro que a justiça precisa dar uma resposta efetiva à criminalidade econômica e que a corrupção deve sim ser combatida. As(os) advogadas(os), que exercem funções essenciais à Justiça, concordam com isso. Mas na mesma linha do que diz o artigo 133 da Constituição Federal, a lei possui limites. O poder punitivo também, que deve cumprir o previsto em lei, em especial quanto à imputação de uma prática criminosa, o que por si só já gera sérios prejuízos ao acusado.

Sobre o título do artigo e a opção da autora em se valer das flexões de gênero de forma assídua em palavras no texto, a qualidade da defesa exercida numa ação penal envolvendo Direito Penal Econômico não depende do gênero de quem a exerce. Sabe-se que, por vezes, não é concedido o devido espaço e reconhecimento às mulheres no mundo jurídico, e tampouco em espaços de poder e na mídia. Porém, estamos aqui para lembrar a todos e a todas que advogadas mulheres existem, são muitas, e estão devidamente capacitadas e em contínua preparação para atuar em todos os casos, dos mais simples aos mais complexos.

REFERÊNCIAS

GELISKI, Leonardo; MADEIRA, Lígia Mori; NUÑEZ, Izabel Saenger. Da porta da cadeia às portas da Polícia Federal: a diversificação do mercado da advocacia criminal pós Lava-Jato. Jota. Disponível aqui. Acesso em: 31 mar. 2020.

GUIMARÃES, Rodrigo R. C. A Inteligência Artificial e a disputa por diferentes caminhos em sua utilização preditiva no processo penal. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 5, n. 3, p. 1555-1588, set./dez. 2019. Disponível aqui.

ROSA, Alexandre Morais da. Guia do Processo Penal Conforme a Teoria dos Jogos. 6 ed. Florianópolis: EMais Editora, 2020.

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Luísa Walter da Rosa

Advogada Criminalista. Pós-graduada em Direito Penal e Criminologia pela PUC-RS. Pós-graduanda em Direito Penal Econômico pela PUC Minas. Autora do livro: "Colaboração Premiada: a possibilidade de concessão de benefícios extralegais ao colaborador", pela EMais Editora. Colunista semanal da EMais Editora.

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