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Comentários sobre a cadeia de custódia no pacote anticrime (Lei 13.964/19)

Comentários sobre a cadeia de custódia no pacote anticrime (Lei 13.964/19)

Neste momento estou debruçado sobre a lei 13.964/19, popularmente intitulada “pacote anticrime”, preparando uma anamnese processual, segmentada, de alguns dos seus aspectos mais relevantes.

Superado o “mito da verdade real”, a prova permite, a um só tempo, ao magistrado uma atividade recognitiva de reconstrução aproximativa de um fato pretérito, na mesma medida em que oportuniza, às partes, a tentativa de produção de elementos de convicção, capazes de conduzir o ato decisório a um julgamento alinhado ao esforço retórico da defesa ou da acusação.

Dito de outra forma, a prova é a pedra de toque do Processo Penal, dependendo dela, e da sua legalidade, o deslinde justo e válido de qualquer processo criminal, não sendo exagerado dizer que a prova é o fio condutor entre o fato sob exame e a convicção do julgador.

Portanto, temos o controle epistêmico da validade da prova, assegurando que não haja rupturas na cadeia de custódia, para manutenção dos standards de legalidade, diferindo-se fiabilidade às decisões e processos. 

Na porção média do art. 3º do diploma sob exame, que introduz alterações no Código de Processo Penal, deparo-me com as novas redações dos artigos 158 A, B, C, D E e F.

A rigor, tratam de matéria que já permeava o sistema de proteção da prova penal, refiro-me à cadeia de custódia, tema brilhantemente discorrido pelo professor Geraldo Prado, em sua obra “A cadeia de custódia da prova no processo penal”, ed. Marcial Pons.

Para nós, criminalistas, a normatividade objetiva da matéria significa, para além de uma garantia processual, a possibilidade de exigir a conformação procedimental, aos moldes legais, sob pena de nulidade, vez que no processo penal, forma é garantia.

Comemorando o recorte garantista desse aspecto formalista introduzido pelo “pacote”, não se pode olvidar que o art. 158 está inserido no CPP em seu Título VII – DA PROVA.

Dessa forma, ainda que o art. 158-A refira-se aos esforços ou procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do “vestígio coletado”, por óbvio, esse “vestígio” do crime deve ser considerado prova, e a sua preservação equiparando-se à cadeia de custódia.

Ademais, o art. 158-A é o que se denomina “artigo conceito”, ou seja, um dispositivo legal que apresenta a conceituação de fato ou instituto jurídico – neste caso, assim descrevendo a leitura do legislador acerca da cadeia de custódia:

Art. 158-A. Considera-se cadeia de custódia o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte.

O § 1º do artigo 158-A descreve os marcos temporais e legais do início da cadeia de custódia.

Significa dizer que, com a consagração legal objetiva daqueles marcos, suas eventuais violações importarão em consequências processuais que, como corolário, afetarão desde o status libertatis, até mesmo a geração de eventuais nulidades.

Mas o “pacote” foi além, fixando-se, uma a uma, as etapas da cadeia de custódia, o que significa dizer que, em um sistema persecutório muitas vezes falho e sem estrutura, como o nosso, parece-nos que, em pouco tempo, ou viveremos uma verdadeira “era das nulidades”, ou o Judiciário, em nome da sua autopreservação, dará um “drible da vaca hermenêutico”, como diria Lenio Streck.

Assim sendo, de forma quase cartesiana, o “embrulho”, ou “pacote”, enfim, a Lei 13.964/19, em seu art. 3º, ao inserir o art. 158-B no CPP, com seus 10 (dez) incisos, construiu e descreveu um iter normativo para a preservação da cadeia de custódia, impondo-se uma verificação que vai desde o reconhecimento (inciso I), daquilo que se presta à caracterização de prova, até o seu efetivo descarte (inciso X).

Nem que se fale ou utilize o argumento da “fase pré-processual” para descaracterização técnica da prova, pois em diversos pontos do novel diploma o legislador, inclusive, já estabeleceu o contraditório e.g., – no caso de debates sobre prorrogação da prisão provisória (art. 3º-B, VI) – mencionou expressamente “contraditório e ampla defesa” (art. 3º-B, VII) – garantiu o acesso às “provas produzidas no âmbito da investigação criminal” (art.3º-B, XV) – para além da inserção sistêmica da cadeia de custódia no Título VII do CPP – DA PROVA, que abriga todos os aspectos normativos da prova penal.

Dito de outra forma, a fase pré-processual, em um sistema acusatório – reafirmado na parte inicial do novo art. 3º-A – consagra a produção de provas, admite expressamente, em diversos momentos, a ampla defesa e o contraditório, tanto quanto abre maior espaço para a investigação defensiva.

Em última análise, ainda que estejamos descrevendo interpretações vestibulares sobre o tema, parece-nos evidente que, ao estabelecer contornos conceituais e, especialmente, procedimentais, para consagração da cadeia de custódia no ordenamento jurídico, o legislador restringiu aspectos habituais de uma discricionariedade histórica empregada nas investigações criminais, impondo-se a observância das novas balizas normativas, sob pena de mitigação defensiva e, consequentemente, a geração de incontáveis nulidades.

Seguiremos analisando, parte por parte, os novos aspectos da Lei 13.964/19, certos, desde já, que a sua aplicação prática levará a diferentes interpretações e adequações, sobretudo em razão das dificuldades impostas ao Judiciário para dar cumprimento às diversas inovações descritas na referida lei.


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James Walker Jr.

Advogado criminalista, professor e presidente da ANACRIM.

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