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A celeridade processual e a prova delivery no processo penal


Por Daniel Kessler de Oliveira


Não é de hoje que muito se critica a morosidade processual, especialmente no âmbito das varas criminais. Não são raros os pedidos defensivos que se sustentam na duração razoável do processo, enquanto um direito fundamental do Acusado.

Isto se dá dessa forma pelos inúmeros prejuízos que o decurso excessivo do tempo causa ao instrumento processual, independente do polo que esteja se ocupando na situação jurídica.

Isto porque a vítima sofre com o sentimento de impunidade, ao ver um processo se arrastar durante anos sem um julgamento efetivo, ao mesmo passo que o Acusado também sofre a angústia de um processo interminável sem uma definição acerca de seu futuro e, por fim, o judiciário de uma forma geral sai perdendo, no momento em que o efeito do tempo pode prejudicar a produção de prova  e o próprio sentido de uma pena em um momento tão posterior ao fato que a justificou.

Disto resultaram inúmeras medidas nos últimos anos, em nome da celeridade processual, tentativas de otimização, audiências unas, limitações de páginas nas petições, metas a serem cumpridas pelos magistrados, enfim, um rol extenso de iniciativas que visavam e, ainda visam, impedir a duração excessiva do processo penal, velando pela sua celeridade.

Entretanto, não podemos olvidar que a demora processual é um dos problemas vivenciados no nosso processo penal, mas está longe de ser o único e, talvez, nem o mais grave.

A questão ganha contornos dramáticos na medida em que se situa o dilema entre a velocidade do andamento processual e o atropelo das garantias processuais do Acusado.

Devemos saber que alguns elementos não podem ser desprezados, ainda que em nome da celeridade, da otimização dos atos processuais e, tampouco, do devido andamento do processo.

Não se pode pretender trazer a aceleração de nossa sociedade contemporânea, com toda sua instantaneidade para dentro do espaço processual penal, que necessita ter o seu tempo e observar os seus prazos.

Há tempos EISTEIN já nos ensinou acerca da relatividade do tempo e sua variação conforme à posição e à velocidade do observador, o que podemos importar para o processo penal, na medida em que a duração do tempo vai ser relativa de acordo com os interesses e  as posições ocupadas por quem analisa o instrumento processual.

Por isto a necessidade e a (árdua) missão de se encontrar o difícil equilíbrio entre os dois extremos: de um lado, o processo demasiadamente expedito, em que se atropelam os direitos e garantias fundamentais e, de outro, aquele que se arrasta, equiparando-se à negação da tutela da justiça e agravando o conjunto de penas processuais ínsitas ao processo penal (LOPES JR., 2013, p. 189).

Assim, inspirados nos ideais de buscar a efetividade do processo, pondo fim ao adiamento de audiências e à postergação indevida e excessiva de atos processuais, muitos Magistrados passaram a adotar medidas um tanto quanto controversas nos processos penais.

Recentemente, uma Magistrada em uma audiência de instrução em uma Vara Criminal de Porto Alegre – RS, diante do não comparecimento de uma testemunha devidamente intimada, entrou em contato com o número de telefone que constava nos autos e perguntou se a testemunha poderia prestar o seu depoimento naquele momento, via telefone, oportunidade em que seria colocada a ligação no viva-voz para que todas as partes pudessem realizar os questionamentos.

Aí questionamos? É válido este meio de produção de prova? As boas intenções da Magistrada em não dilatar indevidamente o processo, em não frustrar uma solenidade pelo não comparecimento de quem fora intimado é fator autorizador desta medida?

Este é um exemplo clássico de que a intenção de um processo célere e efetivo não pode fazer com que se abra mão de um processo que se dê em conformidade com as regras legais e com os ditames constitucionais que regem à matéria.

A oitiva de uma testemunha por meio de uma ligação telefônica não se apresenta como um meio de probatório válido para ser produzido em um processo criminal, primeiramente, pela ausência de previsão legal neste sentido, o que, por si só, já deveria bastar.

Não podemos permitir que a prova testemunhal seja banalizada a tal ponto de desimportar a certeza da identidade de quem está prestando o depoimento, tampouco das condições em que este depoimento está sendo prestado.

Ora, um sistema processual penal que banaliza a tal ponto um depoimento testemunhal poderia até se entender, não fosse o caso de ser um sistema, como o nosso, no qual a imensa maioria das condenações criminais se alicerçam somente em provas testemunhais!

Este é o paradoxo intransponível e inexplicável, se admite um testemunho de qualquer jeito, sem o mínimo controle sobre esta prova, tratando-a como se fosse um meio probatório inócuo e, depois, se vale destas provas para desfechos condenatórios!

Sendo assim, se vamos ter que lidar com a carência de recursos dos órgãos de investigação criminal e teremos que admitir que em inúmeros processos as provas testemunhais sejam as únicas, devemos, no mínimo, zelar pela qualidade deste meio de produção probatória.

Permitir um depoimento via telefone, em uma ligação normal de celular, sem ter certificação da identidade correta de quem fala do outro lado da linha, muito menos de seu estado anímico, de sua condição psicológica e de sua isenção para prestar as informações, é desrespeitar não só o réu, como todo o instrumento processual.

E se a testemunha estiver lendo o seu depoimento? E a se a testemunha estiver sendo coagida? E se não for a testemunha que estiver falando? E se ela estiver bêbada? E se estiver no trânsito e sem muita paciência para falar? Esta é a prova que teremos como válida em um processo penal?

Muitas são as críticas endereçadas a alguns rituais por detrás dos processos, o Direito é revestido de rituais que tornam o momento de um julgamento algo solene e revestido de formas e formalidades.

Até mesmo porque, no processo penal, como incansavelmente leciona LOPES JR:, a forma é garantia, de modo que não pode se descumprir a forma processual, ainda que inspirado em boas intenções e em objetivos louváveis, pois a inobservância aos dispositivos de lei, sempre trazem prejuízos ao acusado no campo do processo penal.

Portanto, os defensores não podem silenciar diante de fatos que tragam o descumprimento das regras processuais e que objetivem uma condução indevida do processo, principalmente, tratando-se de produção probatória, pois posteriormente a prática pode se instaurar e virar uma cultura judiciária e, aí, o seu rompimento será muito mais difícil.

Enfim, norma processual é garantia e garantia é direito fundamental, devendo assim ser tratada, não podendo ser tratada como uma filigrana ou um mero protocolo a ser observado na condução dos atos.

Pensei que, talvez, a Magistrada do caso mencionado, pudesse ser mais objetiva, mais prática, não gostando de valorizar a forma e todo o ritual processual, contudo, na audiência seguinte, ela pediu para que a testemunha tirasse o boné ao depor, pois ali era uma sala de audiência…aí não entendi mais nada!


REFERÊNCIAS

LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

_Colunistas-DanielKessler

Daniel Kessler de Oliveira

Mestre em Ciências Criminais. Advogado.

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