A citação por edital do réu “não encontrado”
Por Felipe Geitens e Tamara M. da Silva. Recentemente fomos procurados para atuar em um processo de fatos ocorridos lá em 2012. O cliente informou que nunca havia recebido qualquer comunicação após seu depoimento no inquérito policial, sendo que seu endereço sempre foi o mesmo, inclusive informado na delegacia naquela época.
Réu “não encontrado”
Ao analisar o caso, percebemos que o cliente havia sido citado por edital. Houve duas tentativas frustradas de citação pessoal pelo oficial de justiça, no endereço correto, no entanto, em razão do horário comercial, em que grande parcela da sociedade encontra-se trabalhando, inclusive o nosso cliente, o imóvel estava fechado.
Após o retorno dessa certidão, sem requerer que o oficial de justiça retornasse em horário não comercial, o Ministério Público requereu a citação por edital, afirmando ter esgotado as possibilidades de localização do acusado.
Simples assim, sem mencionar como se esgotaram as possibilidades de localização, sem ao menos tentar que fosse realizada em horário diferenciado, ou buscando informações de contato do acusado em registros de órgãos públicos, nada.
O pior é que tal medida foi deferida pelo juízo. Sem ao menos contestar o órgão acusatório quais foram as medidas tomadas para encontrar o réu, em quais órgãos procurou, se encontrou ou não algum contato telefônico. Ora, não basta o órgão de acusação afirmar que esgotaram as possibilidades de localização, ele deve demonstrá-las. Não simplesmente optar pelo mais fácil e violador meio.
A citação por edital, conforme previsão legal, só ocorrerá “Se o réu não for encontrado” (art. 361, CPP). Infelizmente, o Código de Processo Penal é omisso em não regulamentar com mais afinco acerca dessa medida tão importante no processo penal, visto que pode gerar prejuízos irreparáveis.
No caso desse cliente, que veio a ter notícias de um processo quase dez anos após os fatos, o prejuízo é evidente, produzir prova defensiva com esse lapso temporal da época dos fatos é extremamente danoso para o acusado. Perdem-se documentos, contato de testemunhas importantes, arquivos, perícias, e os mais variados meios de prova.
O próprio Código de Processo Civil, que não tutela bens jurídicos tão importantes, no caso a liberdade do indivíduo, regulamenta melhor essa medida, dispõe o art. 256: “A citação por edital será feita: I – quando desconhecido ou incerto o citando; II – quando ignorado, incerto ou inacessível o lugar em que se encontrar o citando”; […] § 3º O réu será considerado em local ignorado ou incerto se infrutíferas as tentativas de sua localização, inclusive mediante requisição pelo juízo de informações sobre seu endereço nos cadastros de órgãos públicos ou de concessionárias de serviços públicos.
Neste caso, em que o oficial de justiça foi apenas em horário comercial, em se tratando de processo civil, certamente a parte autora requereria a citação em horário não comercial, é quase praxe, regra no processo civil. Por que essas medidas são ignoradas no processo penal, local em que deveria haver maior proteção dos direitos individuais?
Em ações cíveis, conforme previsão legal e jurisprudência, há maior rigor nas diligencias na procura do endereço do réu antes da citação editalícia, caso contrário a nulidade é declarada.
Enquanto no processo penal nos contentamos com uma declaração do Ministério Público informando “não encontrar outros endereços”, no processo civil além de realizarem com frequência citações fora do horário comercial, buscam em órgãos e concessionárias de serviços públicos de fato esgotar os meios de localização do réu. Veja a seguinte decisão do STJ:
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CPC/15. AÇÃO MONITÓRIA. CITAÇÃO POR EDITAL. NECESSIDADE DE ESGOTAMENTO DE TODOS OS MEIOS DE LOCALIZAÇÃO DO RÉU. PESQUISA DO ENDEREÇO NOS CADASTROS DE ÓRGÃOS PÚBLICOS OU DE CONCESSIONÁRIAS DE SERVIÇOS PÚBLICOS. ART. 256, § 3º, DO CPC. NULIDADE PROCESSUAL CARACTERIZADA. 1. Controvérsia em torno da legalidade da citação do recorrente por edital. 2. O novo regramento processual civil, além de reproduzir a norma inserta no art. 231, II, do CPC/73, estabeleceu que o réu será considerado em local ignorado ou incerto se infrutíferas as tentativas de sua localização, inclusive mediante requisição pelo juízo de informações acerca de seu endereço nos cadastros de órgãos públicos ou de concessionárias de serviços públicos. (STJ RECURSO ESPECIAL Nº 1.828.219 – RO (2019/0217390-9)
No caso em questão, vê-se, que, sem ao menos tentar requerer que a citação ocorresse em horário extraordinário, ou qualquer outra diligência, sem qualquer indício de que o réu se ocultasse, o Parquet propôs a citação por edital. Contrariando a forma.
Ora, quando há intento pela prisão de um acusado, não peca o Ministério Público em requerer buscas em horários extraordinários, na pesquisa extensa inclusive de endereços de familiares do mesmo para encontra-lo, no entanto, em atos determinantes para o deslinde da causa como é o caso da citação, pecou pela “praticidade”.
Praticidade que atropela a forma, já que não se pode pensar na comunicação do ato processual de forma desconectada do contraditório e ampla defesa, no presente caso, houve o sepultamento desses direitos fundamentais, sem contar que a citação por edital é uma ficção, quer dizer, ninguém acorda pela manhã e procura no diário oficial se está sendo citado, ciente do seu baixíssimo nível de eficácia, portanto deve ser a ultima ratio do sistema (LOPES JR, Aury. 2020. p. 587-594).
Muito comum é a prática errônea de utilizar-se conceitos e normas processuais civis no procedimento penal violadoras de garantias do indivíduo, mas não é o caso quando a norma é mais protetora dessas garantias, principalmente quando o código processual penal silencia. Se há maior possibilidade de proteção dos direitos do indivíduo, ela deve ser observada e aplicada no caso concreto.
Ainda há grande dificuldade no reconhecimento dessa nulidade no procedimento penal, ainda que evidente o prejuízo defensivo. Mas não é por isso que não devemos brigar até o fim pelo seu reconhecimento. Advocacia é isso, ir contra tudo e contra todos pelo direito de defesa do réu.
LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. 17 ed. Editora Saraiva 2020. p. 587.
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