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A confissão como atenuante: uma crítica reiterada

Por Chiavelli Facenda Falavigno

Há muito tempo planejava escrever algumas linhas sobre a súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça, que assim dispõe: “A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal”.

A crítica à súmula, especificamente sob o ponto de vista da confissão, poderia ser feita de modo bastante legalista, sendo, para isso, suficiente a análise do que dispõe o artigo 65 do Código Penal: “São circunstâncias que sempre atenuam a pena: III – ter o agente: d) confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime”.

Ora, sempre quer dizer todas as vezes, sem exceção, sem qualquer juízo de discricionariedade por parte do julgador. Na expressão eternizada por Amilton Bueno de Carvalho: “o artigo 65, Código Penal, fala em sempre, e sempre é sempre, pena de sempre não o ser”.[1]

Mas vamos além. A referida súmula pacificou a jurisprudência que digladiava nos dois sentidos, e pacificou, a meu ver, de forma desfavorável ao acusado.

Em primeiro lugar, o argumento de que a dita súmula viria ao encontro do entendimento de que as atenuantes e as agravantes não poderiam, respectivamente, levar a pena aquém do mínimo ou além do máximo cominado pelo tipo, redunda, na verdade, em prejuízo ao réu. Afinal, de acordo com os critérios estabelecidos para a dosimetria da pena pela legislação e pela doutrina, é praticamente impossível que a sanção atinja, na análise individualizada de cada crime, o máximo cominado para o tipo.

Assim, o que ocorre é que a regra acaba tendo esparsa aplicação apenas em um sentido, qual seja, na impossibilidade de redução da pena aquém do mínimo pela incidência da atenuante. Sabe-se que a pena mínima, ao contrário da máxima, é bastante comum, dispensando, quando aplicada, maiores fundamentações.

Ademais, o entendimento exposto na súmula é quase que uma traição, uma deslealdade do Estado para com aquele que confessa. Prometemos-lhe um benefício, que pode ter sido o seu principal motivo em confessar, e, depois, por meio de muita argumentação e um pouco de matemática, lhe avisamos: de nada lhe adiantou ter confessado.[2]

Felizmente, a recente jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça[3] deixou de exigir uma série de requisitos para que a confissão fosse válida. Antes, ela deveria ser espontânea, total, não qualificada, dentre outras características que tinham como único escopo dificultar a aplicação do benefício outorgado pela lei.

Fica, ao fim desse texto, uma sugestão: a confissão deveria, ao menos, reduzir a pena, independentemente do montante nela estabelecido, quando servir de prova decisiva e fundamento para a condenação do acusado. Saliente-se que decisiva não equivale a única, pois ninguém deveria ser condenado com base unicamente em uma confissão.


[1] Apelação Crime Nº 70029175668, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Amilton Bueno de Carvalho, Julgado em 15/04/2009.

[2] PENAL E PROCESSUAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. EXTORSÃO MEDIANTE SEQUESTRO E EXTORSÃO QUALIFICADA. DOSIMETRIA. CONFISSÃO QUALIFICADA. INCIDÊNCIA DA ATENUANTE. PENA-BASE FIXADA NO MÍNIMO LEGAL. SÚMULA 231 DO STJ. (…) 6. Habeas corpus não conhecido. Ordem parcialmente concedida, de ofício, apenas para reconhecer a incidência da atenuante da confissão, sem, contudo, alteração da reprimenda. (HC 265.331/SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, QUINTA TURMA, julgado em 23/06/2015, DJe 03/08/2015)

[3] PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ROUBO MAJORADO. CONFISSÃO ESPONTÂNEA PARCIAL. IRRELEVÂNCIA. COMPENSAÇÃO COM A AGRAVANTE DE REINCIDÊNCIA. POSSIBILIDADE. 1. A orientação desta Corte é pela irrelevância de ser a confissão parcial ou total, condicionada ou irrestrita, com ou sem retratação posterior, devendo incidir a atenuante do art. 65, III, “d”, do Código Penal, desde que utilizada como fundamento para a condenação. Precedentes. 2. Da mesma forma, pacificou a Corte Especial o entendimento segundo o qual, observadas as peculiaridades do caso concreto, “é possível, na segunda fase da dosimetria da pena, a compensação da agravante da reincidência com a atenuante da confissão espontânea, por serem igualmente preponderantes, de acordo com o artigo 67 do Código Penal” (EREsp 1.154.752/RS; DJe 04/09/12). 3. Agravo Regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp 1450875/SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, QUINTA TURMA, julgado em 04/08/2015, DJe 20/08/2015)

Chiavelli

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