A defesa tem a palavra: algumas considerações sobre a (ausência de) preparação de advogados para atuarem perante o Tribunal do Júri
Por Jean de Menezes Severo
Meus estimados e leitores e leitoras, apreciadores da excelente iniciativa que é o Canal Ciências Criminais e todos aqueles que se interessam pela área, vou inaugurar minha coluna semanal escrevendo algumas reflexões pessoais sobre um tema que me é muito caro e que, ao mesmo tempo, de extrema relevância em nossa formação e a vivência profissional: a preparação técnico-jurídica para a atuação no Plenário do Tribunal do Júri. E tenho certeza que, muitos daqueles que estiverem lendo estas simples linhas, irão se identificar com o problema proposto.
“A defesa tem a palavra.” São vários os advogados que desabam ao ouvir essa fundamental frase quando proferida pelo juiz-presidente do Tribunal do Júri após a manifestação oral do Ministério Público, para que o defensor apresente sua tese defensiva perante o Conselho de Sentença. E aqui utilizado a palavra “desabam” literalmente, sem medo algum da crítica, pois, ao longo das centenas de júris que assisti, bem como àqueles onde atuei, não foram raras vezes em que, até o mais preparado profissional, o mais reconhecido, aquele com o mais notável saber jurídico simplesmente permanecia inerte, sem reação alguma, sem saber o que fazer, após ter-lhe ser concedido o direito de se responder à acusação. Por outro lado, muitos advogados, com menor expressão, com menos preparo intelectual ou saber jurídico mais modesto, são capazes de verdadeiras façanhas, podendo até mesmo ser chamados de milagres, o trabalho profissional realizado durante o Plenário, ou como alguns dizem, a batalha travada entre acusação e defesa.
Não estou, aqui, a desmerecer aquela colega que prossegue com seus estudos, mas sim os parabenizo, pois advogar exige constante dedicação, porém, meu foco é a ausência de preparo desses profissionais para exercerem com toda a plenitude seu ofício, que demanda o Tribunal do Júri, essa secular instituição que, apesar das críticas habituais, permanece firme e forte, recebendo tratamento constitucional por parte de nosso ordenamento jurídico.
E são muitos os aspectos que distinguem a atuação profissional perante o Tribunal do Júri em relação a nossa prática diária, de realizar audiências, atender clientes ou peticionar na comodidade do escritório. Fazer a saudação inicial ao juiz, aos jurados, ao colega do Parquet e aos demais presentes, portar-se adequadamente ante o Conselho de Sentença ou utilizar todo o tempo disponível à réplica, eis que alguns colegas limitam-se a poucos minutos de fala, sem rebater à altura cada acusação feita, são exigências específicas do Plenário e que podem significar a absolvição do acusado, mesmo quando o caso parecer impossível, quando todas as provas acusatórias forem firmes, porém, como todos nós sabemos, o Tribunal do Júri pode absolver o mais culpado dos réus, tendo em vista a soberania de seus votos, especialmente para absolver.
Quem nunca se lembra da primeira audiência que realizou sozinho, sem acompanhamento do advogado mais experiente do escritório ao seu lado? O frio na barriga, o nervosismo, o medo de que algo pudesse sair errado, trazendo consigo a desconfiança do cliente? Agora, pensem nessas mesmas sensações multiplicadas várias vezes quando se trata do Tribunal do Júri, quando o que está sob julgamento é a vida de um homem e o mais emblemático dos crimes: o homicídio.
O Tribunal do Júri não vai ser extinto tão cedo em nosso ordenamento, ao mesmo tempo em que os promotores de justiça são altamente técnicos e profissionais, pois atuam em dezenas de júris ao longo do ano, ao passo que um advogado faz apenas alguns júris no mesmo período. A competência adquirida pela experiência, portanto, é descomunal e, infelizmente, ela ocorre em desfavor do acusado, já um débil em todo o processo penal, ante todo o poderia da máquina estatal de persecução penal.
Penso eu que essa resposta encontra-se com as faculdades de Direito, que poderiam dedicar mais espaço à formação prática de seus alunos, como futuros advogados e não simples bacharéis em Ciências Jurídicas e Sociais. O tribunal do júri possui uma condenação acima dos 80% no país inteiro, em algumas cidades ultrapassa os 90% de condenações, certamente pela falta de preparo dos defensores, que pouco ouviram falar sobre o tribunal do júri durante a graduação.
Assim, creio que as faculdades deveriam dedicar mais atenção a esta instituição, não se limitando ao ensino das leis que a regem, mas sim desenvolvendo aquelas competências técnicas específicas à atuação em plenário, especialmente a oratória, a fim de formar um profissional mais completo ao pleno exercício de nosso nobre ofício: defender aqueles que não podem se defender sozinhos.