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A desclassificação do crime de extravio de armamento para a figura do peculato culposo

A desclassificação do crime de extravio de armamento para a figura do peculato culposo

Olá amigos, espero que estejam bem.

Esta semana iremos abordar uma temática muito interessante relacionada a crimes militares. Trata-se da possibilidade de desclassificar eventual acusação pelo crime previsto no artigo 265 (extravio de armamento) para a conduta de peculato culposo, fato que poderá gerar tanto uma condenação a uma pena menor quanto uma eventual extinção da punibilidade, conforme adiante será informado.

Inicialmente, imperioso transcrever os artigos do Código Penal Militar, supramencionados. Vejamos:

Desaparecimento, consunção ou extravio

Art. 265. Fazer desaparecer, consumir ou extraviar combustível, armamento, munição, peças de equipamento de navio ou de aeronave ou de engenho de guerra motomecanizado:

Pena – reclusão, até três anos, se o fato não constitui crime mais grave.

Modalidades culposas

Art. 266. Se o crime dos arts. 262, 263, 264 e 265 é culposo, a pena é de detenção de seis meses a dois anos; ou, se o agente é oficial, suspensão do exercício do pôsto de um a três anos, ou reforma; se resulta lesão corporal ou morte, aplica-se também a pena cominada ao crime culposo contra a pessoa, podendo ainda, se o agente é oficial, ser imposta a pena de reforma.

Peculato

Art. 303. Apropriar-se de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse ou detenção, em razão do cargo ou comissão, ou desviá-lo em proveito próprio ou alheio:

Pena – reclusão, de três a quinze anos.

(…)

Peculato culposo

§ 3º Se o funcionário ou o militar contribui culposamente para que outrem subtraia ou desvie o dinheiro, valor ou bem, ou dele se aproprie:

Pena – detenção, de três meses a um ano.

O verbo extraviar é desencaminhar, dar destinação diversa ao objeto material do crime.

Se o militar deixou de empregar dolosamente a cautela e diligência ordinária e especial a que estava obrigado e ignorou as orientações estabelecidas pelo regimento e portarias da corporação, há de incidir a previsão no artigo 265 do CPM. 

DIREITO PENAL MILITAR. DESAPARECIMENTO DA ARMA DE FOGO DA CORPORAÇÃO. DENÚNCIA DE EXTRAVIO CULPOSO. CONDUTA DESCLASSIFICADA NA SENTENÇA PARA PECULATO CULPOSO. TIPICIDADE. Conjunto probatório que confirma o extravio culposo de arma de fogo da Polícia Militar do Distrito Federal pelo acusado, que deixou o armamento no interior do seu veículo, dando margem a que fosse subtraído por terceiro e utilizado na prática de crime. Conduta que se amolda ao tipo penal do art. 265 c/c o art. 266, ambos do Código Penal Militar, devendo ser afastada a desclassificação da conduta para aquela do peculato culposo (art. 303, § 3º, do CPM). Apelação do Ministério Público provida. (TJ-DF 00140168020168070016 DF 0014016-80.2016.8.07.0016, Relator: MARIO MACHADO, Data de Julgamento: 30/01/2020, 1ª Turma Criminal, Data de Publicação: Publicado no PJe : 06/02/2020 . Pág.: Sem Página Cadastrada.)

Por sua vez, no peculato culposo, há a participação de um terceiro que, dolosamente, subtrai o bem de que tem a posse o militar que, por negligência, contribui para sua subtração.

É de bom alvitre mencionar para alguns Tribunais e doutrinadores, eventual conflito aparente de normas entre os tipos previstos no artigo 265 c/c artigo 266 (desaparecimento, consunção ou extravio na modalidade culposa) e o artigo 303§ 3º (peculato culposo), ambos do Código Penal Militar, deve ser solucionado com a aplicação do princípio da especialidade e a subsunção da conduta em análise ao tipo penal sobre o extravio de armamento na corporação militar, tendo em vista a especialidade desse tipo em relação ao crime de peculato culposo.  

Contudo, é perfeitamente possível aplicar, a depender do caso, a desclassificação do tipo penal de extravio de arma de fogo na modalidade culposa, para peculato culposo.

O dever de cuidado imposto ao militar recomenda a adoção de todas as cautelas a fim de prevenir o descaminho da arma, seja utilizando um coldre adequado, emprego do fiel quando necessário, trazendo-a sempre junto ao corpo ou guardando-a em local seguro. Sendo certo que deixar a arma no interior do veículo, ainda que por pouco tempo, em uma rodovia movimentada, contribui para que o bem seja subtraído.

Com relação à distinção do crime de extravio com o crime de peculato culposo, ensina Enio Luiz Rosseto:

No peculato culposo, o sujeito ativo contribui culposamente para que outrem dolosamente subtraia a arma de fogo ou munição, enquanto que, no extravio culposo, o sujeito ativo desencaminha, dá destinação diversa à arma de fogo ou munição. A distinção entre os dois delitos se dá por conta de que no peculato culposo há ação dolosa de terceiro de subtrair o objeto material, que deveria estar sob a vigilância atenta do militar. Ex: comete peculato culposo, e não extravio culposo, o militar que, por negligência, deixar sua arma de fogo em local inseguro, de modo a contribuir para que terceiro dolosamente a subtraia. (Código penal militar comentado. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais).

Assim, em que pese o principio da especialidade, entendemos que sempre que o militar contribuir de fato, de forma culposa (“descuido do material bélico”), para que outra pessoa subtraia dolosamente o armamento, estaremos diante da figura do peculato culposo, e não extravio. Estas circunstâncias deixam clara a negligência do militar, que equivoca-se, por exemplo, quando decidi deixar o armamento acondicionado de forma a facilitar sobremaneira sua subtração por terceiro, ou retira-lhe da sua esfera de vigilância. 

No crime previsto no artigo 265 ou 266 do CPM não há previsão de extinção da punibilidade pela reparação do dano. Ao contrário, no caso do peculato culposo (§ 3º do art. 303 do Código Penal Militar), há a previsão legal da extinção da punibilidade ante a reparação do dano.

Extinção ou minoração da pena

§ 4º No caso do parágrafo anterior, a reparação do dano, se precede a sentença irrecorrível, extingue a punibilidade; se lhe é posterior, reduz de metade a pena imposta.

APELAÇÃO. CRIME MILITAR. CONDENAÇÃO. PECULATO CULPOSO . ART. 303, § 3º, DO CPM. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PRETENDIDA MODIFICAÇÃO PARA O TIPO DOS ARTS. 265 C/C 266 DO CPM. INVIABILIDADE. PRIMEIRA CONDUTA CONFIGURADA. REPARAÇÃO DOS DANOS. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. ADEQUAÇÃO. I – Pratica o crime do art. 303, § 3º, do CPM, o militar que, culposamente, não observa o dever de cuidado e deixa a arma de fogo da corporação, que tinha sob sua guarda e vigilância, no interior do veículo, de maneira a contribuir para que terceiro dolosamente a subtraísse. II – Comprovado que o acusado promoveu o devido ressarcimento ao Erário, a extinção da punibilidade pelo pagamento é medida que se impõe, nos termos do art. 303, § 4º, e art. 123, VI, ambos do CPM, bem como art. 439, alínea f, do CPPM. III – Recurso conhecido e desprovido. (Acórdão n.1167158, 20160110485580APR, Relator: NILSONI DE FREITAS CUSTODIO, Revisor: JESUINO RISSATO, 3ª TURMA CRIMINAL, Data de Julgamento: 25/04/2019, Publicado no DJE: 02/05/2019. Pág.: 182/191)

A defesa deve estar atenta pois a desclassificação do extravio para o crime do art. 303, § 3º (peculato culposo), do mesmo Código pode acarretar a extinção da punibilidade com fundamento no ressarcimento do dano, nos termos do art. 123, VI, c/c art. 303, § 4º, do CPM; e art. 439, alínea f, do Código de Processo Penal Militar.

É o nosso entendimento, salvo melhor juízo.


FONTES AUXILIARES

DE PAULA, Jefferson Augusto. Extravio de arma de fogo ou peculato culposo? Disponível aqui. Acesso em: 04 fev 2020.


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Jairo Lima

Advogado Criminalista e Membro do Núcleo de Advocacia Criminal. WhatsApp: (89) 9.9474 4848.

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