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A economia do crime: precisamos falar sobre Gary Becker

Por Adriane da Fonseca Pires

Em face da recorrente necessidade de se refletir sobre o fenômeno criminológico, a análise de modelos propostos para descrever o crime mostra-se imprescindível. Nos limites deste espaço de debate acerca das Ciências Criminais, farei referência, de forma sintética, à Teoria Econômica do Crime proposta por Gary S. Becker, professor da Universidade de Chicago e agraciado com Prêmio Nobel de Economia em 1992, que consistiu na aplicação de certos modelos econômicos para a explicação da criminalidade. Tal modelo, inclusive, justificou a adoção de determinadas políticas públicas de segurança, bem como de ações preventivas.

Em 1968, Becker publicou o artigo intitulado “Crime and Punishment: An Economic approach” (Crime e Punição: uma abordagem econômica, em tradução livre), publicado no Journal of Political Economy, por meio do qual fez uso do raciocínio econômico para explicar as variáveis consideradas previamente à decisão de praticar condutas penalmente ilícitas, decisão essa tomada por indivíduos racionais. A ideia central do modelo reside na ponderação realizada por esses mesmos indivíduos entre custos da prática delituosa e os benefícios esperados (expectativas de lucro). Para Cerqueira e Lobão, o entendimento de Becker pode ser sintetizado da seguinte forma:

“a decisão de cometer ou não o crime resultaria de um processo de maximização da utilidade esperada, em que o indivíduo confrontaria, de um lado, os potenciais ganhos resultantes da ação criminosa, o valor da punição e as probabilidades de detenção e aprisionamento associadas e, de outro, o custo de oportunidade de cometer crimes, traduzido pelo salário alternativo no mercado de trabalho”[1].

Assim, a partir das noções de prazer e sofrimento já encontradas em Beccaria (1738-1795), quando menciona a necessidade de “motivos suficientes para dissuadir o despótico espírito de cada homem de submergir às leis”[2] e em Bentham (1748-1832), ao defender a “maximização da utilidade”, Becker aponta que a decisão do indivíduo em relação ao crime envolve benefícios e custos. Essa concepção pressupõe um indivíduo racional, que dá prioridade ao seu interesse individual a partir do cálculo dos custos (v.g. chance de ser flagrado, condenado e de efetivamente ter que cumprir a pena), variáveis que, verificadas em conjunto com outros elementos, tais como, grandeza do aparato policial, nível de eficiência da justiça criminal, severidade das punições, possibilidade, de livramento condicional, podem desestimulá-lo à prática criminosa. Existem variáveis positivas, as quais estimulam um indivíduo a buscar uma colocação no mercado de trabalho (renda, salário, educação) e variáveis negativas (eficiência do aparato de justiça, por exemplo) que buscam dissuadi-lo da ideia de cometer crimes. O crime é, portanto, tido como uma atividade econômica como outra qualquer.

Gary Becker define seu método a partir de uma fórmula para calcular o prejuízo social decorrente da ação criminosa, ao mesmo tempo em que dimensiona os gastos a serem realizados, tanto na seara pública como privada, direcionados à redução ou minimização dessas perdas.  Se, por exemplo, o salário decorrente da manutenção de uma relação de emprego for inferior aos benefícios eventualmente auferidos com o delito, o agente optará pelo cometimento do crime, pois vale a pena se arriscar. A opção pelo risco compensará o agente. Busca-se, inclusive, a otimização da alocação dos recursos públicos direcionados à implantação de políticas de segurança pública e de prevenção. A metodologia tem o escopo de atingir a melhor e mais apropriada alocação desses recursos e promover o sancionamento direcionado à redução da perda (dano) provocada pela prática criminosa[3].

A aplicação da norma (enforcement) depende, dentre outras coisas, do custo da captura e do aprisionamento dos criminosos, da natureza das punições, sejam pecuniárias ou não, e das reações que as mesmas podem provocar nos ofensores.

Becker sustenta a otimização das punições através de penas de multa como forma eficiente de sanção e de alocação ótima de recursos para a sociedade – o valor marginal das penas tem de se igualar ao ganho privado marginal da atividade ilegal. O montante da pena de multa pode ser igual ao prejuízo marginal causado pela ofensa, dentro da lógica que o autor denomina de minimização das perdas sociais, e que compense as vítimas. O objetivo das penas é minimizar a perda social (dano). Segundo Marcelo da Silveira Campos, “a pena pode ser considerada o preço de uma ofensa; as multas são preços em unidades monetárias e a prisão são preços em unidades de tempo”[4].

A quantificação das penas varia de acordo com o dano total causado pela ofensa e, em razão disso, os criminosos devem compensar os custos que seus comportamentos causaram à sociedade de acordo com uma análise externa.

A partir disso, extrai-se que: (a) se a ofensa causar mais prejuízos externos do que ganhos ao criminoso, o dano social da ofensa pode ser reduzido por minimizado por punições altas; (b) a prisão não deve ser abolida, mas deve ser feito um bom uso dela, conhecendo-se a elasticidade da resposta dos crimes mediante as mudanças nas punições; (c) a multa seria preferível como forma de punição, pois ela pode recompensar as vítimas, maximizando a utilidade dos recursos públicos e restabelecendo as perdas econômicas da sociedade; (d) as punições afetam não apenas os criminosos, mas também outros membros da sociedade como, por exemplo, o aprisionamento requer gastos com guardas, supervisores, pessoal, prédios, comida, etc[5].

A teoria econômica do crime apresenta inúmeras limitações, dentre as quais se destacam a inegável diferença entre a percepção de cada indivíduo em relação à prática do crime, a “possibilidade de escolha” entre cometer ou não cometer um delito, além das diversas realidades pessoais, sociais e econômicas dos sujeitos. Contudo não se pode ignorar alguma possível influência desse modelo na legislação brasileira, por exemplo, ao se examinar a possibilidade de aplicação de multas altas, triplicadas no caso de o magistrado verificar que a aplicação da pena ao máximo seria ineficaz (artigo 60, § 1º, do Código Penal), além da possibilidade de se extinguir a punibilidade, nos crimes tributários, mediante o pagamento do tributo devido. São questões que fundamentam a necessidade de se conhecer o pensamento de Gary Becker. O pioneirismo de Becker na elaboração do modelo ora examinado incentivou uma maior aproximação entre Economia, Sociologia e Direito. O estudo realizado sob uma perspectiva microeconômica apresenta, como já dito, limitações próprias das ciências econômicas, cujo estudo deve ser complementado por outras áreas do saber direcionadas ao comportamento direcionado para o crime.


[1] CERQUEIRA, Daniel; LOBÃO, Waldir. Determinantes da criminalidade: arcabouços teóricos e resultados empíricos. Dados. Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 47, n.2, 2004, p. 233-269, p. 247.

[2] BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução de J. Cretella Jr. e Agnes Cretella. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996, p. 27.

[3] BECKER, Gary. S. Crime and Punishment: An Economic approach. Disponível aqui.

[4] CAMPOS, Marcelo da Silveira. Escolha Racional e Criminalidade; uma avaliação critica do modelo. Revista SJRJ, Rio de Janeiro, n. 22, 2008, p. 93-110, p. 97.

[5] Ibidem.

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Adriane da Fonseca Pires

Servidora Pública Federal (Analista Judiciário). Mestre em Ciências Criminais. Especialista em Direito Público.

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