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A escolha do malvado favorito: reconhecimento pessoal por fotografia

A escolha do malvado favorito. Apesar da analogia ilustrativa, não nos referimos aqui à animação do supervilão que pretendia roubar a lua com seu exército de ciclopes amarelos e é atrapalhado por três dóceis crianças (não é spoiler, consta no trailer).

Nos atemos ao verbo.

Sendo certo de que, nesse caso, a escolha do malvado (leia-se culpado) pode acontecer não apenas por favoritismo, mas até mesmo por uma falha cognitiva, ou seja, um recurso de defesa da mente humana de que há muito já criticava Alexandre de Moraes da Rosa e Aury Lopes Jr. tratando da dissonância cognitiva. Falaremos disso depois.

Fato é que na advocacia acompanhei um caso emblemático de um constituinte que havia sido acusado da prática de um crime patrimonial apenas com base em um reconhecimento fotográfico realizado na delegacia.

Veja-se o(a) leitor(a) que, nesse caso, o procedimento de reconhecimento de pessoas não aconteceu como descreve os filmes americanos nem como previa a lei brasileira, colocando-se vários sujeitos lado a lado em uma sala e o reconhecendo por trás de um vidro para que não possam vê-lo.

Entregaram uma espécie de álbum de fotografias (quando não o fazem pelo celular mesmo), vindo a ser apontada a imagem ofuscada do nosso cliente como sendo o autor daquele delito.

O processo caminhou e seguimos pela defesa. Durante a audiência, para a surpresa dos desavisados, a vítima relata que na delegacia apresentaram duas imagens: uma do nosso cliente e outra de uma pessoa que nunca saberemos (porque isso não consta nos autos). Vide art. 226, inciso II, do CPP:

a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la.

Ora, as chances de uma escolha errônea eram absurdas, sobretudo porque se tratava de um homem da pele escura, o arquétipo eleito do como ideal de criminoso. E se a segunda imagem fosse de uma pessoa totalmente diferente da do nosso cliente? E se ele disputasse sua inocência contra um herói?

Nem tudo aqui é ironia. Creio que o(a) leitor(a), assim como eu, por ser brasileiro está habituado ao descaso, mas sejamos (im)pacientes: a coisa pode piorar.

Muito recentemente a comunidade jurídica foi surpreendida com a notícia de que a Policia Civil do estado do Ceará colocou a fotografia de Michel B. Jordan, conhecido ator norte-americano, no rol de imagens para reconhecimento quando investigava a ocorrência de, pelo menos, cinco homicídios.

Dentre as três imagens que constava no Termo de Reconhecimento Fotográfico da PC/CE uma era a do ator. Ou seja, dois contra o ‘Pantera Negra’.

E se o reconhecedor apontasse o herói americano como autor, haveria a desclassificação para vilão? Não saberemos.

Finalmente, para quem chegou até aqui, no caso a que citamos no início do texto o cidadão foi absolvido em primeira instância.

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