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A [evidente] necessidade policial em acessar dados cadastrais e telemáticos de forma célere

Diante a dicotomia entre a proteção e o acesso aos dados, faz-se necessária a discussão hodierna a respeito do acesso aos dados por parte de policiais, principalmente em situações de urgência e proteção de direitos fundamentais.

Com o crescente aumento de acesso a dados, importante relembrar a diferenciação entre dados e comunicações, diferenciando-se, dessa forma, a quebra do sigilo de dados e comunicações, da quebra de interceptação. No primeiro caso, o objetivo é afastar a privacidade no acesso a dados e informações já armazenadas no aparelho, tanto de forma física, como virtual. Na segunda hipótese, a intenção são as comunicações em si, que ocorrem no presente e ocorrerá futuramente, objetivando o acompanhamento das comunicações e conversas instantaneamente.

Em suma, a quebra de sigilo de dados e comunicações tem o propósito de alcançar o acesso às informações e documentos armazenados (passado), enquanto a interceptação telefônica ou telemática busca acompanhar o fluxo das comunicações presentes e futuras.

A quebra de dados telemáticos é uma preocupação crescente em nosso mundo cada vez mais conectado. Com o aumento da quantidade de dispositivos conectados à Internet, a quantidade de dados gerados e compartilhados aumenta, enquanto a proteção inicial trazida pela Constituição Federal de 1988 permanece intacta. Visualiza-se uma relação conflitante entre a possibilidade de escape de forma ilesa no cometimento de crimes, diante a necessidade social de proteção aos dados, com relação à necessidade de resolução dos crimes por parte da polícia investigativa.

Nessa perspectiva, a investigação de crimes cibernéticos, incluindo a quebra de dados telemáticos, é uma tarefa complexa e desafiadora para as autoridades policiais. Esses crimes geralmente envolvem o uso de tecnologia sofisticada e técnicas de hacking, o que torna desafiadora a identificação dos responsáveis.
No entanto, as autoridades policiais têm recursos e técnicas à sua disposição para investigar crimes cibernéticos, incluindo a quebra de dados telemáticos. Esses recursos deve(ria)m incluir equipes especializadas em crimes cibernéticos, ferramentas de análise forense digital e cooperação nacional e internacional com outras autoridades policiais.

Ocorre que, visualizando-se um cenário onde há um aumento de possibilidades de cometimento de crime, somada à facilidade de utilização anônima nas redes, deve ser considerada sobremaneira a importância no acesso policial na obtenção de dados, inclusive os telemáticos de forma mais assertiva e capaz aos policiais.

Sob a perspectiva legislativa, enquanto a quebra do sigilo do “fluxo de comunicações pela internet” é feita mediante “ordem judicial, na forma da lei”, conforme previsto na Lei 9.296/96, o das “comunicações privadas armazenadas” se dá apenas por ordem judicial, sem qualquer remissão a outra lei e à reserva de jurisdição penal.

O avanço tecnológico permitiu que a troca de mensagens fosse realizada de forma instantânea gerando, inicialmente, conflito jurisprudencial a respeito do tema. Da mesma forma, a interpretação progressista do STJ permitiu a equiparação de mensagens de texto e conversas via aplicativo Whatsapp a comunicações telefônicas, como a prevista na Lei nº 9.296/1996, ou seja, sendo exigida a ordem judicial para acesso, sob pena de nulidade.

O Ministro relator do Superior Tribunal de Justiça manifestou-se:

Nas conversas mantidas pelo programa whatsapp, que é forma de comunicação escrita, imediata, entre interlocutores, tem-se efetiva interceptação inautorizada de comunicações. É situação similar às conversas mantidas por e-mail, onde para o acesso tem-se igualmente exigido a prévia ordem judicial. (…). Atualmente, o celular deixou de ser apenas um instrumento de conversação pela voz à longa distância, permitindo, diante do avanço tecnológico, o acesso de múltiplas funções, incluindo, no caso, a verificação da correspondência eletrônica, de mensagens e de outros aplicativos que possibilitam a comunicação por meio de troca de dados de forma similar à telefonia convencional. (HC 51.531 – RO (2014/0232367-7)).

Cita-se, também como respaldo para as investigações policiais, a decisão do STJ que traz a conclusão de que para obter o acesso a dados telemáticos, não é necessário a delimitação temporal para fins de investigações criminais (HC 587.732-RJ).

Por outro lado, em recente decisão, a 6ª Turma do STJ relativizou os requisitos para acesso aos dados telemáticos na hipótese em que há a clara necessidade de acesso aos dados para verificação de materialidade do crime, tornando-se prescindível a autorização judicial para o acesso aos dados, vejamos:

PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. ART. 241-A DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. NULIDADE. AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA O ACESSO A DADOS. INEXISTÊNCIA. PRESCINDIBILIDADE NA HIPÓTESE. 1. A proteção aos dados privativos constantes de dispositivos eletrônicos, como smartphones e tablets, encontra guarida constitucional, importando a prévia e expressa autorização judicial motivada para sua mitigação. 2. O entendimento prevalecente nesta Corte e no Supremo Tribunal Federal é o de que são ilícitas as provas obtidas de aparelhos celulares sem prévia e devida autorização, seja judicial seja do réu, ressalvados os casos excepcionais. 3. No entanto, deve ser realizado um discrímen nos casos em que a materialidade delitiva está incorporada na própria coisa. É dizer, quando se tratar do próprio corpo de delito, ou seja, quando a própria materialidade do crime se encontrar plasmada em fotografias que são armazenadas naquele aparelho, como na espécie, a autorização judicial não será imprescindível. 4. Recurso desprovido. (RHC 108.262/MS, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 05/09/2019, DJe 09/12/2019)

Visualiza-se entendimento harmônico na decisão do STJ que a ordem judicial concessiva da quebra dos dados telemáticos possa ser posterior ao próprio acesso direto pela polícia, podendo a licitude ser reconhecida posteriormente, conforme Reclamação 36.734/SP (2018/0285479-8).

Diante disso, pode-se defender a tese de que a autoridade policial poderá ter acesso aos dados telemáticos imediatamente nos casos em que a própria materialidade do crime esteja presente no aparelho, haja vista a incongruência em representar por quebra de dados telemáticos diante a situação flagrancial evidente.

Demonstrando ainda mais a necessidade de acesso imediato por parte da polícia, destaca-se que o aplicativo WhatsApp possui um mecanismo, “modo temporário”, que permite a exclusão das mensagens trocadas após o período de 24 horas do envio. Portanto, é perceptível que há comprometimento dos elementos materiais e, até mesmo, de autoria dos crimes, simplesmente em razão da ausência de autorização judicial prévia.

Inclusive, em decisão ainda deste mês, o STJ (AREsp 2257960) validou prova obtida por espelhamento do WhatsApp Web, demonstrando a necessidade de interpretação progressista com relação a necessidade de preservação de provas e investigação policial. O Ministro relator, Reynaldo Soares da Fonseca, ressaltou que a técnica investigativa policial é possível, desde que respeitados os parâmetros de proporcionalidade, subsidiariedade, controle judicial e legalidade, calcado pelo competente mandado judicial, como ocorrido na hipótese presente. Acrescentou, ainda:

A chancela jurídica, portanto, possibilita o monitoramento legítimo, inclusive via espelhamento do software WhatsApp Web, outorgando funcionalidade à persecução virtual, de inestimável valia no mundo atual. A prova assim obtida, via controle judicial, não se denota viciada, não inquinando as provas derivadas, afastando-se a teoria do fruits of the poisounous tree na hipótese. O relator complementou, ainda, que a lei de interceptação, somada com a lei das organizações criminosas, “outorga legitimidade (legalidade) e dita o rito (regra procedimental), a mencionado espelhamento, em interpretação progressiva, em conformidade com a realidade atual, para adequar a norma à evolução tecnológica.

Dessa forma, ainda que perceptível a progressão no entendimento jurisprudencial a respeito do tema, ainda há evidente necessidade de evolução na proteção e respaldo nas investigações policiais, principalmente diante a imprescindibilidade no acesso imediato às informações, assim como na desburocratização brasileira investigativa.

Há que se ter em conta a complexidade da investigação cibernética e seu tempo mais prolongado, sendo premente a definição de prazos [normativos] específicos, não só para a conclusão da investigação, mas para o tempo de resposta de provedores (de aplicação e de conexão), sob pena de insegurança e incerteza no resultado das investigações cibernéticas.

Rafaela Lobato1
Emerson Wendt2

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