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A função do Direito Penal no combate ao terrorismo


Por Fábio da Silva Bozza


Nesta quarta-feira, 24 de fevereiro, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei n. 2.016-F, de 2015, que tipifica o crime de terrorismo, e trata de disposições investigatórias e processuais, e reformula o conceito de organização terrorista. Com isso, regulamenta o art. 5º, XLIII, da CR.

No artigo 2º do PL, o terrorismo é tipificado como a prática, por um ou mais indivíduos, dos atos previstos nos incisos I a V do parágrafo primeiro de referido artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública. A pena prevista é de 12 a 30 anos de reclusão.

Outras condutas são tipificadas nos artigos subsequentes, sendo importante destacar o art. 5º, que prevê a punibilidade de atos preparatórios de terrorismo, nos seguintes termos:

Art. 5º. Realizar atos preparatórios de terrorismo com o propósito inequívoco de consumar tal delito:

Pena – a correspondente ao delito consumado, diminuída de um quarto até a metade.

Com pouca dúvida, deve-se reconhecer que o Estado de Direito deve se defender de massivas agressões à autonomia de seus cidadãos e cidadãs, fazendo uso de instrumentos que façam parte do próprio Estado de Direito. Ao utilizar meios que extrapolem o âmbito do Direito verifica-se a destruição daquilo que se quer proteger (ALBRECHT, 2010, 578).

No entanto, o Projeto de Lei em análise, com evidentes violações a princípios de direito penal conquistados na construção de uma civilização (taxatividade, ofensividade, proporcionalidade), utiliza a antiga falácia de colocar a dignidade humana como objeto de proteção penal, com o fim de legitimar a expansão do poder punitivo.

Evidentemente, trata-se de uma contradição em termos: se a Constituição da República apresenta como fundamento da ordem jurídica a dignidade humana (art. 1º, III, da CR), entendida como atributo de todo ser humano, isso quer dizer que não pode o ordenamento jurídico utilizá-lo como instrumento para qualquer fim, pois o ser humano deve ser entendido como um fim em si mesmo, e não como instrumento para atingir fins políticos estatais. Nesse contexto, é inadmissível que as liberdades individuais sejam instrumentalizadas para o fim de proteção da segurança. Segurança só pode ser das liberdades.

Por isso é necessário olhar para além da aparência dos objetivos declarados pela lei penal. Como instrumento de controle da fidelidade da população, o poder instituído sempre fez uso de legislações penais de emergência para manter sua força. Momentos de instabilidade política e econômica e, consequentemente, de ilegitimidade do poder político exigem a utilização do direito penal. Nenhuma novidade. Para conter o avanço dos ideais socialistas no Brasil, Lei de Segurança Nacional; para conter o “excesso humano” (gente que não produz e não consome) produzido pela lógica capitalista, especialmente em sua forma neoliberal, legislação dedicada à guerra às drogas. E agora, para conter a articulação de movimentos sociais, Lei Antiterrorismo.

O fato de o artigo 2º, parágrafo 2º, do Projeto de Lei afirmar que a criminalização do terrorismo não se estende aos movimentos sociais é mero engodo: a introdução de elementos subjetivos do injusto, como “direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios, visando a contestar, criticar, protestar ou apoiar, com o objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais”, apenas serve para remeter ao judiciário a definição de quem é terrorista ou não. Assim como ocorre no crime de furto, na prática judicial, a presunção é sempre de que o autor do fato possuía a intenção de se apropriar da coisa subtraída. E isso é extremamente perigoso em tempos em que o legislativo ganha o judiciário como um grande aliado à sua prática populista em matéria penal (veja-se o que o STF fez com a presunção de inocência).

Para criminalizar os movimentos sociais bastará reconhecer que o objetivo das manifestações é a de “provocar terror social ou generalizado”, elemento subjetivo do injusto exigido pelo art. 2º, caput, do Projeto. Assim, a chance de qualquer mudança estrutural na política brasileira, com a utilização de meios apropriados ao modelo de Estado de Direito, estará destruída.

O que o poder instituído não percebe é que, caso a lei seja sancionada e entre em vigor, estaremos construindo o terrorismo no Brasil, algo que nunca existiu. Ao atribuir o rótulo de terrorista aos movimentos sociais, ao afastá-los da proteção jurídica típica do Estado de Direito, não haverá motivo para os manifestantes respeitarem os limites jurídicos das manifestações sociais. Estão criando aquilo que não existia. O tiro pode acertar o próprio pé.

Como o problema do terrorismo é político, e não jurídico, o Direito Penal nada tem a contribuir para controlar referido fenômeno social. Assim, na guerra ao terrorismo, caberá ao Direito Penal controlar o poder punitivo, que apresenta o excesso nas reações políticas como uma de suas principais características. Nesse contexto, função do Direito Penal é proteger o Estado de Direito contra a política penal de emergência.

Resta um apelo aos atores jurídicos envolvidos na política criminal contra o terror: a proteção do Estado Democrático de Direito somente é possível por meio das regras e princípios do Estado de Direito. Mais que isso é terrorismo de Estado.


REFERÊNCIAS

ALBRECHT, Peter-Alexis. Criminologia. Uma fundamentação para o Direito Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

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