Por Jean de Menezes Severo e Everton Leffa
Vivemos um tempo em que as relações dos indivíduos são marcadas pela velocidade com que acontecem. A aceleração cada vez mais acentuada dessas relações por vezes causa alguns distúrbios e não, obstante, às vezes esses distúrbios caracterizam a violação de um direito. Assim, para que não se tenha maiores problemas, é necessária a regulamentação em norma positivada de todo e qualquer ato que possa violar direito, com a respectiva reprimenda e reparação de eventual dano (sempre que possível).
Um grande problema que ameaça afetar a efetividade e eficiência dos procedimentos judiciais, especialmente quando se trata de Direito Penal, é o clamor social. A sociedade não aceita o fato delituoso ocorrido (muitas vezes de potencial ínfimo) e vê no processo penal uma ferramenta para simplesmente encarcerar o próximo a todo custo, atendendo, assim, ao anseio social.
Nesse cenário, é fácil se entender as ferozes críticas contra a progressão de regime, cujo ideal é digno, embora sua execução seja uma temeridade. Não existe uma finalidade absoluta da pena, seja ela ressocializante ou que busque isolar o indivíduo infrator, ainda que a primeira seja a mais notória. Assim, espera-se que o apenado se torne um cidadão mais ciente de suas responsabilidades conforme vá ganhando o direito de se reintegrar à sociedade da qual se excluiu (e não foi excluído). Essa caminhada é por etapas e se chama progressão penal: do regime fechado passa-se ao semiaberto e depois ao aberto, respectivamente.
Pois bem, em qualquer caso onde o condenado beneficiado com a progressão, conversão da PPL em PRD, livramento condicional etc., descumprir as condições a ele impostas no momento da concessão do benefício, teremos então a regressão penal. A regressão, ao contrário da progressão, não considera a ordem dos regimes, ou seja, cometido falta grave que enseje a regressão do apenado ao sistema carcerário este poderá, se em regime aberto, voltar diretamente ao fechado.
O bandido já teve sua chance e não a aproveitou! Ele que pague, pois mereceu a pena que cumpre. A sociedade não quer ajudar aquele que errou, mas sim curar a doença social mediante sua extirpação.
Felizmente, nossa legislação penal, assim como o Poder Judiciário, ainda de forma discreta, tem atuado de modo oposto a essa sanha punitivista, respeitando-se os direitos fundamentais do preso durante sua execução penal, cuja natureza jurídica ainda é um imbróglio: procedimento administrativo ou jurídico? Independentemente, há de se observar as regras básicas. E é dessa tensão que veio a crescer a importância da audiência de justificação.
O papel do preso “modelo” é cumprir com sua pena, obedecer aos agentes carcerários e ser um bom colega de cela, sem perturbar e não brigar com ninguém. O descumprimento dessas regras é caracterizado como uma falta grave, ensejando punições ao preso “mal-comportado”, cuja graduação e sanções variam. No entanto, nem toda falta grave é um sinal de rebeldia contra o “sistema”, como anteriormente exposto. A audiência de justificação é então, a citação do apenado em liberdade para, junto de seu defensor, dar explicações da falta grave a qual lhe é imposta.
Destacamos aqui a importância de tal audiência, pois nela o apenado poderá explicar o fato ocorrido que, talvez, tenha fugido de seu controle ou não desse a ele a possibilidade de agir de forma diversa.
Ressalte-se, portanto, a importância da audiência de justificação.
Vamos, então, passar da realidade utópica da LEP e passar para a cruel realidade do “sistema” carcerário formado por pessoas e prisões.
Atualmente, o Brasil ocupa a terceira posição mundial no ranking de encarceramento humano em presídios. O “sistema” carcerário não dispõe de estrutura física nem mesmo humana para abrigar e controlar essa massa prisional que só cresce de maneira alarmante. O Estado perdeu os controles das penitenciárias há muito tempo para as facções criminosas, nas figuras de “plantões e prefeituras” no interior das galerias, tanto no regime fechado e semiaberto.
No entanto, um problema grave foi gerado pelo Estado ao entregar esse poder às facções, principalmente quando o apenado progride de regime. O preso passa do regime fechado para o semiaberto, porém, se o apenado não fizer parte de determinada facção criminosa que comanda aquela casa prisional, ele é obrigado a fugir, pois corre real risco de morte, o que configura uma falta grave e que irá prejudicar sua situação carcerária. Dessa forma, resta demonstrada a necessidade da audiência de justificativa que oferece ao preso oportunidade de relatar, frente a frente para o magistrado, o que o levou a fugir da casa prisional.
A incompatibilidade de massa carcerária é comum nos presídios gaúchos. As facções criminosas não se misturam; não se aturam e a maneira encontrada por esses grupos para solucionar seus conflitos de interesses é a violência, a morte cruel e que já está banalizada nas dependências do “sistema”. Os juízes das varas de execuções criminais têm que fazer um tremendo esforço para acomodar todas essas situações e que, como é óbvio, não é nada fácil.
Essa é uma situação absolutamente comum em grande parte das cadeias brasileiras. O Estado faz sua parte punindo o desviado e quer que ele seja um bom preso, mas sem lhe dar as mínimas condições para isso. Enquanto isso, nas galerias das “selvas de pedra”, a lei é outra. Não existe LEP e afins, mas sim a lei da sobrevivência, pois a vida é o único bem que sobrou ao preso. Não é “matar ou morrer”, mas sim “morrer ou fugir”, pois ninguém é mais forte que o “sistema”.
Essa, leitores, é uma das principais, senão, creio eu, a principal finalidade da audiência de justificação. De todas as ações tidas como falta grave, uma das mais recorrentes no cenário forense é a fuga por medo de morrer.
Muitos são a favor de que “bandido bom é bandido morto”, até que um parente seu ingresse no sistema e implore para que o juiz da vara de execuções atenda ao seu pedido de clemência. Essa é a audiência de justificação.