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A importância da instituição familiar no combate à criminalidade


Por Jean de Menezes Severo e Daniella Luana Britto Caran


Fala moçada! Quinta-feira chegou. Coluna no ar e que hoje foi escrita em parceria com minha dileta aluna de Direito da Facos, Daniella Luana Brito Caran. Os méritos desta coluna são todos dela. Fazemos neste texto uma abordagem sobre a importância da família na construção de um ser humano sadio, apto a viver em sociedade e ser feliz.

Eu não sei quais os fatores que fazem alguém delinquir (com relação aos crimes comuns, como roubo/furto, homicídio, pois os de colarinho branco são outra história…). Sempre me fiz esta pergunta, no entanto, eu tenho absoluta certeza que um lar “doente” é um ponto de partida para que tenhamos um indivíduo problemático e que muitas vezes cai na criminalidade, mas não por ser alguém pérfido e sim porque nenhuma oportunidade lhe foi dada, seja pela família ou pelo Estado.

Ele aprendeu a ser humilhado desde criança, vivendo de sobras à margem da sociedade. Conheceu ainda criança a fome e o frio e na maioria das vezes, a violência familiar. Não tem bons exemplos a seguir e não conhece quaisquer espécies de valores. Essa criança vai crescer e que tipo de adulto vai se tornar? Não sabemos. Cada ser humano é um mundo e uma bomba-relógio pode ter sido armada. Para algumas pessoas, matar ou morrer são sinônimos, porque, diante da ausência de outro sentido em sua vida, ele acabou conhecendo a dor e alguém vai pagar esta conta e que pode ser paga justamente por uma família que fez tudo de melhor para seus filhos, afinal de contas, vivemos em “sociedade” e nossos caminhos vão se cruzar diariamente. Tempos difíceis, famílias destruídas, finais de semanas trágicos… Será que precisava ser assim?

Conforme se extrai do artigo 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, a infância compreende o período de vida que vai desde o nascimento da até seus 12 anos incompletos e a adolescência dos 12 aos 18 anos de idade. É neste período da vida que o indivíduo acumulará vivências e competências que lhe servirão de base na construção da sua identidade e estruturação de sua personalidade.

Os aspectos psicológicos do desenvolvimento da personalidade – objeto do presente estudo – com presença ou não de transtornos do comportamento e a correlação com as carências, negligências, violências e abusos sofridos na infância, que prejudicam o “funcionamento” saudável do indivíduo, necessitam de especial atenção da sociedade como um todo.

Durante a infância, a criança terá necessidades centrais a serem atendidas para o seu desenvolvimento psicossocial saudável e que estão relacionadas a afeto e estímulos. Quando tais necessidades não são supridas durante a infância ou adolescência – período de desenvolvimento físico e emocional – o indivíduo poderá a desenvolver processos desadaptativos, culminando em transtornos emocionais e ou comportamentais, que podem vir a ser elaborados durante toda a vida da pessoa.

Consiste, portanto, em uma repetição crônica de padrões negativos oriundos da infância/adolescência na vida adulta.

Neste contexto, evidencia-se a importância da família como instituição primária e natural, de papel central na socialização do indivíduo, uma vez que é dentro de seu núcleo familiar que a criança em processo de formação encontrará condições para seu desenvolvimento, aprendendo com os pais valores sociais e culturais para a vida em sociedade.

A importância da instituição familiar encontra-se consagrada na Constituição Federal que dispõe em seu artigo 226:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

[…] §8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.

Observa-se que a Constituição buscou de maneira expressa promover a coibição da violência dentro do ambiente familiar. Essa preocupação decorre das graves consequências causadas pela exposição à violência, seja ela física e/ou emocional. As agressões sofridas por crianças e adolescentes deixam marcas profundas que transcendem a dor física. A criança que convive com a violência dentro de seu lar – lugar que deveria ser de proteção e amor – costuma experimentar sentimento de injustiça, raiva, rejeição, indiferença, ausência de empatia ou de remorso com o próximo, decorrentes da falta de vínculos afetivos com os pais, restando prejudicada em sua capacidade de constituir relações afetivas com os de fora, podendo passar da posição de vítima à de algoz.

A família, como instituição primária da sociedade, tem o papel principal no processo de socialização do indivíduo, transmitindo valores através de afeto e limites realistas. De forma secundária, o meio em que essa família vive (localidade, bairro, escola e companhias) também influenciará na formação deste indivíduo, bem como fatores biológicos transmitidos geneticamente e o grau de resiliência inerentes a cada ser humano. Uma família que falha ao desenvolver suas funções parentais prejudica gravemente o desenvolvimento psicossocial do indivíduo e é neste contexto que nasce a criminalidade juvenil.

Famílias disfuncionais podem existir em qualquer classe social, porém, é algo marcante entre as classes mais baixas a presença da delinquência juvenil, estando associada a fatores como pobreza, baixo nível de educação, abandono infantil e desestrutura familiar em geral. Há um liame estreito entre o ambiente familiar em que o indivíduo se desenvolve e a ocorrência de comportamentos desviantes.

A infância e a adolescência são fases de desenvolvimento onde o indivíduo ainda em processo de formação é vulnerável a estímulos e influências e necessita de resguardo, orientação e proteção. A adolescência em especial é uma fase difícil, marcada por conflitos internos e externos, podendo ser considerada um divisor de águas na formação de um ser humano, onde em sua busca por identidade, os jovens acabam expostos a comportamentos de risco. Jorge TRINDADE (2010) explana sobre o assunto:

Essa fase de turbulências ainda é marcada por uma sociedade excludente, a qual trata crianças e adolescentes desprivilegiados como seres invisíveis, ou, pior, taxa inocentes como criminosos, como perigosos. A sociedade fabrica seus próprios delinquentes, e depois cria instituições para tomar conta deles, num movimento maniqueísta que ressalta as diferenças entre os bons e os maus, entre os de fora e os de dentro, entre os normais e os doentes.

A segregação social que divide o país e a sociedade contribui para este quadro de transgressão infanto-juvenil. As crianças e adolescentes excluídos e rotulados por sua classe social veem no crime uma oportunidade de realização, de adquirir respeito e dignidade. É uma forma de fazer a sociedade que a excluiu olhar para ela com outros olhos.

A responsabilidade do adolescente por sua conduta e desvios cometidos na vida em sociedade representa, na atualidade, um ponto sensível de polêmica e até mesmo discórdia, dividindo opiniões acerca da capacidade de discernimento e responsabilidade destes por seus atos. Esse embate demostra a necessidade de estudo acerca do processo de socialização da criança e do adolescente bem como da urgente necessidade de se efetivar a proteção integral prevista em nosso ordenamento no Estatuto da Criança e do Adolescente e da própria Constituição Federal, para que o Estado não tenha que acabar punindo esse jovem que hoje está falhando em proteger.


REFERÊNCIAS

TRINDADE, Jorge. Manual de Psicologia Jurídica para Operadores do Direito. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.

JeanSevero

Jean Severo

Mestre em Ciências Criminais. Professor de Direito. Advogado.

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