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A ineficácia da intervenção penal na violência contra a mulher

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Por Ana Carolina de Sá Juzo


Maioria em todas as sociedades, a cultura patriarcal sempre causou desastrosas desigualdades em todos os continentes e países.

Em nosso país não é diferente. Carregamos estigmas e segregações passadas que claramente perduram até hoje. E embora no século anterior algumas conquistas tenham sido alcançadas pelas mulheres, como a autonomia em alguns comportamentos antes inaceitáveis, espaços no mercado de trabalho, certas profissões ocupadas, etc., tudo ocorreu de forma bem parcial e limitada.

Isso porque, não é hora de dizermos (e talvez estejamos longe) que a sociedade machista e patriarcal foi superada, muito menos afirmarmos que a mulher conseguiu uma igualdade plena em qualquer âmbito analisado.

A diferença salarial, a objetificação, a secundarização da mulher, a falta de representação na vida acadêmica, a dificuldade em manter-se em alguns cargos profissionais e a falta de mulheres na política são algumas amostras de que ainda há muita luta pela frente. Ressalva-se, ainda, que analisando o cenário político atual, a marca dessa sociedade tem ilustrado muito bem o ambiente político ideal para a manutenção e manifestação do machismo e dos costumes patriarcais.

Essa exclusão, sem dúvidas, é um reflexo da concreta hierarquia entre gêneros. Hierarquia esta a qual também dá ao homem um perigoso poder sobre o ser considerado por ele como o outro, como o inferior. E nesse contexto, uma das causas da violência de gênero advém justamente dessa ideia de poder, de autoridade e superioridade.

Tomando a constante violência física por base, e tendo como exemplo o caso de agressão sofrida por Maria da Penha, na tentativa de responder o problema de alguma forma imediata, fora criada a Lei 11.340/2006. Tal legislação tem por escopo a proteção da mulher, a prevenção da violência, a educação e a punição do agressor. Contudo, embora todas essas disposições estejam declaradas, a única que realmente funciona é a punitiva. Não há espaço para o enfrentamento do problema, muito menos para a educação e prevenção, porem, por outro lado, prende-se e pune-se efetivamente.

Assim, resta indagarmos, se ante um problema histórico e sistêmico, o poder punitivo seria mesmo a solução mágica para a questão, a punição apagaria da historia toda a desigualdade econômica, social e política? Apagaria a própria violência e todas as suas formas? A resposta é evidente.

Contudo, há quem diga que sim! E acreditam ser o suficiente. Comemoram contraditoriamente a lei, e no anseio pela punição passam a ignorar e ferir os próprios princípios constitucionais, garantias democráticas e fundamentais que já deveriam acolher todas as cidadãs e cidadãos.

Algumas contradições existentes podem ser vistas na própria forma de execução da pena, a Lei 11.340/2006 entra em confronto com a lei 9.099/95. E além de criar uma regra de punição independente, fere o Princípio da Isonomia ao passo em que o tratamento para quem comete o mesmo desvio penal deveria ser aplicado igualmente a todos. A aplicação da pena no Brasil já é algo perigosamente seletivo, e nessa perspectiva, a lei em questão acaba por acentuar a seletividade.

Outra medida bastante intervencionista feita pela Lei 11.340/2006 é no que tange à convivência familiar, um direito garantidor da criança e do adolescente previsto na Constituição Federal. O qual é excluído em detrimento das medidas cautelares. Fere-se uma garantia fundamental motivando-se na aplicação de uma sanção que se quer é definitiva. E assim se cria também novas hipóteses de prisões preventivas.

Além disso, no tocante à mulher, a legislação que se propõe a protegê-la, não se conteve ao colocá-la em posição de inferioridade. A renúncia, por exemplo, só será aceita depois de ouvido a/o representante do Ministério Público e após a homologação judicial que designe e acolha o pedido da vítima. É como se, além de considerá-la inferior, o Estado tomasse para si a decisão, escolhesse por ela e pelos filhos, já que ela foi amparada por uma lei exclusiva e “protetora”.

Mas a maior inquietação é que, embora paradoxal e contraditória em alguns dispositivos, a Lei 11.340/2006 não cumpre e nem se preocupa com a aplicação de suas metas educativas e preventivas expostas.

A criação de delegacias, juizados de violência e policiamento ocorrera de maneira rápida, enquanto que as medidas educativas e preventivas continuam apenas no papel. Não houve a criação de cursos significativos sobre igualdade de gênero, sequer medidas simples e cotidianas no combate às pequenas (grandes) práticas machistas. Afinal, a punição é sempre a saída mais conveniente e imediata.

Porém, embora rápido, o caminho da intervenção penal é mais nocivo do que podemos imaginar. Como elucida a respeitada juíza e escritora, Maria Lucia Karam:

“O rompimento com tendências criminalizadoras, sejam as sustentadas sob um discurso de lei e ordem, sejam as apresentadas sob uma ótica progressista, é parte indispensável do compromisso com a superação das relações de desigualdade, dominação e exclusão”.

Logo, a luta do enfrentamento da desigualdade de gênero se dará por meio de uma sociedade justa e educada igualitariamente. A problemática histórica não se resolverá por meio de uma perversa intervenção realizada pelo nosso sistema penal, que, além de seletivo, é garantidor da manutenção de violências.

AnaJuzo

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