A insana prática da prisão preventiva

Por Tiago Oliveira de Castilhos

 […] Eu vi o tempo passar e pouca coisa mudar

Então tomei um caminho diferente

Tanta gente equivocada faz mau uso da palavra

Falam, falam o tempo todo, mas não tem nada a dizer […].[1]

A longa data, nós profissionais das Ciências Criminais que por forja temos cunho mais humanitário em nossa formação jurídica denunciamos a prática insana que se perpetua ao longo da práxis forense de primeiro encarcerar alguém para depois investigar e ver se realmente é culpado pelo que lhe foi imputado.

Não foi por acaso que o Ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio denunciou dizendo que a prática do aprisionamento preventivo virou a regra o que era para ser exceção.[2] Iria mais longe para dizer que não é de agora que esta prática é presente em nossas comunidade forense. Estamos em um grande momento do encarceramento.

Só alcançamos o terceiro lugar no ranking de países que mais encarceram no mundo justamente por que somos um pais das práticas jurídicas em prol do encarceramento.[3] No entanto, em que pese tais práticas que levaram o país a ocupar a referida posição em encarceramentos, a difundida na grande mídia e no boca a boca da população a fala de que somos o país da impunidade.

Nos últimos anos vimos um fenômeno ocorrer no Brasil no que diz respeito a “profissões”, sendo que na época de Copa do Mundo nós possuímos 200 milhões de técnicos de futebol da Seleção Brasileira e quando não há o referido evento, ou seja, o resto dos 4 (quatro) anos migram estes 200 milhões de técnicos de futebol para a “profissão de criminólogos” ou “penalistas”. E esse fenômeno incomoda aqueles que dedicam suas vidas aos estudos sobre criminologia, direito penal e processo penal. Aqueles “criminólogos de buteco” incomodam por que transmitem para todo o seu núcleo social o alarma e por conta disso, vinculam-se a políticos “salvadores da pátria” que prometem erradicar o crime, a criminalidade, a patuléia que comete crime, tocando todos eles nos calabouços e consumindo com a chave.

Como diz a música que abre este trabalho “eu vi o tempo passar e pouca coisa mudar” tendo em vista que as práticas, no que diz respeito ao aumento de tipos penais e o aumento do encarceramento cautelar,[4] demonstram pouca coisa mudar para melhor, mas sim para pior, posto que nos últimos 12 (doze) anos de governo teoricamente de esquerda tivemos quase a duplicação do número de presos no sistema prisional.[5] 

Necessitamos urgentemente de uma (re)leitura sobre a aplicação da prisão, principalmente sobre o gênero “prisão cautelar”, Art. 282 e seguintes do Código de Processo Penal – CPP, e principalmente sobre a espécie de “prisão preventiva”, Art. 311 e seguintes do CPP, como antes dito da aplicação da prisão preventiva como preferência pátria.

Seguindo a obra prima que abre estes estudo “Então tomei um caminho diferente. Tanta gente equivocada faz mau uso da palavra. Falam, falam o tempo todo, mas não tem nada a dizer” e por isso nos insurgimos a tais práticas de encarceramento e de cultura da punição antes da pena e por tal feita denunciamos, sempre que nos dão a palavra, que as práticas forenses do encarceramento demonstram uma insanidade daqueles que detém o poder e os praticam de forma débil de que com a prisão se resolve todos os problemas de nossa nação, quando na verdade criamos um novo problema.

Imaginemos o entendimento tosco daqueles que defendem a prisão como solução para a criminalidade, ainda mais nossas prisões que demonstram dia a dia a selvageria total a qual as pessoas que são lançadas lá se submetem. Para não ficar na divagação, vejamos o  exemplo ocorrido no Presídio de São Luiz do Maranhão, famoso pelas imagens e cenas de selvageria a 2 (dois) anos atrás, deixemos de lado a masmorra do Presídio Central de Porto Alegre para não me intitularem “bairrista”.

A falência da prisão é escancarada e veio à tona por conta das redes sociais, tendo em vista que presos no interior da casa prisional publicaram imagens daquilo que a grande mídia por óbvio não mostra, como, por exemplo, execuções realizadas no interior da casa prisional pelos próprios presos. Isso foi deflagrado pela reportagem de Heloísa Aruth Sturm, que foi publicada pelo jornal Zero Hora, no site Clic RBS, em 16 de janeiro de 2014, sendo que a situação é a mesma ou muito próxima em todas as casas prisionais no país a fora. [6]

A reportagem denunciou a presença de agentes penitenciários desqualificados e por conta disso sem preparo algum para lidar com as peculiaridade inerentes a sua função, a presença da corrupção policial e do ingressos de armas, drogas e telefones naquela realidade nada diferente das demais. Pela informação colida na entrevista de um policial que adentrou no interior da referida penitenciária para realizar a revista no interior da casa, constatou ele a presença de corpos mutilados, dizendo o policial em sua entrevista: “[…]. Eles diziam que iriam matar os da facção contrária, mas matavam os que tinham sequer facção, eram presos temporários que nem deveriam estar ali. […]”[7]. Por tal feita identifico com prática insana a determinação sem motivo, ou sem análise mais acurada do encarceramento preventivo por que não é a solução do problema o encarceramento, mas sim o respeito a liberdade, a cidadania e o amplo contraditório, para só ao final optar-se quando não houver outra alternativa ao aprisionamento.

Demonstra-se com o trabalho a pobreza “jurídico-cultural” impregnada em nosso proceder jurídico, qual seja, a de primeiro aprisionar o acusado de uma fato ilícito para só depois processá-lo e investigá-lo. Sair do devaneio acadêmico sempre é a meta e passar a denunciar as práticas culturais pobres no proceder da prisão é o objeto a ser seguido. No entanto, proposições são feitas em nosso livro as quais não deixamos aqui por não ser este o propósito do texto, mas sim o de deflagrar que devemos lutar contra a síndrome de “William Boner e da Fátima Bernardes”,[8] qual seja, a de que primeiro se encarcera a patuléia para só depois processá-la e condená-la e, de preferência, a uma pena que nunca mais sai da prisão.

Para concluir presenciamos em nossas práticas jurídicas a exteriorização de uma insanidade quanto ao trato da prisão preventiva que é aquela, como antes dito, a mais aplicada por nossas autoridades, por conta de que não há prazo para a sua duração tão pouco devem eles justificar a sua renovação. Insanidade por que primeiro se encarcera para depois processar e julgar aquele que tiver sido acusado de cometimento de um crime, claro que e  desde que não seja nenhum dos meus ou tão pouco eu. Se assim for e por algum infortúnio seja eu o cliente do sistema penal, que eu seja submetido a um processo com ampla defesa e respeitem as minhas garantias.

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[1] Letra da música “Senhor do Tempo” de Charlie Brown Jr.

[2] Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2015-fev-08/agora-brasil-prende-depois-apurar-marco-aurelio > Acesso em 24 mai. 2015. Entrevista para o Con Jur realizada por Marcos de Vasconcellos em 8 de fevereiro de 2015.

[3] O Conselho Nacional de Justiça – CNJ, em 5 de maio de 2014, demonstrou a prática encarceradora presente em nosso país, comprovando com dados estatísticos que alcançamos o 3º lugar no ranking mundial de países que mais encarceram no mundo. Possuíamos a marca de 711.463 presos, computando-se nesta marca os 147.937 presos em prisão domiciliar  e os 563.526 no sistema prisional. Alcançamos tal posição alarmante e com ele elevamos o nosso déficit de vagas que alcançam 206 mil. Só de presos provisórios o número alcançava 180.328 que corresponde a 32% do sistema prisional. Mesmo com tudo isso verte interpretações medíocres de que não se encarcera no Brasil, ou que a bandidagem está solta. Disponível aqui. Acesso em: 20 fev. 2015.

[4] CASTILHOS, Tiago Oliveira de. Prisão Cautelar e Prazo Razoável. Curitiba: Juruá, 2013, p. 71. É visível que há uma preferência prática por delegados, promotores e juízes para a aplicação da “espécie prisão preventiva”, sendo aplicada a cultura do aprisionamento preventivo como prima facie do sistema, quando todos nós profissionais da área sabemos desde que iniciamos o nosso curso de direito que o instituto prisão deve ser a ultima ratio. Nossos legisladores já sinalizaram bem tal entendimento de ser a prisão a ultima ratio quando da promulgação da Lei n. 12.403/2011, que estipula medidas alternativas a prisão.

[5] CASTILHOS, Tiago Oliveira de. Prisão Cautelar e Prazo Razoável. Curitiba: Juruá, 2013, p. 77 e ss. Ver as estatísticas 2005 a 2010. Ainda, associar a leitura com o que verte do informativo do CNJ disponível aqui. Acesso em: 20 fev. 2015.

[6] CASTILHOS, Tiago Oliveira de. A necessária leitura do prazo razoável da prisão cautelar: uma alternativa de redução de danos no sistema prisional, p. 73-90. Artigo apresentado no XXXIII Encontro Nacional do CONPEDI/UFSC. Gt de Criminologias e Política Criminal. Disponível em: < http://publicadireito.com.br/publicacao/ufsc/livro.php?gt=199 > Acesso em: 24 mai. 2015.

[7] Os veículos de comunicação propagaram inúmeras notícias sobre o quadro desumano daquele presídio em São Luiz do Maranhão. Cenas na Internet aterrorizaram e denunciaram o que ocorre no interior daquela casa prisional, reproduzindo a matança naquela casa prisional realizada pelas facções direcionadas aos presos provisórios. A notícia é clara e denuncia que as mortes, as execuções, envolviam presos com prisões “temporárias”. A demonstração da selvageria do sistema prisional chegou aos seu ápice. Disponível em: < http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2014/01/agente-conta-o-que-viu-e-ouviu-ao-entrar-no-presidio-de-pedrinhas-no-maranhao-4391472.html >Acesso em 25 de mai. 2015.

[8] Apresentadores do Telejornal Nacional, da empresa Globo Comunicações e Participações S.A, dos anos 1990 a 2011.

TiagoCastilhos