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A invisibilidade da violência doméstica homoafetiva

A invisibilidade da violência doméstica homoafetiva

Ontem, dia Internacional contra a Homofobia, também conhecido como “Dia Internacional de Luta Contra a Homofobia, Bifobia e Transfobia”, data para conscientizar sobre a discriminação sofrida por esse grupo, e principalmente lutar pelos direitos humanos, respeito e dignidade humana. Entretanto, embora estejamos no ano de 2019, a invisibilidade vivenciada por casais homoafetivos na seara da violência doméstica permanece imensa, e mais um tabu dentro da sociedade até mesmo amparado pela comunidade LGBT, por receio de tocar no tema e aumentar o preconceito, infelizmente já existente. Mas é inegável que toda moeda tem duas faces, embora talvez você não queira enxergar e prefira a comodidade do reducionismo.

Fato é que a Lei Maria da Penha é uma lei heterocêntrica, e que olha apenas às mulheres heteroafetivas (incluindo transexuais, operadas ou não – embora diga que independa de orientação sexual), criada e atualizada com base em movimentos sociopolíticos feministas, enquanto desigualdade de gênero. Mas não é desigual ignorar relacionamentos homoafetivos? A vida de uma mulher hétero vale mais que a vida de um homem homo?

Art. 2o Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social. (Lei 11.340/2006)

Violência doméstica homoafetiva

A Lei que já é excludente quanto ao gênero, masculino, na prática também é excludente quanto a orientação, em que a violência doméstica entre lésbicas é vista com trivialidade. Trivialidade essa abordada no artigo “Mulheres que batem em mulheres: relatos da ocorrência da violência doméstica na relação homoafetiva de lésbicas em Belém-PA”:

Segundo a declarante, a mesma pediu para os Policiais Militares não identificados para ser conduzida para uma Delegacia sendo orientada pelos mesmos a refletir se era isso mesmo que queria, pois naquela ocasião como era domingo a Delegacia estaria muito tumultuada. (ALENCAR, 2017, p. 52)

Ocorre também a ilusão de que em relacionamento entre mulheres homoafetivas, lésbicas, por serem fisicamente iguais ou se identificarem assim (no caso de pessoas trans, operadas ou não), não há disputa de poder, o que é um equívoco, que também permite o silêncio.

Não se fala, não se denuncia, não existe – é com este muro de silêncio que as mulheres lésbicas batidas pelas suas companheiras se debatem quotidianamente, enfrentam um duplo estigma: enquanto lésbicas e enquanto vítimas de violência. (SANTOS, 2012, p. 20)

Embora muitos no dia 17 de maio postem fotos, bandeiras, participem de passeatas e no dia a dia digam ser contra a homofobia, e que “o melhor amigo é gay”, permanecem inertes e despreocupados com a violência conjugal como um todo, em que cada cidadão merece respeito, proteção e voz, mas insistem que apenas as mulheres heteroafetivas são vítimas. O resultado do seu silêncio e desinteresse é a criação de pesquisas falaciosas, que dizem que casais homoafetivos são mais violentos, quando na verdade permanecem por um lapso temporal maior nos relacionamentos.

Por que permanecem mais tempo no relacionamento?

a) porque sofrem rejeição da própria família, se veem desamparados, sem afeto dos pais, irmãos e veem a pessoa abusadora como única que ainda oferece amor e dedicação, mesmo que a visão de amor seja errônea. Conforme o “Relatório sobre violência homofóbica no Brasil, ano 2012”, do total de 3.084 registros de violência, 17,72% foi cometida por familiares. Como uma pessoa sairá de um relacionamento abusivo se a própria família também violenta?

b) porque sofrem chantagens, vez que uma parcela não assumiu publicamente o relacionamento. Por medo de perderem o emprego, status, amigos e até mesmo a família, se submetem as chantagens mesmo desejosos em findarem a relação

Há aproximadamente 3 meses estão separadas, porém a citada chamou a relatora para uma conversa, ocasião em que a relatora não se dispôs a reatar a relação, motivando a relatada a proferir ameaças sob os textuais “que vai denegrir sua imagem, que vai tirar tudo o que a relatora tem, acabar com a sua carreira profissional. […] ligou para a sua família e revelou a opção sexual da relatora amealhando ainda contar para sua mãe. (ALENCAR, 2017, p. 47)

c) porque acreditam que merecem o sofrimento e aceitam as violências porque também não se aceitam, uma forma de homofobia internalizada

Será que silenciar a dor dos outros e não inclui as pessoas homoafetivas como vítimas de violencia doméstica, é porque aceita e acha que eles merecem o sofrimento, sem nenhum amparo legal, ou é mero desinteresse/desconhecimento da realidade a volta? Afinal, basta abrir os olhos em qualquer balada, bar, faculdade e perceber as exatas violências que qualquer casal hetero sofre/pratica/troca, também existentes em casais homoafetivos.

Punir o outro com a invisibilidade te convém? Se calar é permitir que o outro seja violentado, é apoiar! A dor do outro não é diferente da sua, seu direito não deve se sobrepor ao de ninguém, seja homem ou mulher, heteroafetivo ou homoafetivo, e a Lei Maria da Penha tem que mudar!

Foi benéfica para diminuir o preconceito e permitir que mulheres héteros falassem de suas dores e proporcionasse liberdade, espaço e ajuda, agora é a vez dos homens, HOMOAFETIVOS E HETEROAFETIVOS serem ouvidos e principalmente incluídos e protegidos.

Por meses minha ex me provocava, me batia, empurrava e cuspia na minha cara, tentando despertar uma reação violenta que ela pudesse usar como trunfo de chantagem. Sem tal situação, ela começou a ameaçar fazer uma falsa denúncia de agressão, o que eventualmente se concretizou. Com medo disso acontecer, eu passei a filmar e fotografar todas as discussões, e foi graças a estas provas que consegui me livrar da acusação. Porém, até hoje, ela usa minha filha para me atingir. (PRÓTON, 2018, p. 65)


Uma vez, eu estava de madrugada em uma delegacia da capital de São Paulo, acompanhando uma ocorrência, e certo momento entrou um homem na delegacia querendo prestar queixa porque havia sido agredido fisicamente pela companheira. Ele virou motivo de piada na delegacia, um investigador perguntou: Tem certeza que quer dar queixa, agredido por mulher?! E todos os demais investigadores e a delegada caíram na gargalhada, o sujeito mudou de ideia e se foi. (PRÓTON, 2018 p. 94)

O direito não deve se restringir a grupos, mas ser o mesmo para todos, assim como as punições. Violência doméstica não é questão de segurança pública como é apresentada, mas de saúde mental coletiva, ou melhor a crise dela, e saúde mental não tem gênero, mas tem tratamento, tem possibilidades e resultados, com terapias e trabalhos multidisciplinares. Prisão e medida protetiva serve apenas após os acontecimentos, precisamos de tratamento eficaz, e ele só será quando ir na origem: AUTOESTIMA.

Os autores da violência doméstica sofrem com baixa autoestima, e precisam se sobrepor aos parceiros com o uso da violência e poder sobre o outro. Pessoas com autoestima elevada não precisam violentar ninguém, mas respeitam a individualidade e espaço, e tudo isso é uma característica humana, não de gênero ou tipo de relacionamento.

A hermenêutica filosófica Gadameriana se assemelha a filosofia socrática, em que o primordial é o conhecimento de si, e partir dela ocorrerá a sabedoria, que não é calculada, mas percebida, construída e instrumento da própria alma, ou seja, o fim da violência doméstica está em ampliar o conhecimento de si mesmo. O remédio tem nome: AUTOCONHECIMENTO – o que leva a construção da saúde mental, logo do amor próprio e aos demais; autoconhecimento é autoestima!

Exemplo do que é violência doméstica, aceita e vista como cuidado – visão romântica e errônea do que é amor, mas é a exteriorização a baixa autoestima: proibir o outro de sair com amigos (as), controlar os horários de saída ou de chegada; controlar o tempo que gasta em atividades como academia, treinos, poker, pedal, futebol; criar desculpas para afastar os amigos (fulano bebe demais, fulana é galinha, ciclano não é bom para você…); ter ataques de ciúmes até mesmo da mãe, irmã e afastar da família; controlar os meios contraceptivos – e conferindo o preservativo após a ejaculação para ver se é a quantidade ideal, como uma comprovação de fidelidade, ou exigir que não utilize preservativo porque “isso é confiar no outro”; exigir mudanças de roupas, comportamentos e hábitos com desculpa de que é mais saudável ou melhor; controlar qual o melhor trabalho ou curso; só comprar algum objeto ou presente para si com a autorização do outro, mesmo que o dinheiro seja exclusivamente seu; sofrer comparações o tempo todo e críticas; ouvir que “vc não é homem” ou “vc não presta”, “vc é um monstro”, “vc é uma vagab****; acusar constantemente de traição; invadir a privacidade; quebrar celular porque está com senha; gritar; arranhar; dar tapa; arremessar objetos e tantos outros, cotidianamente, que mais uma vez é importante reforçar: independem de gênero e relacionamento.

Então eu volto a perguntar: Será mesmo que vc não é homofóbico? Heterocentrico? Reducionista? Enquanto profissional do Direito e que deve zelar pela harmonia das relações humanas, você tem feito o que por esses grupos invisíveis? A moral social naturaliza as violências impostas aos homens e casais de igual identidade, mas direito e Moral nem sempre caminham juntos e nem deveriam, afinal o direito não pode ser unilateral!

“Quem cala, consente”, já dizia minha vó!


REFERÊNCIAS:

ALENCAR, Renata dos Santos. Violência doméstica na relação homoafetiva de mulheres lésbicas. UFPA, Belém/PA, 2017. Disponível aqui.

SANTOS, Ana Cristina. Entre duas mulheres isso não acontece – um estudo exploratório sobre violência conjugal lésbica. Revista Crítica de Ciências Sociais [Online], 98 | 2012, colocado online no dia 05 Junho 2013, criado a 15 Julho 2015. Disponível aqui.

PRÓTON, Sara. Belas e feras: a violência doméstica da mulher contra o homem. Manduruvá, Belo Horizonte/MG, 2018.

Relatório sobre violência homofóbica no Brasil: ano de 2012. Disponível aqui.


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