A menção à prisão preventiva do acusado no júri


Por Daniel Kessler de Oliveira


Como já exposto neste espaço, por diversos colegas, nas mais variadas formas de abordagem, o julgamento perante o conselho de sentença é eivado de peculiaridades que influenciam sobremaneira no convencimento dos julgadores.

O jurado é livre para decidir conforme o seu convencimento e o que o difere do juiz togado é a possibilidade de decidir sem fundamentar, ou seja, sem motivar as razões que sustentaram a sua decisão.

Justamente por isto, algumas situações devem ser levadas em consideração para que o jurado não decida por situações estranhas aos autos e, com isto, tenhamos uma decisão que se afaste de um critério de racionalidade que se ampare nos elementos do processo.

Para que o jurado não julgue o Acusado por questões diferentes do fato a ele imputado e, com isto, minoremos os riscos de um desfecho injusto, seja absolutório ou condenatório, algumas restrições a atuação dos atores judiciais devem se dar no momento do julgamento em plenário.

Tais restrições estão previstas no art. 478 do Código de Processo Penal e tratam sobre a decisão de pronúncia, o uso de algemas e o silêncio do Acusado.

A intenção do legislador fora a de impedir o uso de um argumento tecnicamente desconectado de sua essência mas que sirva para o convencimento do jurado, justamente pela sua ausência de conhecimento técnico.

Não reside muita logicidade na restrição à menção da pronúncia, na medida em que esta peça será entregue aos jurados. Com isto, os jurados receberão uma cópia, mas as partes não poderão lhes explicar aquela decisão.

Buscou-se evitar a utilização daquela decisão, por ser uma fase de admissão para o julgamento popular, que não adentra no mérito, o que poderia não ser compreendido pelos jurados, mas lhes entregam cópia da decisão, o que pode ser ainda pior, pois irão ter acesso sem compreender do que se trata.

O silêncio do Acusado não pode ser mencionado em seu prejuízo, por uma decorrência lógica ao princípio constitucional da presunção de inocência e o direito ao silêncio, não sendo autorizado que a parte acusadora se valha disto para criar uma situação que venha a enfraquecer qualquer versão defensiva do Réu.

De igual forma, o uso das algemas não pode ser mencionado, uma vez que serviria como um argumento de autoridade, que criaria no imaginário dos jurados a ideia de periculosidade do Réu, o que influenciaria no julgamento, independente do fato, das provas do caso e etc.

Assim, não resta dúvida que, pela disposição expressa do texto legal, qualquer destas hipóteses gera nulidade do julgamento.

O problema que pretendemos analisar neste espaço é quando existe a menção a situações que não se amoldem perfeitamente aquelas descritas no rol das impossibilidades de referência, mas que alcancem o mesmo efeito que o legislador quis evitar.

Neste caso, temos a menção acerca da decisão que determinou uma prisão preventiva do indivíduo, lida no plenário na tentativa de mostrar que um juiz de direito entendeu por presentes prova da materialidade e indícios de autoria e, ainda, determinou a prisão de um indivíduo.

Vejamos, tal situação não é a menção ao uso de algemas, mas se situa no mesmo plano, pois cria no imaginário do jurado uma sensação de periculosidade do Acusado e, mais, a ideia de que devem haver provas contra ele, pois do contrário, o juiz não iria prendê-lo.

Se torna, a partir daí, extremamente difícil para a defesa buscar a análise em cima do caso concreto e desconstruir nos jurados uma pré-compreensão forjada em um pré-conceito sobre a culpa do Acusado.

Influenciar o imaginário do jurado com a decisão de um juiz de direito que determinou a prisão do réu é uma tática muito utilizada no júri e totalmente abominável por quem pretende buscar um julgamento dentro dos limites legais e que se aproxime de um resultado justo e racionalmente obtido.

A partir da utilização deste argumento, a defesa terá de se ocupar em explicar a diferença entre indícios e provas, entre o sentido de uma cautelar e a sentença de mérito, dentre tantas outras situações técnico-jurídicas de difícil compreensão em um tempo tão exíguo.

Forjar na mente dos jurados a ideia de que o juiz acredita que o Réu é culpado, é praticamente conduzir o resultado condenatório ao fluxo natural dos encaminhamentos no julgamento, sendo a decisão absolutória algo que somente se justificaria numa enorme reviravolta no plenário.

Isto implica em uma inversão no ônus probatório, onde a defesa terá que fazer a prova de sua absolvição, por toda a presunção de culpa que existirá sobre o Acusado.

Dessa forma, a impossibilidade de menção ao uso de algemas deve ser compreendida de forma extensiva, quando lidar com a salvaguarda de direitos fundamentais, abrangendo, assim, a impossibilidade de se fazer menção às prisões processuais com a intenção de se valer de um argumento de autoridade capaz de induzir o jurado num juízo tecnicamente equivocado.

Somos sabedores que a instituição do júri tem estas idiossincrasias e que o livre convencimento não motivado, pode levar a desfechos condenatórios ou absolutórios pelas mais diversas situações, desde raça, religião, profissão, família e etc.

Entretanto, não podemos fazer do plenário do júri, que é tratado como uma garantia constitucional, um palco de um jogo jogado, um cenário já construído com um desfecho já arranjado, no qual apenas a Defesa e o Réu desconhecem a trama.

Buscar que o júri seja levado a sério é buscar que os jurados possam julgar em cima da prova dos autos e não se vejam seduzidos por elementos estranhos aos autos, tampouco pelo manejo utilitarista e oportunista de questões dotadas de complexidades técnicas que fogem do alcance dos jurados, que são os destinatários desta prova.

Se queremos de fato um julgamento e não nos preocuparmos com o resultado que esperamos dele, devemos buscar impedir situações como estas, que só se prestam para aqueles que enxergam no julgamento um ato protocolar de confirmação de uma condenação e que compreendem toda e qualquer medida que venha a ampliar o direito defensivo e a equidade de posições entre as partes, como um estímulo à impunidade.

Enquanto tratarmos as coisas desta maneira, seguiremos julgando mal, seguiremos com processos sem provas, condenando ou absolvendo indivíduos sem um julgamento correto e que se aproxime de um ideal de justiça e, certamente, todos sairemos perdendo com isto.

_Colunistas-DanielKessler