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A mídia como um 4º poder: a influência no Direito Processual Penal

Desde os primórdios, a notícia relacionada ao crime fascina a sociedade, tal fascínio vem relacionado ao que motivou determinado crime, ou à pessoa do criminoso, procurando estereótipos para, precocemente, julgarem e distorcerem completamente princípios constitucionais, como o da presunção de inocência do acusado.

4º poder

Na verdade, as sentenças serão sempre emitidas tendo em vista mais a conservação da sociedade do que propriamente o ato praticado pelo indivíduo.¹

Há alguns anos, tornou-se notório o grande inflame da mídia à sociedade, trazendo além de doses de sensacionalismo em excesso, conclusões precipitadas, gerando uma vasta insegurança jurídica. Tal alarde é ocasionado principalmente porque boa parte da legislação penal brasileira – senão toda – apresenta irracionalidade, trazendo ao público o sentimento de vingança.

Para Nietzsche, queremos nos vingar do ’’outro’’ por condutas que ‘’nós’’ entendemos como ’’más’’ – a separação de nós os ’’bons’’ deles os ’’maus’’.² No que tange à notícia do crime, Judson de Almeida afirma que na sociedade brasileira atual, Direito Penal e mídia possuem uma relação muito próxima.

As pessoas se interessam por informações que dizem respeito à burla das regras penais. A imprensa, portanto, não tem como ficar alheia ao interesse causado pelo crime, mesmo porque a imprensa é o “olho da sociedade”.

Jornais impressos, revistas, o noticiário televisivo e radiofônico dedicam significativo espaço para este tipo de notícia. Acontece que, muitas vezes, a divulgação reiterada de crimes e a abordagem sensacionalista dada por alguns veículos de comunicação acabam por potencializar um clima de medo e insegurança. A criminalidade ganha máxime e a sociedade começa a acreditar que está assolada pela delinquência. Criando, por fim, uma falsa realidade que foge aos verdadeiros números da criminalidade.³

Através disso, a força advinda da mídia, vem sendo denominada como o 4º Poder, juntamente com os demais poderes. A ideia de mídia como o “quarto poder”, segundo Auriney Uchôa, surgiu na Inglaterra no início do século XX, quando, na sede no parlamento inglês, foi criada uma galeria para receber os repórteres que acompanhavam as decisões dos representantes dos três poderes da época, o poder temporal, o poder espiritual e o poder dos comuns. Assim, a presença das pessoas que dariam publicidade àquelas decisões passou a ser conhecida como “quarto poder”.

A expressão popularizou-se nas democracias ocidentais até ficar relacionada com os conhecidos poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário. Até aqui, os responsáveis pela visibilidade dos negócios públicos formavam um poder fiscalizador e essencial para viabilizar a manifestação de pensamento e liberdade de expressão dos cidadãos. A atividade era a de vigilância cidadã em nome do íntegro exercício da democracia. 4

Nesse viés, tem-se a confirmação de que a mídia influencia pessoas há anos, trazendo a expressão ’’quarto poder’’ a fim de representar essa força. Não há dúvidas de que a liberdade de imprensa deve prevalecer à censura, entretanto, a liberdade não poderá ser jamais confundida com a ’’libertinagem’’, onde tem-se como apoio, condenações imediatas, colocando diretamente o suspeito como o criminoso de fato, trazendo a história como um espetáculo.

Mas qual seria a interferência da mídia no direito processual penal? Pois bem, segundo a Promotora de Justiça Ana Lúcia Menezes Vieira, a linguagem sensacionalista, caracterizada por ausência de moderação, busca chocar o público, causar impacto, exigindo seu envolvimento emocional. Assim, a imprensa e o meio televisivo de comunicação constroem um modelo informativo que torna difusos os limites do real e do imaginário.

Nada do que se vê (imagem televisiva), do que se ouve (rádio) e do que se lê (imprensa jornalística) é indiferente ao consumidor da notícia sensacionalista. As emoções fortes criadas pela imagem são sentidas pelo telespectador. O sujeito não fica do lado de fora da notícia, mas a integra. A mensagem cativa o receptor, levando-o a uma fuga do cotidiano, ainda que de forma passageira.

Esse mundo-imaginação é envolvente e o leitor ou o telespectador se tornam inertes, incapazes de criar uma barreira contra os sentimentos, incapazes de discernir o que é real do que é sensacional.5 Portanto, é notória a manipulação e intervenção midiática no âmbito social, criando uma repercussão social que leva da tristeza à fúria. Levando a necessidade de ’’fazer justiça com as próprias mãos.’’

Desse modo, a repercussão social é influente e determinante nos crimes ocorridos. O Estado possui o dever de punir a quem agir ilicitamente, estando determinada conduta tipificada no atual ordenamento jurídico, sendo a punição concretizada através da sentença criminal. Contudo, existem deturpações que interferem no valor da pena imposta, sendo elas denominadas como a influência midiática,que interfere também, na discriminação imposta pela sociedade.

Por fim, ressalta-se que isso não é uma maneira de defender um discurso que protege a criminalidade, tampouco os perpetradores de ilícitos. Defende-se que é preciso, portanto, elaborar uma motivação inteligente, que combata a criminalidade, mas que comece por causas racionais e humanitárias, sem que os postulados constitucionais sejam agredidos, pois eles ainda representam esperança ao povo deste País. 6

REFERÊNCIAS

1 CARVALHO, Amilton Bueno de. Direito Penal a Marteladas: algo sobre Nietzsche e o Direito. 1 ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2013, p. 76.

2 CARVALHO, Amilton Bueno de. Direito Penal a Marteladas: algo sobre Nietzsche e o Direito. 1 ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2013, p. 74.

3 ALMEIDA, Judson Pereira de. Os meios de comunicação de massa e o Direito Penal: a influência da divulgação de notícias no ordenamento jurídico penal e no devido processo legal. Vitória da Conquista-BA: 2007. Monografia Científica em Direito na Faculdade Independente do Nordeste.

4 BRITO, Auriney Uchôa. Poder da Mídia: Uma Análise do Direito Penal na Sociedade da Informação. Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI. São Paulo, 2009. Disponível em <http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/Anais/sao_paulo/2517.pdf>. Acesso em 15 de fevereiro de 2021.

5 VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. Processo Penal e Mídia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

6 ZAFFARONI, Eugenio Raúl apud COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Segurança Pública e o Direito das Vítimas. Revista de Estudos Criminais, nº 08, 2004.

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