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A morte da presunção de inocência


Por Felipe Faoro Bertoni


Acredito que se alguém comete um crime grave, deve cumprir a pena correspondente. Para que isso ocorra, no entanto, é preciso que alguns rituais sejam realizados. Ou seja, para que haja a aplicação de uma pena decorrente da violação de uma norma penal, é necessário que o sujeito seja processado e julgado, dando início, assim, ao cumprimento da sua pena.

Recordo que ainda na Faculdade de Direito aprendi que o Supremo Tribunal Federal era o “Guardião da Constituição Federal”. Aprendi, também na Faculdade, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”. Me disseram que era essa disposição estava prevista no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal.

Semana passada, no dia 17 de fevereiro de 2016, o Supremo Tribunal Federal decidiu, no HC nº 126.292, a possibilidade de que o sujeito juridicamente inocente inicie o cumprimento da pena, desde que já tenha sido condenado em segunda instância.

Pessoalmente, acharia até adequada a possibilidade de início de cumprimento de pena após a confirmação da condenação por uma corte estadual ou regional, mas existe um pequeno detalhe que deveria impedir esse desfecho. Um detalhe chamado Constituição Federal. O dispositivo legal referente ao Estado de Inocência é muito claro e permite pouca margem para interpretação. “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”. Simples assim.

O dispositivo legal mencionado é claro em estabelecer que somente os culpados deveriam cumprir pena, pois efeito decorrente da sentença penal condenatória. No conceito de culpado não se enquadram, evidentemente, os juridicamente inocentes. Ou seja, sujeitos que ainda não tiveram sua culpa declarada por uma sentença transitada em julgada.

É natural que a sociedade anseie por responsabilização. Todos querem uma adequada resposta Estatal contra a criminalidade. Eu também quero. Contudo, desrespeitar a Constituição Federal não me parece o caminho mais apropriado para isso.

Aparelhar o Poder Judiciário, investir nas instituições formais e informais de controle, buscar celeridade nos julgamentos (sem o atropelo de garantias) são medidas que buscam efetivar a “justiça” sem desrespeitar a Constituição Federal.

O “mal” deve ser combatido, mas para tudo há limites. Quando a sociedade aceita e, pior, clama pelo desrespeito a Garantias e Princípios Constitucionais, é sinal de que algo está errado. Precisamos refletir seriamente sobre isso.

Semana passada a Constituição Federal foi ferida. Gravemente ferida. E o mais triste, foi ferida por quem deveria lhe proteger.

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Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Felipe Faoro Bertoni

Advogado (RS) e Professor

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