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A “nova” delação/colaboração premiada é mesmo “nova”?


Por Vilvana Damiani Zanellato


No último texto que se publicou nesse Canal, tratou-se sobre o instituto da “colaboração premiada” sob a perspectiva de medida de política criminal.

Na oportunidade, deu-se destaque ao fato de que a delação/colaboração premiada, antes da edição da Lei nº 12.850/2013, há muito tempo já desfilava em legislações esparsas: Leis dos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, de 1986; dos Crimes Hediondos, de 1990; de Lavagem de Capitais, de 1998; de Proteção a Vítimas, Testemunhas e ao Réu Colaborador; de 1999; do Narcotráfico, de 2006; Antitruste, de 2011, Anticorrupção Empresarial, de 2013 e, notadamente, o Código Penal (com a reforma de 1984 – arts. 15, 16 e 65, III; além do Direito Comparado(Espanha, Estados Unidos da América [pleabargaining], França, Itália [chiamatadi correo], México, Reino Unido).

Ainda assim, o tema vem sendo tratado pelos meios de comunicação e em debates jurídicos, dos mais elevados aos mais simplórios níveis, como se novidade fosse.

Não é!

Coincidentemente, semana passada, deparou-se com autos de processo-crime, no qual da sentença se extrai explanação pelo magistrado quanto à, então, “delação”.

Sim, “delação”, porque a decisão foi proferida no ano de 1999!

Apesar da publicidade constitucional dos atos, opta-se por não se citar nomes, números, local etc. que identifiquem os réus e o magistrado. De outro lado, a “delação” está aí. Leiam-se os fragmentos da sentença sobre o assunto:

“(…)

Considerando que toda a trama começou a se desvendar e acabou se desmascarando principalmente por força das delações havidas por integrantes do ‘esquema’ a partir da divulgação pública dos atos, há, inicialmente, que se verificar qual a força probatória desse tipo de prova.

A delação, prova também conhecida como ‘chamada de co-réu’, embora aceita por ponderável parte da Doutrina e da Jurisprudência, que com nítida inspiração em Enrico Altavilla (‘Psicologia Judiciária’, 1953, p. 177, apud ‘Da prova no Processo Penal’, Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha, Saraiva, pág. 94) a considera um suporte hábil ao embasamento de decreto condenatório até mesmo quando ela se mostra isolada nos autos e desacompanhada da confissão do delator, é meio de prova bastante relevante e seguro, quanto não ocorrem esses dois comprometedores obstáculos à sua consideração.

Assim, quando a chamada do co-réu serve, como ocorrido in casu, de ponto de partida para investigações que venham a redundar o acréscimo de outros e mais sólidos elementos de convicção; e, além disso, tenha ocorrido de forma isenta e sincera, a um só tempo acompanhada da confissão mais ou menos abrangente do próprio delator, sem que se verifiquem nos autos razões de ódio ou outros interesses menores a inspirá-la, tem-se, sim, prova das mais importantes, que se presta, validamente, ao suporte de um desate condenatório penal.

Mormente nos crimes de mais sofisticada elaboração, como os que têm sido designados pelo epíteto de ‘crimes de colarinho branco’, via de regra os indícios e vestígios de materialidade e principalmente de autoria são bem raros e normalmente estão encobertos sob o manto protetor de sofisticadas e complexas operações econômico-financeiras, confusos registros contábeis, adulteração ou destruição de evidências e lançamentos fiscais, intrincadas burocracias, herméticas tecnologias e(ou), coo na presente hipótese, recíprocos envolvimentos e interesses escusos entre os envolvidos, que se sustentam entre si mediante a conveniência e segurança de pactos de silencia e de criminosa cumplicidade.

Há, pois, em contrapartida, que se prestigiar a prova decorrente da delação de um ou de parte dos implicados nesse tipo de ‘esquema’, quando ela ocorre.

Havendo, porventura, desequilíbrio naquela equação de conveniências criminosas, que venha a ensejar denúncia ou delação de um de seus integrantes em relação aos demais, não se pode, sob pena de privilegiar-se a impunidade e prestigiar-se o crime, aceitar que seja a persecução penal tolhida, cerceada ou frustrada, por força de tais formalismos e preciosismos teóricos.

Mormente nesses complexos casos, é imperioso que o interesse público seja encarado com redobrada consideração e, desde que obviamente respeitados todos os preceitos processuais constitucionais de proteção aos direitos individuais, deve preponderar.

Aos que, como o eminente autor retro citado, repudiam a força probante da chamada do co-réu sob o argumento de que ela afrontaria o princípio do contraditório (obra citada, pág. 96), objeto que, sendo todo o restante da instrução criminal posterior à delação (in casu, até os interrogatórios dos réus delatados o foram), têm os acusados chamados pelo(s) delator(es) toda a amplitude de seu respectivo direito de defesa para objetar e contraditar as delações, produzindo, uma vez previamente cientes do teor delatório, qualquer espécie de prova, com a mais ampla e total liberdade e, inclusive, maior tempo para reflexo, estudo e preparação.

Essa liberdade abrange, inclusive, o recurso à acareação entre delator e delatado, na medida em que na previsão deste meio de conhecimento o legislador processual penal previu, expressamente o confronto, ‘cara a cara’ (vide obra citada, pág. 99), também entre acusados (artigo 229 do Código de Processo Penal), podendo tal providência ser requerida até a fase do artigo 499 do mesmo códex, inclusive.

Portanto, a mera impossibilidade fática e circunstancial das reperguntas, ponto principal da objeção do ilustre e brilhante autor citado, mostra-se mero detalhe, de menor e quase insignificante relevância.

Os requisitos que se exige para a aceitação da delação como prova condenatória válida e eficaz, são a confissão do delator, a inexistência de razões ponderáveis como causa para a chamada e, ainda, que não se evidencie algum interesse no sentido de ocultar ou atenuar a responsabilidade de quem quer que seja (obra citada, pág. 95 e RT 419/295).

No caso dos autos, como se verá, ao mesmo tempo em que ‘X’ e ‘Y’ admitiram ter presenciado conversas e situações evidenciadoras do caráter criminoso do que se passava e, mesmo assim, aderiram ao ‘esquema’ e nele desempenhavam relevantes papéis (ou seja, ao mesmo tempo em que confessaram seus respectivos envolvimentos), houve as delações, altamente incriminadoras, que também a seguir serão comentadas. Superado, destarte, o primeiro e mais importante requisito para a admissão da delação como retro referido.

Nenhum sentimento de rancor, ódio ou coisa semelhante, se evidenciou nos autos como tendo sido inspirador das delações; e, ainda, estas não tiveram qualquer escopo protecionista.

As delações havidas no bojo dos presentes autos, ademais, ocorreram tanto em declarações perante a 6ª Promotoria local, quanto foram depois repetidas e corroboradas em Juízo.

(…)

A respeito, já decidiu nossa Jurisprudência em casos análogos:

‘As declarações do co-réu de um delito têm valor quando, confessando a parte que teve no fato incriminatório, menciona também os que nele cooperaram como autores, especificando o modo em que consistiu essa assistência ao delito.’ (TACRIM/SP, RT 419/295).

(…)

Assim, tem-se que as delações nestes autos ocorridas são total e perfeitamente válidas e eficazes, enquanto importantes elementos de convencimento, para respaldar uma solução condenatória.

(…)”

Repete-se: sentença proferida há 17 anos, em 1999!

Com extremada licença à corrente que repudia a “colaboração premiada” como se novidade fosse:

– Nada mais a “delatar”…_Colunistas-Vilvana

Vilvana Damiani Zanellato

Chefe de Gabinete da Procuradoria-Geral Eleitoral. Mestranda em Direito Constitucional. Professora de Direito.

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