A obrigatoriedade da dupla imputação nos delitos ambientais
Por Karla Sampaio
Já não é de hoje que vemos crescendo o pensamento sobre questões ambientais. Leis, tratados internacionais, programas de compliance e movimentos sociais de grandeza mundial demonstram que essa preocupação há muito tempo deixou de ser de interesse individual, mas de toda a Humanidade, muito em função dos movimentos ambientalistas advindos da industrialização da Inglaterra do século XVIII.
Até a vigência da Constituição Federal de 1988, a responsabilização penal da pessoa jurídica não era viável, pois reinava o princípio societas dellinquere non potest, ou seja, “a sociedade não pode delinquir”. Por outro lado, nesta mesma época já era evidente a necessidade de se erradicarem tanto os crimes cometidos contra a ordem econômica, como aqueles ofensivos ao meio ambiente.
Foi com esta intenção que o legislador constitucional deu azo à ampliação da proteção do Direito Penal, permitindo a responsabilização penal das pessoas jurídicas. Adotou-se em 1988 a “Teoria da Realidade”, ou “Teoria Organicista”, que compreende a pessoa jurídica como um organismo dotado de vontade: é o reconhecimento da delinquência empresarial.
Foi com este mesmo espírito que coube à Lei 9.605/98 regulamentar o art. 225 da CF/88, dispondo sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas lesivas ao meio ambiente. Seu texto deixa clara a finalidade de reparação do dano ambiental, aliando o caráter preventivo ao repressivo pela imposição de multas, possibilitando de vez que pessoas jurídicas figurem no polo passivo na persecutio criminis.
Sem dúvida alguma, trata-se de um grande avanço para se coibirem os danos ao meio ambiente. A inovação, entretanto, acirrou os debates sobre o tema: se por um lado juristas a compreendem possível somente quando atrelada à conduta de um ente físico, há quem sustente a própria inviabilidade de um ente moral sentar no banco dos réus, até pela dificuldade de se individualizarem condutas nos crimes de autoria coletiva.
O fato é que a responsabilização das pessoas jurídicas há muito tempo já é realidade. Contudo, há de se respeitarem as bem delineadas regras da própria lei dos crimes ambientais, em especial a dupla imputação, como condição indispensável para a responsabilização das pessoas jurídicas. Tal teoria impede a imputação de delito ambiental exclusivamente à pessoa jurídica, afinal todo ato ilícito sempre pressupõe o agir de uma pessoa física.
Parece óbvia essa necessidade (e para nós, o é), mas infelizmente o STJ vem consolidando posição diversa, depois de muito exigir a atribuição penal dúplice. Agora, empresas e organizações, ao cometerem delitos ambientais, poderão figurar no polo passivo de processos criminais, sem que haja acusação formal contra as pessoas físicas que a compõem.
Discordamos desse entendimento, que nada mais é do que a antítese das teorias do direito penal. Rogamos para que isso mude, de modo que o Direito Penal volte a ser aplicado para aquilo a que ele foi criado: para pessoas de carne e osso.