A pena de morte no Tribunal do Júri: três casos do fim iminente
Por Iverson Kech Ferreira
Ver o corpo se debatendo e dependurado numa corda grossa que o segura pelo pescoço é a melhor parte. Mas quando o pescoço quebra, partindo a cervical, ninguém ovaciona. Morreu. Pronto. Ponto. Da mesma forma é o tiro na nuca. Rápido, indolor (?). Há quem ainda prefira a execução por cadeira elétrica, de todas, no mundo civilizado, a melhor, pois o individuo reflete sofrimento, se debate, frita. Dizem que o cheiro na sala é insuportável, mas mesmo assim, muita gente quer estar lá. Casos assim são vistos quase diariamente em certos países do Oriente Médio e Extremo Oriente. O sadismo está em alta quando nota-se uma grande procura pelas postagens de vídeos violentos nas páginas sociais, quando o jornal mais vendido é aquele pastelão de meia qualidade que verte sangue num simples dobrar de suas opacas páginas.
O tempo de hoje é aquele em que pegar um moço correndo pelas vielas dos bairros e surrá-lo até a morte afirmando ser ele estuprador, é corriqueiro. É pegar aquele que quer a opinião pública que seja preso e chacoalha-lo diante das câmeras, se possível, de algemas. É o tempo de se tirar fotos do corpo morto ao lado da família em prantos e posta-la nos facebooks da vida social virtual, onde milhares compartilharão, sem o menor escrúpulo. É o tempo da vingança e do espetáculo.
Pois bem. O indivíduo não era culpado. Em todas as provas, ele não era reconhecido como o autor do crime, mas cometeu um erro. Andou, naquela noite, junto com o autor do crime. Naquela maldita noite, dizia ele em prantos, eu conheci o assassino. Nem sabia que o indivíduo possuía uma arma. Conheceu-o por intermédio de outros adolescentes, em idade tenra, menores todos dos vinte anos de vida, assim como a fatal vítima da maldita noite. Será julgado por sete jurados, pessoas do povo, desse mundo sádico que imortaliza seus apresentadores de más notícias.
Outro fato. Era meia noite. O rapaz andava na rua, tinha síndrome do pânico e tomava remédios, naquela noite não conseguira dormir nem um pouco, havia deitado ás nove horas, pois na manhã seguinte teria entrevista de emprego. Ansiedade. Saiu para tomar ar e levou consigo seu pequeno canivete cortador de unhas, herança dos tempos de Mcgyver, simples adereço que usava como chaveiro. Alguém nas sombras apareceu e o chamou de bandido, cercando-o pelas costas. Uma estocada e pronto. A morte certeira ceifou a vida de um amigo que o rapaz atônito não via há anos. Será julgado, ainda que arrependido e chorando sangue, por sete pessoas do povo desse sádico mundo.
Último fato e talvez mais chocante. Ela colocou água para ferver e preparar o chá. Eram onze horas da noite, seu marido saiu para trabalhar, pois tinha um serviço neste período e somente retornaria às oito horas do outro dia. Haviam brigado feio dia anterior e até a polícia fora chamada pelos vizinhos, para conter os ânimos. Alguns diziam que ele a surrava de vez em quando e que a ouviam dizer que um dia o mataria. Mas naquela noite, antes de ir ao serviço fizeram as pazes e trocaram votos de amor. A esposa, no silêncio da noite, sozinha em casa, sentiu dois toques de mão em seus quadris, não pensou, seguiu o instinto: com a pequena faca de cortar pão estocou no pescoço, logo na artéria carótida, apenas uma vez, o seu marido que havia ido ao serviço somente para conversar com seu superior, com intuito de implorar para trocar de turno a fim de dar mais atenção a sua esposa. Começaria em seu novo horário pela manhã seguinte. Será julgada por sete cidadãos desse consciencioso mundo do pânico.
Essas pessoas e a mídia possuem uma relação muito peculiar e é claro o desvirtuamento dos fatos, sem anterior análise responsável: O primeiro, um adolescente perigoso que precisa de uma correção, o segundo, um maníaco que sai com um canivete a caça de sua presa, a terceira, uma esposa sofrida, que segundo vizinhos apanhava em casa. Quis sua vingança e teve.
Os três casos são reais. O primeiro caso foi julgado e o acusado condenado por ter sido cúmplice de um assassino no seu labor de tirar vida, pegando sete anos de prisão. O segundo caso o acusado também foi condenado, por mais que a defesa tivesse bases e provas para sustentar a dúvida razoável, essa não existiu, pois se condenou pelo passado agressivo do sujeito, passado este que nunca mais havia retornado em dezesseis anos, por 4 a 3 dos jurados. Doze anos o aguardam no limbo, sua condenação, além de aplaudida, foi mencionada como exemplar pela grande mídia.
O terceiro e mais emblemático caso. A defesa pediu o perdão judicial, pois sentia adequável àquela situação. A mulher ficou duas semanas presa, sendo liberada na terceira semana após efetivos pedidos defensivos e inúmeros problemas de saúde naquele tempo. Foi pronunciada ainda assim. Com toda maestria, advogados, psicólogos e amigos chamados para aquele momento tentavam explicar a ela o que isso significava e que seu julgamento estava marcado, para dois meses adiante. Ao voltar para casa matou-se. Não tinham filhos, não tinha parentes na cidade. Pendurou-se em uma corda pelo pescoço no caibro de sua simples casa e lá permaneceu por três dias. Os vizinhos que negavam a sua presença e a estigmatizavam como a assassina sentiram o cheiro. Semanas depois o resultado de sua autopsia saiu: ao pular da cadeira para seu salto derradeiro ainda tentou voltar, arrependendo-se do que fazia, puxando a corda do pescoço com os dedos com toda a força, esfolando-os. Meia dúzia havia em seu funeral, entre eles os dois advogados e um psicólogo que acompanhava o caso a pedido dos defensores. Suicídio feminino por enforcamento é estatisticamente quase nulo, poucas situações ocorrem dessa forma.
Tal caso ocorreu numa pequena cidade do Estado do Piauí em 1999. Os outros dois primeiros casos ainda estão em trâmite revisional, todavia existindo possibilidades para estes.
Por certo que entre os mandamentos do advogado de Couture um deles é esquecer as derrotas bem como as vitórias, mas somos diferentes, somos criminalistas. É correto que sabemos lidar com as derrotas, com o jugo impróprio e considerado injusto, sempre há mais um instrumento, ainda existe um remédio. Todavia leva tempo e esse tempo para a pessoa que lá jaz em uma fria cela não retorna nunca. Em algum lugar perguntaram sobre inocentes que são presos: ainda é melhor um culpado solto que um inocente preso.
Sabemos como os personagens dos primeiros casos retornariam para a sociedade: estigmatizados, penalizados, etiquetados, rotulados, grampeados e subjugados, quase mortos, por assim dizer. A terceira personagem não volta mais.
O corpo de sentença decidiria a vida da mulher, que tinha grandes chances a seu favor, bem como tinham os outros dois primeiros indivíduos. Mas a fúria da sociedade do pânico e do espetáculo se desloca como uma nuvem soprada com o vento, com força e rapidamente. Da mesma forma, havia grandes chances da infeliz moribunda ser condenada, quiçá também por 4 a 3 dos votos dos jurados.
Essa é a dúvida que carregaremos para sempre conosco, profissionais, estudantes e envolvidos no direito, em especial, no âmbito criminal. Rever os conceitos da votação do conselho de sentença, colocando um jurado a mais, respeitando a dúvida razoável, enfim, não traz a inocente de volta, mas minimizaria situações semelhantes. Todavia, ainda pensam que uma cadeira a mais em cada corte do País seria um grande dispêndio econômico, uma contundente falácia de um sistema inquisitório, dialeticamente grudado aos ditames da influência daquilo que lhe deveria ser externo: como a mídia.
A morte após o Júri ocorre lentamente, mesmo depois de cumprida pena, ela aparece. O fim é iminente, de toda forma, a violência de tal julgamento é tamanha que transforma a vida do acusado, ainda mais sendo seu julgamento marcado por influências externas e do apelo carismático dos meios de comunicação. Por isso, é temerário ao extremo a pronuncia de qualquer caso que ocorra sem o estudo de sua concretude, suas formas e maneiras com as quais veio a ocorrer, seus porquês. A vida não acaba somente com a morte, mas também com a estigmatização, com o desprezo e com o aviltamento do ser humano. Não se vive, mas sim, sobrevive. A pena de morte aqui esta mais viva que nunca.