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A política criminal em torno da sociedade de risco

Este trabalho, conduzido por intermédio de pesquisas bibliográficas e trabalhos científicos, tem como objetivo apresentar a Sociedade de Risco, delineada por Ulrich Beck, e seus reflexos na proteção jurídico-penal. Para isso, buscou-se examinar as possíveis ligações paradoxais entre a modernização da sociedade com um Direito Penal expansionista.

Percebe-se com a expansão da globalização, exploração dos recursos naturais, os padrões de vida em sociedade capitalista moderna, as catástrofes ambientais, elementos que estão drasticamente interligados pelo conhecimento de “riscos” que, uma vez concretizados, podem desencadear sérios danos que colocam em ameaça a própria sobrevivência no planeta Terra.

Nesse contexto, o Direito Penal inflama-se com a possibilidade de ser utilizado para conter as causas sistemáticas de condutas eventualmente arriscadas, visando à garantia da máxima efetividade pela contenção preventiva pela proteção ao meio ambiente, influenciando a (re)pensar em políticas criminais que tutelam bens jurídico-penais peculiares da sociedade pós-moderna.

A sociedade do risco na pós-modernidade

No contexto de um processo social da modernização da sociedade globalizada, a teoria da sociedade de risco formulada pelo sociólogo alemão Ulrich Beck, evidencia a necessidade de revisão dos fundamentos da política criminal com vista à garantia da máxima efetividade na proteção do bem jurídico-penal, concomitantemente com a segurança e a dignidade dos indivíduos expostos aos novos riscos.

O potencial de autoameaça civilizacional alcança uma concepção abrangente na era da nova modernidade (Pós-Modernidade), tendo em vista que com o avanço científico e tecnológico atrelado com a produção de riquezas, coloca em questão fundamentos de ameaça social e riscos na esfera política, social e econômica, ou seja, opera mudanças ameaçadoras nas condições de vida das pessoas (GIDDENS, 1991).

Percebe-se que com a modernidade, marcada pelo avanço científico e tecnológico, a sociedade começa a sofrer seus efeitos colaterais, passando por problemas ambientais que desembocam em mudanças drásticas na economia, na política e no comportamento das pessoas, perante a complexidade e dinamismo de riscos incalculáveis que caracterizam a sociedade de risco (BECK, 2011).

Segundo Beck, a modernidade avança com a superação da sociedade agrícola por intermédio do desenvolvimento de preceitos industriais, o que, em outras palavras, significa que o modo de vida cotidiano na época precisou se readaptar aos novos padrões industriais, transigindo de modo silencioso e incontrolado para o período contemporâneo de risco oriundo pelos efeitos da modernização.

Tudo o que ameaça a vida neste planeta, estará ameaçando também os interesses de propriedade e de comercialização daqueles que vivem da mercantilização da vida e dos víveres.

Surge, dessa maneira, uma genuína contradição, que sistematicamente se aprofunda, entre os interesses do lucro e propriedade que impulsionam o processo de industrialização e suas diversas consequências ameaçadoras, que comprometem e desapropriam inclusive os lucros e a propriedade – para não falar da propriedade da própria vida. (BECK, p. 46).

Nesse sentido, com o desenvolvimento do capitalismo global, a expansão da democracia e os efeitos da tecnologia e ciência marcam uma nova modernidade, caracterizada por riscos que são inegáveis à vida em coletividade, fulminando ao direito penal problemas novos e incontornáveis.

Um novo desafio para a política criminal

Aqui se faz um passo a mais para justificar a necessidade de uma inovadora política criminal voltada para a proteção de modernos bens jurídico-penais, no sentido de repensar ideias e conceitos para buscar novas formas de controle repreensivo, quando a realidade de contenção de grandes riscos exige um direito penal inovador para cumprir com tal função.

Não uma função minimalista de tutela de bens jurídicos em um núcleo duro fechado para a dinâmica social, constituintes do padrão crítico de legitimação, mas, sobretudo atribuição sem rebuços, ao direito penal, de uma função promocional e propulsora de valores orientadores da ação humana na vida comunitária – eis a única via que se revelaria adequada aos desafios da “sociedade de risco”.

Perante a ameaça comum de que somos todos objeto (relação sujeito e objeto do direito penal), e de que o serão seguramente ainda mais as futuras gerações, impõe-se que a humanidade, se quiser ter futuro, se tenha de tornar sujeito comum da responsabilidade pela vida.

Torna-se importante frisar que se deve recusar qualquer concepção penal baseada na extensão da criminalização, em que o direito penal se transforme em instrumento diário de governo e promotor propulsor de fins de pura política criminal arbitrária.

Para isso, fundamenta-se em conferir ao direito penal uma ferramenta de tutela perante os mega riscos ameaçadores da subsistência da humanidade, sendo preciso referir em que o problema jurídico-penal é um problema de ordenação social, face à natureza trágica da relação entre o agente racional em seu próprio proveito e os bens coletivos, sobretudo à proteção de bens jurídicos não somente individuais, mas também sociais como tais (DIAS, 2001).

Desse modo, o direito penal cabe a tutela subsidiária de bens jurídicos, pois também neste âmbito são de verdadeiros bens jurídico-penais que se trata. O que implica é que se trabalhe no aprofundamento do seu estudo, se progrida no estabelecimento dos seus contornos e se tome como base os progressos alcançados com as demais áreas jurídicas, por exemplo, de direito penal econômico, direito penal secundário ou econômico-social, como mesmo em matéria de direito penal do ambiente, atrelado com o auxílio indispensável da ordem axiológica jurídico-constitucional, a erupção de novos bens jurídicos deste tipo que apelem para a tutela penal.

Considerações finais

O presente estudo se baseou na teoria da sociedade de risco, analisada metodologicamente sob diferentes perspectivas por Ulrich Beck. Utilizou-se dos ensinamentos de Beck (2011) em contexto com as novas premissas e desafios para o campo da política criminal na era pós-moderna. Significa dizer que a trajetória do pós-modernismo alavanca para o desenvolvimento de um novo e alternativo ordenamento social.

Com base nesse novo cenário, há para o Direito o dever de suportar e de se readaptar aos novos e grandes desafios da sociedade pós-moderna, inserido num quadro axiológico regido pelos valores da vida, da solidariedade, e da eminente dignidade de cada pessoa humana preservada.

A dogmática penal deve evoluir, fornecendo ao aplicador critérios e instrumentos de exclusiva tutela de bens jurídico-penais, tanto individuais como coletivos, como sociais e transindividuais.


REFERÊNCIAS

BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. Trad. Sebastião Nascimento. São Paulo. Ed. 34. 2011. Pág. 46.

DIAS, Jorge Figueiredo. O direito penal entre a “sociedade industrial” e a “sociedade de risco”. Revista Brasileira de Ciências Criminais. Ano 9, nº 33, jan/mar, São Paulo. Revista dos Tribunais, 2001.

GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. Trad. Raul Fiker. São Paulo: Unesp. 1991.

MACHADO, Linia Dayana Lopes; GUIMARÃES, Rejaine Silva. Direito penal no contexto da sociedade de risco: um desafio da pós-modernidade. Revista Direito Penal, Processo Penal e Constituição. Brasília. V. 3. Nº 1. 2017.

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Eliseu Rogério Hoepner Júnior

Graduado em Direito pela Faculdade CNEC e Pós-graduando em Ciências Criminais (ULBRA)

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