A produção antecipada de prova testemunhal
Por Ingrid Bays
A partir da reforma de 2008, restou previsto no Código de Processo Penal a possibilidade de que fosse ordenada, mesmo antes do início da ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, desde que observadas a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida (artigo 156, inciso I do CPP).
Isso permite que um elemento que geralmente seria produzido como mero ato investigatório passe a ser valorável na sentença, mesmo que não colhido na fase processual (LOPES JR., 2015, p. 417).
Há menção também no artigo 225 do mesmo diploma legal que “se qualquer testemunha houver de ausentar-se, ou, por enfermidade ou por velhice, inspirar receio de que ao tempo da instrução criminal já não exista, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, tomar-lhe antecipadamente o depoimento”.
Por óbvio, o deferimento da realização cautelar de prova sujeita-se a análise do caso em concreto, diante de elementos que assinalem sua necessidade e o perigo de não ser possível produzi-la no futuro (periculum in mora) (CAPEZ; COLNAGO, 2015, p. 239). Ademais, imprescindível o cumprimento dos requisitos mínimos de jurisdicionalidade para que seja reconhecida sua eficácia, devendo atentar-se a observação de todas as garantias constitucionais concernentes ao devido processo legal.
Para que seja possível a inversão do procedimento natural, faz-se mister a presença de todos os requisitos intrínsecos (urgência e relevância) e extrínsecos (necessidade, adequação e proporcionalidade), não sendo possível, a qualquer pretexto, vulgarizar a medida cautelar em questão.
Em recentíssima decisão, tal posição foi firmada pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (HC nº 130038/DF, Rel. Min. Dias Toffoli), a qual julgou, em 03/11/2015, incabível a produção antecipada de prova testemunhal fundamentada na simples possibilidade de esquecimento dos fatos, ressaltando a necessidade de demonstração do risco de perecimento da prova a ser produzida. No caso em concreto a alegação seria de que “as testemunhas são basicamente policiais responsáveis pela prisão, cuja própria atividade contribui, por si só, para o esquecimento das circunstâncias que cercam a apuração da suposta autoria de cada infração penal”. O Supremo reconheceu a nulidade da prova testemunhal e determinou o desentranhamento dos respectivos termos de depoimento dos autos.
A importância do estudo do tema em questão respalda-se justamente na necessidade de que o instituto seja utilizado apenas nos casos em que não se verifique outra opção, respeitados os requisitos e o contraditório judicial, tornando a prova útil e válida para fundamentar a decisão judicial na futura ação penal. Nesse sentido, inclusive, dispõe a Súmula nº 455 do Superior Tribunal de Justiça: a decisão que determina a produção antecipada deve ser concretamente fundamentada, não a justificando unicamente o mero decurso do tempo.
Caso contrário, resta legitimado o “desamor ao contraditório” e a “prova alucinada” abordadas por Rui Cunha MARTINS (2013), em uma época em que tanto se insiste em dispensar o contraditório e adotar a vulgarização dos mecanismos existentes, em conluio com o imediatismo, tornando-se (outra vez) um estado democrático que utiliza mecanismos não-democráticos…
REFERÊNCIAS
CAPEZ, Fernando; COLNAGO, Rodrigo Henrique. Código de processo penal comentado. São Paulo: Saraiva, 2015.
LOPES JR., Aury. Direito processual penal. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
MARTINS, Rui Cunha. O ponto cego do direito: the Brazilian lessons. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2013.