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A pronúncia e a necessidade de um standard de prova

Por Marcos Eberhardt

No âmbito do procedimento do júri, o CPP autoriza o juiz pronunciar o acusado se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, consoante a dicção do art. 413. Diante disso, doutrina e jurisprudência majoritariamente qualificam a pronúncia como mero juízo de admissibilidade da acusação, dificultando ou até mesmo impedindo um juízo de impronúncia ou absolvição sumária nesta fase do procedimento.

No contexto da pronúncia, até os elementos indiciários tem permitido uma decisão que declare a procedência da acusação, circunstância esta aceita pelos nossos tribunais sob o entendimento de que as proibições do art. 155 do CPP, no âmbito do procedimento dos crimes dolosos contra a vida, devem ser vistas com reservas. Assim, indícios produzidos unilateralmente e sem contraditório na fase policial autorizam a sequência do procedimento sob a invocação do in dubio pro societate, olvidando-se, portanto, que a dúvida deveria funcionar, sobretudo em se tratando de prova, como um critério de resolução da incerteza em favor acusado[1]. A incerteza deveria, portanto, conduzir à impronúncia (dúvidas sobre a existência do fato e os indícios não sejam suficientemente esclarecedores da autoria ou participação)[2].

É que, apesar da necessidade de indícios suficientes de autoria para autorizar-se a pronúncia, não há determinação do alcance da suficiência – não há um standard seguro de prova, como critério de julgamento, que permita um verdadeiro controle da decisão judicial. Esta abertura e a ausência de critérios de julgamento tem autorizado decisões arbitrárias e com pouca chance de reversão nas instâncias impugnativas justamente porque o “suficiente” é indeterminado, é subjetivo.

A partir de KNIJNIK, temos que o livre convencimento encontra limites na necessidade de motivação e na demonstração dos modelos de constatação, critérios de julgamento ou standards de prova. É preciso, portanto, que a decisão judicial evidencie o standard de prova utilizado para aquele caso concreto que, no processo penal, identifica-se com o modelo da “prova além da dúvida razoável”[3].

A complexidade aumenta nos casos em que a existência de dúvida razoável sobre os pedidos da acusação tem autorizado que o acusado seja submetido ao Conselho de Sentença (entrando em cena a íntima convicção e exibindo-se episódios muito semelhantes ao “vale-tudo”). Sob o pretexto de “não usurpar a competência constitucional do Júri”, os julgados indicam uma omissão confortável chamando o in dubio pro societate para elevar toda e qualquer dúvida, mesmo que mínima, ao padrão “A decisão de pronúncia encerra mero juízo de admissibilidade da acusação, não se exigindo certeza, mas tão somente o exame de prova da materialidade e de indícios da autoria, prevalecendo, nesta fase, o princípio do in dubio pro societate.

Em nosso sentir, a pronúncia deveria funcionar como mecanismo de segurança e imposição de limites ao Estado, garantindo-se que o acusado seja submetido ao Tribunal Popular somente quando existirem provas suficientes da autoria e materialidade da infração penal e desde que o critério de julgamento seja menos fluido do aquele precariamente informado pelo órfão in dubio pro societate.

É preciso muito mais do dizer que “a dúvida, na pronúncia, favorece a sociedade”. Um standard de prova ou critério de julgamento bem definido e objetivo não serve à busca da verdade, mas sim à eliminação de erros judiciários.

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[1] LOPES JR., Aury. Direito processual penal. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 554.

[2] NASSIF, Aramis. O novo júri brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p.67.

[3] KNIJNIK, Danilo. A prova nos juízos cível, penal e tributário. Rio de Janeiro: Forense, 2007. pp. 19-38.

_Colunistas-MarcosEber

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