Por Iverson Kech Ferreira
Sociólogo norte-americano, nascido em 1928, representante do interacionismo simbólico, para Howard Becker os comportamentos sociais não se podem explicar a partir de esquemas rigidamente estabelecidos, segundo papéis sociais estereotipados, mas antes pela interação entre os sujeitos. O comportamento dos indivíduos só é compreensível a partir das interpretações que cada um faz dos mecanismos de interação social em que se encontra envolvido. Destacam-se os trabalhos que realizou sobre os comportamentos desviantes e o estudo de determinados grupos dentro da sociedade que possuem comportamentos peculiares e regras próprias.
Nascido e tendo vivido em Chicago, deparou-se com as mazelas de sua cidade na época e com um turbilhão de problemas políticos que Chicago vivia.
Seus trabalhos são notadamente significantes, pois escolheu grupos sociais singelos que viviam em sua cidade natal e estudou seus comportamentos, suas regras próprias e qual sua relação com o outro, aquele que não faz parte do grupo seleto, porém é numero no maior de todos os agrupamentos: a sociedade.
Os grupos formados volitivamente pelas aptidões próprias possuem suas características peculiares, pode-se então assim entender que cultura própria e a determinação que parte do cerne da estrutura do grupo, são definidas por regras informais e seguidas fielmente por aqueles que perfazem as fileiras do agrupamento – “…alguns desviantes (homossexuais e viciados em drogas dão bons exemplos) desenvolvem ideologias completas para explicar por que estão certos e os que desaprovam e punem estão errados” – (BECKER, 2008, p. 16). Se uma pessoa dentro desse próprio grupo desviar de suas regras ela também é tida como um Outsider.
Mas de fato, como considerar algum grupo, comportamento ou pessoas Outsider? Como dizer, cientificamente, quem está as bordas das sociedades e quem as compõe? O estudo do desviante nos leva a visualizar as estatísticas, uma vez que, estaticamente, destros são a maioria, então, seria o canhoto diferente do grupo. Outro exemplo, tomamos por conta uma cidadezinha interiorana típica e familiar, com seus conceitos conservadores e cristãos. Um casal divorciado, para os moradores dessa cidade é de fato desviante, pois é a minoria. Para tanto, basta não seguir a trilha e tomar caminhos considerados atípicos a toda uma maioria. Não há, na concepção do estudo estatístico para definir o desviante, uma quebra de regra ou de normas pelo cidadão que é tido como Outsider, mas sim, uma diferença de vontades, ação e natureza.
Outra concepção define o individuo ou grupo desviante possuidor de alguma característica patológica, logo se enxerga traços distintos na personalidade que, psicologicamente, tenha alguma explicação para ocorrer. No entanto, essa concepção ofusca a visão para definir o ser desviante, uma vez que o que se desvia é tido como uma doença. Assim sendo, estamos fadados por essa concepção, a crer na doença e suas artimanhas, uma vez que o viciado só é considerado assim por uma espécie de doença mental, bem como os homossexuais ou os as pessoas que tem medo de altura. Portanto, a metáfora médica é limitadora, uma vez que, como a concepção estatística, aceita, analogicamente, julgamentos leigos para identificar o que é desviante.
Becker traz como concepção ideal a relação regras/quebra de regras como a mais acertada para o estudo dos grupos desviantes. Essa ideia relativística identifica o desvio, segundo o autor, como falha ao obedecer as regras do grupo. Assim, a pessoa que violou certa regra pode ser dita como desviante do grupo, com precisão. Essa concepção também traz a liberdade de escolher um grupo e estudá-lo sem se preocupar com definições clínicas ou se o grupo visa estabilidade da sociedade ou não, porem, simplesmente, estuda os comportamentos dos indivíduos desviantes perante as regras criadas.
A definição de desvio é tida pela infração de qualquer regra que é aceita pelo grupo. Porem, as pessoas que infringem uma determinada regra perfazem uma categoria homogenia, ou seja, um grupo de pessoas que cometeram o mesmo desvio. Assim sendo, as regras que são postas por uma sociedade dominante, por quem as dita, então Becker afirma que o crime não é a qualidade do ato porem um ato que é qualificado como criminoso. Pessoas podem ser identificadas como desviantes sem ter cometido um ato criminoso, isso pela reação dos outros perante as peculiaridades de quem é dito como desviante. Portanto, se um ato é ou não desviante depende de como outras pessoas reagem a esse ato. Da mesma forma, o grau de importância que um ato será tratado como desviante do sistema depende muito de quem o comete e quem se sente prejudicado por tal ato.
Podemos assim, deduzir que, pessoas que vivem a margem das grandes capitais, em bairros miseráveis e em pobreza peculiar é tida como desviante e rotulada como Outsider bem mais do que qualquer outro que vive nos centros das grandes cidades, os cidadãos de classe media. Também por esse prisma, um processo legal tem a probabilidade de ser instaurado e chegar ao fim contra qualquer um rotulado da classe pobre em questão, porem, contra aos cidadãos da classe media nem chegue a tanto.
Segundo Becker:
“o desvio não é uma qualidade simples, presente em alguns tipos de comportamento e ausente em outros. É antes um processo que envolve reações de outras pessoas ao comportamento.”
Dessa forma, não podemos de forma alguma dizer qual ato é desviante daquele que é rotulado pratica sem antes sabermos a reação dos outros.
As regras que são criadas e mantidas por um grupo são as mesmas que são quebradas pelo comportamento desviante. Todavia, essas mesmas regras não são universais e generalizadas, são objetos de conflito e divergência por fazerem parte do processo político de uma sociedade.
Grupos desviantes podem fazer suas regras próprias e conviver com elas, inclusive aceitando sua diferença perante a sociedade, porem, considerando sua igualdade perante os componentes do grupo. No caso, usuários de maconha mantém o sigilo quando o assunto é a droga da qual utilizam. O rompimento de imperativos morais se dá quando a pessoa torna-se usuária da droga, ressurgindo assim para o seu novo grupo como mais um em suas fileiras.
O que se afirma então, é que o crime praticado por qualquer individuo passa somente a ser crime se de fato pessoas têm uma reação que considere imoral e incorreta a ação do individuo. Se a lei diz que “molestar de forma intencional toda espécie de cetáceo em águas jurisdicionais brasileiras” (Art. 22 do Decreto 3179/99) é crime válido em todo território nacional, para um povoado distante de pescadores somente será considerado crime o ato que moralmente atinja o grupo, como por exemplo, não dividir os espólios da pesca em uma demanda de pesca conjunta. Se um cetáceo for pego na pescaria e esse não for dividido, é então destacado o crime.
Grupos formados e rotulados podem desencadear sentimentos supervalorizados pelo simples fato da sua não aceitação, ou, por outro viés, podem aceitar tal rótulo e conviver com ele até que molde, de toda forma, a identidade. Entretanto, para as fileiras do grupo estabelecido, qualquer ato contrario aos seus costumes realizado pelo menor destacamento será considerado um ato contra a própria sociedade e seus valores, representados pelo Estado. Se a interação entre os sujeitos define a ação social e todo o fato social, se a pulsão humana age de forma a denegrir os sentidos mais sofisticados do próprio ser em prol de sua satisfação, então os estudos da sociologia do desvio e do crime crivam a assertividade dos estudos de Becker: o comportamento dos indivíduos só é compreensível a partir das interpretações que cada um faz dos mecanismos de interação social em que se encontra envolvido, a partir dos laços que o prendem a um agrupamento social.
Dizer que uma minoria é um grupo desviante e que se moldou durante anos como tal é aceitar a relação de poder que um grupo tem em relação a outro, e entender qual a relação do grupo estabelecido para com o Estado é essencial para que se possa compreender as formas de controle e domínio, e mais relevante ainda, as maneiras que são realizadas e quais os instrumentos são utilizados para se obter esse controle e esse domínio.
REFERÊNCIAS
BECKER, Howard S., Outsiders, Editora Zahar, Rio de Janeiro, 2008
ELIAS, Norbert. Os estabelecidos e os outsiders: sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade/ Norbert Elias e John L. Scotson. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000.