ArtigosDireito Penal Tributário

A suspensão da exigibilidade do crédito tributário e a lavagem de dinheiro

Por Henrique Saibro

Hoje iremos debater, em conexão ao que já trabalhamos anteriormente, os efeitos que a liminar, o parcelamento e a fiança bancária podem ocasionar na persecução de branqueamento de capitais. Vejamos.

A liminar

Consoante aduzido previamente, a concessão de antecipação de tutela em mandado de segurança ou em outras espécies de ação judicial exige, para a sua legitimação, uma série de requisitos, dentre eles: (i) a verossimilhança da alegação; (ii) relevante fundamento; (iii) prova inequívoca; (iv) prova pré-constituída; (v) fundado recreio de dano irreparável; e (vi) ineficácia da medida[1].

Com efeito, conquanto prevaleça o entendimento doutrinário e jurisprudencial no sentido de que o termo indício descrito no § 1º do art. 2º da Lei de Lavagem de Dinheiro represente uma prova tênue, bastando apenas “um início de prova”[2] que aponte para a provável existência da materialidade do crime antecedente, tudo indica que a antecipação de tutela que suspende a exigibilidade do crédito tributário da infração antecedente represente justamente o contrário. Ou seja, consiste em prova indiciária de que a sonegação fiscal não teria ocorrido, de modo a obstruir inclusive o recebimento da peça pórtica que trata sobre branqueamento de capitais.

Posteriormente, em caso de decisão definitiva transitada em julgada confirmando a antecipação de tutela, tem-se atestada a inexigibilidade do crédito tributário, ocasionando a absolvição pela prática de sonegação fiscal por estar provada a inexistência do fato (art. 386, I ou 397, III, do CPP), dada a inexistência do crédito tributário. Essa hipótese gera o impedimento da caracterização do crime de lavagem, dada a inexistência, já comprovada, de produto ou proveito ilícito a ser lavado[3]

Por outro lado, se no decorrer do processo a antecipação de tutela vier a ser cassada, abre-se uma nova oportunidade para que a denúncia sobre lavagem seja recebida, pois revertido o quadro probatório: agora a prova indiciária aponta para a ocorrência de crime tributário prévio ao branqueamento de capitais.

O parcelamento

A fim de evitar tautologia, pois já tecidos diversos argumentos a respeito dos efeitos do parcelamento do débito tributário no processo penal em outra publicação no site, cumpre sintetizar que parcelar o débito, por mais que suspenda o crédito tributário, poderá, no máximo, alcançar a quitação da dívida, ocasionado, então, a extinção da punibilidade do acusado. E como a extinção da punibilidade do delito antecedente não é causa impeditiva de condenação quanto ao crime de branqueamento de capitais – conforme inteligência do § 1º do art. 2º da Lei nº 9.613/98 –, não há impeditivo legal algum para que a denúncia sobre lavagem seja recebida e para a posterior condenação.

Fiança Bancária

Adentrando nas hipóteses garantidoras do crédito tributário, o eventual efeito que a fiança bancária poderá acarretar no processo penal tratando sobre lavagem de dinheiro, tendo como crime antecedente a sonegação fiscal, deve ter idêntico raciocínio ao traçado no que tange ao depósito integral do débito. A fim de evitar ao máximo a redundância das argumentações já expostas, vale sintetizar as consequências.

Oferecida a fiança bancária (art. 9º, II, da LEF) e devidamente aceita pela Fazenda Pública, os prováveis desfechos serão (i) a procedência da demanda, com a devida desconstituição do crédito tributário – o que enseja a absolvição do acusado pela prática de sonegação fiscal por estar provada a inexistência do fato (art. 386, I ou 397, III, do CPP) –, ou (ii) a improcedência da ação, convertendo-se o valor garantido em renda em favor da Fazenda, resultando na quitação do débito – ocasionando a extinção da punibilidade do imputado pelo pagamento.

Pois bem. Já indicado noutro momento, há decisão do TJ/SP entendendo que estando garantida a dívida fiscal “não haverá lesividade ao Estado” e, “sem lesividade, não há crime”[4]. Isso posto, teríamos uma absolvição com base no inciso III do art. 397 do CPP e, transitado em julgado o decisum, fica impedida a caracterização do crime de lavagem de dinheiro, pois, reitere-se, não remanesce produto ou proveito ilícito para a ocorrência da lavagem[5].

Entretanto, há acórdão do STJ entendendo que a aceitação de carta fiança enseja a extinção do processo por ausência de justa causa[6]. Nessa hipótese, levando em consideração a premissa de que, em se tratando de recebimento de denúncia sobre branqueamento de capitais, especificamente no exame dos pressupostos da justa causa não é necessária “a obtenção de um juízo de certeza acerca da autoria e da materialidade delitivas”[7], não estaria prejudicado o recebimento da exordial acusatória.

Quanto à possibilidade de condenação pela prática do crime de lavagem de dinheiro mesmo em caso de extinção do processo penal que trata sobre o delito fiscal antecedente, por ausência de justa causa em razão da garantia do débito, há posicionamentos que se inclinam para uma resposta afirmativa, dada a concepção de que o édito condenatório sobre branqueamento de capitais independe de condenação ou de existência de processo pelo delito prévio[8]. Todavia, deve-se insistir na existência de prova cabal de que o “objeto da lavagem é produto ou provento de crime antecedente”[9]. Mas, noutra linha mais exigente quanto à força probatória necessária para chancelar o édito condenatório, seria necessária a existência de certeza sobre a ocorrência da sonegação fiscal antecedente à lavagem[10], o que ficaria impossibilitado em face da ausência de justa causa. Inviável, diante desse entendimento, a condenação pelo cometimento de branqueamento de capitais.

Igualmente, há decisão do STJ, em hipótese tratando também de aceitação da Fazenda Pública de fiança bancária, entendendo que é caso de suspensão do processo penal com base no art. 93 do CPP[11], aguardando-se, portanto, o desfecho da matéria cível. Nesse caso, pode-se depreender que essa suspensão não impede a tramitação do crime de lavagem, em razão do princípio da acessoriedade limitada[12]. Aliás, se a resolução do Juízo cível for no sentido da improcedência da demanda, converte-se em pagamento a garantia feita, extinguindo-se a punibilidade do réu quanto ao crime tributário, mas nada impedindo a sua condenação em relação ao delito de lavagem, como exaustivamente já tratado no estudo.

__________

[1] MARINS, James. Direito Processual Tributário Brasileiro: (Administrativo e Judicial). 6. ed. São Paulo: Dialética. 2012. p. 637.

[2] BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de Dinheiro: Aspectos Penais e Processuais Penais: Comentários à Lei 9.613/1998, com alterações da Lei 12.683/2012. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 262.

[3] Idem, op. cit. p.193.

[4] HC 993.08.017052-5, TJ/SP, Décima Segunda Câmara Criminal, Rel. Desembargador Celso Limongi, DJ 25/07/08.

[5] BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de Dinheiro: Aspectos Penais e Processuais Penais: Comentários à Lei 9.613/1998, com alterações da Lei 12.683/2012. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 193.

[6] HC 155117, Sexta Turma, Rel. Ministro Haroldo Rodrigues (Des. Convocado do TJ/CE), DJe 03/05/2010.

[7] Nesse sentido: BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Habeas-corpus n. 5006169-75.2014.404.0000, da Sétima Turma, Relator: Juiz Federal José Paulo Baltazar Junior, Porto Alegre, RS, D.E. 09/04/2014. Disponível aqui. Acesso em: 04/06/2014).

[8] MORO, Sergio Fernando. Crime de Lavagem de Dinheiro. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 88.

[9] Idem, ibdem.

[10] BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de Dinheiro: Aspectos Penais e Processuais Penais: Comentários à Lei 9.613/1998, com alterações da Lei 12.683/2012. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 265.

[11] RHC 24540, Sexta Turma, Rel. Ministro Og Fernandes, DJe 17/12/2010.

[12] BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Crimes Federais. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 1135.

HenriqueSaibro

Henrique Saibro

Advogado. Mestrando em Ciências Criminais. Especialista em Ciências Penais. Especialista em Compliance.

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