A teoria da tipicidade conglobante de Zaffaroni
A teoria da tipicidade conglobante de Zaffaroni
Por Bruna Soares e Gleydson Andrade
Eugenio Raúl Zaffaroni, ao tentar sanar algumas antinomias presentes no direito penal propõe a modificação do entendimento de tipicidade penal, adicionando a figura da tipicidade conglobante. Para a teoria, é típica a conduta praticada pelo agente que se revela antinormativa e que constitua uma ofensa concreta aos bens de relevância para o Direito Penal, levando sempre em consideração o ordenamento jurídico de uma forma global – como um todo.
Em verdade, o autor realiza uma adequação do elemento do fato típico na análise do conceito da tipicidade penal. Assim sendo, o fato para ser considerado típico deverá conter ao mesmo tempo os elementos: conduta, resultado, nexo de causalidade e a tipicidade penal.
A teoria da tipicidade conglobante
O mestre argentino defende a análise do fato como um todo, ou seja, o fato deve contrariar todo o ordenamento jurídico posto. Portanto, não há espaço para trabalhar com a contradição que caminhe no sentido de uma ilogicidade do sistema, pois o mesmo fato não poderá ser lícito para a esfera civil e ao mesmo tempo o fato ser ilícito para a esfera criminal, por exemplo. Não se pode “admitir que na ordem normativa uma norma ordene o que outra proíbe.” (ZAFFARONI, 2009, p. 395).
Nesse ínterim, a teoria da tipicidade conglobante representa a ruptura de paradigma frente a tipicidade penal, pois não basta a simples subsunção da conduta ao tipo penal para ser classificada como típica. Sob a ótica da conglobante, a tipicidade formal passa a ser apenas um dos requisitos que compõe a tipicidade penal (ZAFFARONI, 2009 p. 399).
Em que pese a evolução doutrinária no sentido de incluir a tipicidade material ao conceito de tipicidade penal, a teoria trazida por Zaffaroni propõe um aprofundamento ainda maior na análise típica de um fato.
Nesse sentido, além da formalidade da conduta perante um tipo penal e o respectivo dano relevante ao bem jurídico tutelado, o autor assevera que “a tipicidade penal não se reduz à tipicidade legal, e sim deve evidenciar uma verdadeira proibição com relevância penal, para o que é necessário que esteja proibida à luz da consideração conglobada da norma.” (ZAFFARONI, 2009, p.474).
Isso implica considerarmos o ordenamento jurídico como um todo, de forma que o estudo da tipicidade resta da seguinte maneira: tipicidade formal + tipicidade conglobante (tipicidade material + antinormatividade) = tipicidade penal.
Portanto, nas palavras do jurista, “o fato terá ainda de passar pelo crivo da tipicidade conglobante, e só assim o determinar como típico” (ZAFFARONI, 2009. p354), para que possamos dar por superada a análise da tipicidade penal.
Em julgado do Superior Tribunal de Justiça podemos encontrar a relevância da tese de Zaffaroni em nosso ordenamento jurídico, a partir do seguinte julgado:
HABEAS CORPUS. PENAL. ESTELIONATO PRATICADO CONTRA ENTIDADE DE DIREITO PÚBLICO. (ART. 171, § 3º, DO CP). PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO INCIDÊNCIA. ORDEM DENEGADA. 1. Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, para se caracterizar hipótese de aplicação do denominado “princípio da insignificância” e, assim, afastar a recriminação penal, é indispensável que a conduta do agente seja marcada por ofensividade mínima ao bem jurídico tutelado, reduzido grau de reprovabilidade, inexpressividade da lesão e nenhuma periculosidade social. 2. Nesse sentido, a aferição da insignificância como requisito negativo da tipicidade envolve um juízo de tipicidade conglobante, muito mais abrangente que a simples expressão do resultado da conduta. Importa investigar o desvalor da ação criminosa em seu sentido amplo, de modo a impedir que, a pretexto da insignificância apenas do resultado material, acabe desvirtuado o objetivo a que visou o legislador quando formulou a tipificação legal. Assim, há de se considerar que “a insignificância só pode surgir à luz da finalidade geral que dá sentido à ordem normativa” (Zaffaroni), levando em conta também que o próprio legislador já considerou hipóteses de irrelevância penal, por ele erigidas, não para excluir a tipicidade, mas para mitigar a pena ou a persecução penal. 3. Num juízo de tipicidade conglobante, que envolve não apenas o resultado material da conduta, mas o seu significado social mais amplo, certamente não se pode admitir a aplicação do princípio da insignificância, inobstante o inexpressivo dano patrimonial que deles tenha decorrido, em delitos em cuja prática se empregou violência ou ameaça de qualquer espécie, ou, como no estelionato, ardil ou fraude contra entidade de direito público. 4. Ordem denegada. Superior Tribunal de Justiça – STJ – 2ª Turma – Habeas Corpus 119.729 – Distrito Federal. Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 12 de dezembro de 2013.
Quer estar por dentro de todos os conteúdos do Canal Ciências Criminais?