A teoria não se aplica na prática: quem lhe falou isso?
Por Thiago M. Minagé
Já passava da meia-noite de terça para quarta, estava cansado, um dia inteiro andando pelo Tribunal de Justiça fazendo audiências no JECRIM, afinal de contas, estava no primeiro ano da advocacia e cobrava barato para amigos de conhecidos, logo, muitos processos de pequena complexidade tomavam conta de meus dias. O telefone toca e do outro lado da linha uma voz feminina, trêmula e desesperada se pronuncia:
– Boa noite Dr. Tudo bem? Desculpe o horário mas meu marido está preso e não sei o que fazer, me deram esse numero e disseram pra te ligar. Me ajuda!
Imediatamente respondi:
– Calma! Onde você está?
Ela, rebateu:
– Na 1ª Delegacia de Policia. Simplesmente entraram lá em casa e me perguntaram: Cadê ele? Onde estão as armas? Onde estão as drogas? Algemaram ele e troxuram pra cá. Quanto o Sr me cobra pra soltar meu marido?
Respondi:
– Estou indo pra Delegacia agora.
Imediatamente pulo cama, coloco o terno, todo amarrotado, e saio desesperadamente, sem ao menos saber o que me espera ou mesmo se o fato era aquele que me fora relatado.
Ao chegar na Delegacia encontro a pessoa que me ligou em pé chorando do lado de fora, não foi difícil identificá-la, até porquê uma hora daquelas, não muitas pessoas ficam na porta de uma Delegacia esperando alguém.
Já havia levado uma procuração genérica e na parte da qualificação em branco para preencher na hora, falei o valor dos honorários para a Sra. que me aguardava e a mesma informou não ter todo o valor e me passou apenas uma parte do que tinha na bolsa, bem abaixo do valor baixo que cobrei, mas já estava ali, não ia negar.
Me dirijo ao balcão da Delegacia:
– Boa noite!
(ninguém responde)
Insisto:
– Boa noite!
Um policial se manifesta:
- Pois não Dr.
– Tem uma pesoa presa e gostaria de falar com ela e saber do que se trata.
– O Inquérito é sigiloso, o Sr. não pode ter acesso.
– Como assim? Tenho direito de ver o Inquérito. Posso falar com o preso?
– Também não Dr. O Delegado determinou isolamento do elemento.
– Posso falar com o Delegado ?
– Dr. o Delegado foi descansar, o dia foi pesado, só amanhã, é muito vagabundo pra prender.
– Mas eu preciso falar com o preso, saber o que tá acontecendo, preciso saber o que está acontecendo. Não existe incomunicabilidade o que fazer com a Constituição e direitos humanos.
– ha ha ha ha Dr. a teoria é bem diferente da prática, aqui é realidade, aqui o bicho pega e quem manda é o Delegado. Não tem acesso ao Inquérito e muito menos falar com o vagabundo. E me dá licença que eu to cansado e vou tirar um cochilo. Volte amanhã.
Nesse momento saio frustrado e me deparo com aquela senhora que me ligou apreensiva, aguardando uma resposta. O que dizer a ela agora? Como explicar o que ocorreu? Como dizer que não pude falar com o preso e que terei de voltar no dia seguinte para conseguir saber de algo? Quem disse que a Teoria não se aplica na prática? Será que tudo o que estudamos, lemos e hoje ensinamos não existe?
Esse ainda é infelizmente o dia a dia de quem advoga perante delegacias de polícia. Essa é a labuta do advogado, como se estivesse pedindo um favor, como se algo de errado estivesse prestes a ocorrer.
O não detalhamento do crime imputado foi proposital, para você que lê entenda que pouco importa quem foi ou o que fez, na verdade direitos devem ser respeitados, não só do preso, como também do advogado e da família que acaba “pagando” por algo que não fez.
E você, colega, já vivenciou alguma situação semelhante?