A tipificação do crime de terrorismo no Brasil
Por Fauzi Hassan Choukr
Dentre as várias discussões acerca da expansão do direito penal e seu legítimo papel no estado de direito sobressai, pelas peculiares dificuldades políticas e jurídicas, aquela da tipificação da conduta sob a epígrafe de “terrorismo”.
No caso brasileiro há uma sensível e, porque não, irônica complicação nesse assunto pois com o advento da Constituição Federal da 1988 ficou estabelecido que, conforme o seu artigo 4º, VIII, o Brasil, na relações internacionais, rege-se pelo repúdio ao terrorismo. Ademais, a Constituição criou um regime jurídico diferenciado para o tratamento do terrorismo quando ele vier a ser disciplinado na legislação infraconstitucional, a teor do artigo 5º, XLIII.
A fina ironia fica por conta de que a atual previsão legal que trata de terrorismo é a Lei nº 7170, de 14 de dezembro de 1983, chamada de Lei de Segurança Nacional, que estabelece, em seu artigo 20, que qualquer pessoa que “devastar, saquear, extorquir, roubar, seqüestrar, manter em cárcere privado, incendiar, depredar, provocar explosão, praticar atentado pessoal ou atos de terrorismo, por inconformismo político ou para obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas ou subversivas”, ou, ainda, quem “constituir, integrar ou manter organização ilegal de tipo militar, de qualquer forma ou natureza, armada ou não, com ou sem fardamento, com finalidade combativa” (artigo 24) estará cometendo delito de terrorismo.
No cenário normativo, descontada a necessária filtragem constitucional, cumpre a uma norma parida em plena exceção ao estado de direito o papel de salvaguardar as instituições democráticas constituindo-se, inclusive, numa das exceções à regra da imprescritibilidade de acordo dom o próprio texto constitucional.
Não necessariamente atentado à essa flagrante assimetria jurídico-político o congresso brasileiro busca, de tempos em tempos, resgatar a discussão sobre a tipificação da conduta terrorista mesmo porque temos aderido à maior parte dos tratados internacionais em matéria de direito penal internacional, como por exemplo, a Convenção das Nações Unidas para a Repressão ao Apoderamento Ilícito de Aeronaves Convenção para a Repressão aos Atos Ilícitos contra a Segurança da Aviação Civil, a Convenção Interamericana contra o Terrorismo e a Convenção Internacional para a Supressão do Financiamento do Terrorismo.
Assim, a falta da legislação adequada não apenas dá sobrevida a um texto de bases políticas inconsistentes co. o estado de direito como mantém a legislação brasileira alheia aos seus compromissos internacionais, neste ponto igualmente afrontando a própria constituição da república como já mencionado,
No presente momento, além do Projeto de Lei do Senado no 236, de 2012, nos termos da Emenda no 1 – CTRCP (Substitutivo) que cria o novo código penal, disciplina o tipo penal de terrorismo no art. 239, existe o PLS no 499, de 2013, da Comissão Mista destinada a consolidar a legislação federal e a regulamentar dispositivo da Constituição Federal, que define os crimes de terrorismo e determina a competência da Justiça Federal para o processamento.
Submetido à análise da Comissão de Direitos Humanos do Senado, o mencionado PLS 499 foi rejeitado sob um duplo argumento : de um lado, a desproporção das penas previstas em relação ao atual CP e mesmo ao projeto de novo código penal e, de outro “observa-se que a presente proposição vem na contramão das tendências mundiais de política criminal que defendem a intervenção mínima do direito penal”.
Se a justificativa da rejeição encontra algum sustento na desproporção das penas (e que poderia ser sanada na própria tramitarão legislativa), aquela da “intervenção mínima” realmente não se sustenta pois ela serva exatamente para afirmar que o poder punitivo penal deve intervir exatamente em situações de absoluta necessidade dentre as quais, à evidência, se encontra a previsão de terrorismo e seus correlatos como, por exemplo, segui financiamento.
Nesse aspecto a rejeição é muito mais por uma ideologia político-partidária do que por razões técnicas e deixa a descoberto não somente os fatos acontecidos no direito interno como fragiliza os compromissos internacionais assumidos. é um preço alto demais para se pagar pela opção de um partido político.